quinta-feira, 8 de abril de 2010

O regresso da vírgula

As vírgulas são uma praga de que não nos conseguimos livrar, seja por infestarem os textos sem rei nem roque quando em excesso, fazendo com que a leitura se transforme numa corrida de obstáculos ou de ataque de soluços, seja por primarem pela ausência, deixando-nos à deriva num oceano de letras e em permanente risco de sermos engolidos pelas vagas alterosas do texto. Também há, claro, as vírgulas rigorosamente aplicadas, o que já vai sendo raro, e as outras – topo de gama –, conhecidas por «cirúrgicas».

Haverá quem se lembre de uma vírgula assaz cirúrgica que ficou famosa por – dizem as más línguas – ter como alegada paternidade Almeida Santos, presidente do PS, que com tal pontuação terá alterado radicalmente o sentido de um texto legislativo. O caso não ficou provado – olha o espanto! –, mas o recurso à vírgula passou a fazer parte das reservas da nação.

Ainda esta semana o porta-voz dos utentes do Centro de Saúde de Valença, Carlos Natal, falou da «vírgula» ao contestar as explicações do Governo para o encerramento nocturno do Serviço de Atendimento Permanente (SAP) local. Segundo o executivo, a média de utentes por noite, em 2009, foi de 1,7 pessoas; de acordo com Natal, terá sido de 17 pessoas. «Alguém se lembrou de meter, deliberadamente, uma vírgula no meio», acusou.

Com vírgula ou sem ela o facto é que Valença está em pé de guerra. Depois de vigílias, cortes de estrada, marchas e muitos protestos Valença começou a encher-se de bandeiras espanholas, uma original forma de dizer que as autoridades da Galiza se preocupam mais com a saúde dos valencianos do que Lisboa. E tanto assim é que o alcaide de Tui já manifestou total disponibilidade para receber os doentes portugueses no Centro de Saúde da cidade (onde nem se paga taxas moderadoras), admitindo reforçar o respectivo pessoal médico e de enfermagem se a afluência de portugueses o justificar. Poderá não ser um caso de vírgulas, mas se restar um pingo de vergonha em S. Bento, é caso para mudar de texto.
  • Anabela Fino

quarta-feira, 7 de abril de 2010

CHEIROS DE ABRIL

TEORIA OCIDENTAL DA RELATIVIDADE

Pequeno desenho enviado por um médico do SMG (Syndicat de la Médecine Générale) para ilustrar alguns dos comentários...


- 90 pessoas têm a gripe H1N1 e todo o mundo tem que usar uma máscara.

- 5 milhões de pessoas têm SIDA e ninguém quer usar preservativo!

- 1000 pessoas morrem de gripe num país rico, é uma pandemia.


- Milhões de pessoas morrem de malária em África - é o seu problema...

sábado, 3 de abril de 2010

CHEIROS DE ABRIL

A crise do capitalismo, o PEC e a luta

Ao contrário do que ainda há poucos meses afirmavam os arautos do sistema, a crise capitalista desencadeada nos EUA em finais de 2008 está para dar e durar. De um dia para o outro a tónica do seu discurso passou de esperançosos «sinais de recuperação», para a de mais e «inevitáveis sacrifícios», antecipando mesmo que o que se seguirá não será a solução mas o agravamento dos problemas, desde o desemprego à segurança internacional.

O grande capital financeiro, a fracção do capital que cada vez mais fundido com o poder do Estado comanda ferreamente a dinâmica do sistema, não só não está disposto a abrir mão dos seus fabulosos lucros (é essa a sua natureza) como está a utilizar a crise que ele próprio provocou, para intensificar a exploração, liquidar conquistas sociais e direitos democráticos alcançados por décadas de duras lutas, reforçar o seu próprio poder.

Mais ainda. Num quadro em que o capitalismo não se encontra condicionado pela competição e comparação com o socialismo e a sua evidente superioridade social, os arautos do sistema, que sempre o apresentaram como a mais avançada de todas as formas de sociedade, estão a congeminar para o «pós-crise» cenários de brutal recuo civilizacional em que, mesmo os direitos mais elementares hoje consagrados na Carta da ONU e no Direito Internacional, seriam letra morta. É neste sentido que apontam as políticas de «ajuste» que estão a lançar para cima dos trabalhadores e dos povos, os custos das gigantescas injecções de capital que salvaram e engordaram o sistema financeiro. É neste sentido que aponta o Programa de Estabilidade e Crescimento que o Governo do PS, de braço dado com os partidos da direita e submisso às exigências da UE, quer impor ao povo português. É neste sentido que apontam as teorias de que se tem «vivido acima das possibilidades» e não será mais possível «viver como dantes», sendo necessário acabar com a «anomalia do Estado social europeu». É neste sentido que aponta um «novo paradigma de crescimento» capitalista, em que tudo seria transformado em mercadoria e o trabalhador reduzido à condição de simples produtor de mais valia.

Tão ambiciosos projectos de regressão não passam por ora disso mesmo, de projectos. A resistência e a luta que se desenvolve por todo o mundo pode derrotá-los. Mas eles existem e são realmente perigosos pois são acompanhados de uma frenética corrida aos armamentos num quadro em que se multiplicam as agressões imperialistas e os focos de tensão que (como bem mostram os antecedentes da 2.ª Guerra Mundial, da invasão japonesa da Manchúria a Munique, passando pela guerra Civil de Espanha ou pela invasão da Etiópia por Mussolini), podem vir a ter desenvolvimentos imprevisíveis. Tanto mais que se agudizam as rivalidades e as contradições inter-imperialistas, com os EUA a insistir numa afirmação de «liderança» que já não corresponde ao seu peso real no xadrez mundial, um Japão onde renasce o militarismo e crescem pretensões hegemónicas na região Ásia-Pacífico, a «grande» Alemanha a submeter a UE aos seus interesses como se viu no último Concelho Europeu em torno da chamada «ajuda» à Grécia, num processo que abalou seriamente a credibilidade do euro e que levou mesmo um «europeista» tão empedernido como Filipe Gonzalez, presidente do «Grupo de reflexão sobre o futuro da União», a afirmar que «a situação da UE é de emergência».
 

Neste quadro a luta dos comunistas e o reforço da sua solidariedade internacionalista é insubstituível. Contra a exploração, contra o militarismo e contra a guerra. Pelo fortalecimento da frente anti-imperialista. Tirando partido das dificuldades e contradições entre as grandes potências capitalistas. Neste sentido é de realçar a importância da posição comum aprovada na recente reunião do Grupo de Trabalho dos Encontros de Partidos Comunistas e Operários realizada em Lisboa, a propósito da Cimeira da NATO que terá lugar em Novembro em Portugal.
  • Albano Nunes

quinta-feira, 1 de abril de 2010

CHEIROS DE ABRIL

Receita da morte lenta

Em tempos que já lá vão a «morte lenta» era a designação que eu e um grupo de amigos dávamos a uma simpática tasquinha onde nos reuníamos à hora de almoço, sem pressas nem stress, para alimentar o corpo e desanuviar o espírito.

 O tempo parecia não passar por ali e os pratos saiam da cozinha a um ritmo próprio, sem condescendências pelos roncos do estômago e num desprezo total pelos viperinos comentários dos clientes. A comida chegava quando chegava e pronto, mas quando chegava fazia-nos esquecer todas as mágoas, pelo que durante anos fomos voltando, voltando, voltando sempre.

Um dia, depois das férias, o grupo ficou à beira da apoplexia quando descobriu que a «morte lenta» tinha virado «manjedoura», as madeiras tinha passado a cromados e da cozinha do nosso (des)contentamento não havia nem rasto. Órfãos de todo mudámos de poiso e os almoços perderam o encanto. Anos mais tarde, numa de saudosismo, voltei ao local. A «morte lenta» estava transformada em dependência bancária. Era o progresso.

Lembrei-me disto agora a propósito das declarações de Mira Amaral, ex-ministro da Indústria e Energia e actual presidente do banco BIC Portugal, a propósito do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC). O ex-ministro, falando esta terça-feira à TVI, teceu fortes críticas à política do Governo e considerou que Portugal está «numa trajectória de morte lenta».


Na abalizada opinião de quem não serviu o País mas garantiu o (seu) futuro, as mudanças que importa fazer na economia portuguesa exigem um entendimento entre PS, PSD e CDS/PP (como se não fosse isso mesmo que sempre acontece...).

Mas isso já não chega, diz Mira Amaral, acrescentamos que «nós também temos que mudar de vida; as famílias têm que consumir menos e poupar mais, o Estado tem que gastar menos e as empresas têm que reduzir despesas supérfluas e aumentar a competitividade e os trabalhadores têm de trabalhar mais horas». É claro que o «nós» de Mira Amaral é majestático. Ele prescreve a receita de sempre e os outros que tomem a pílula.

  • Anabela Fino
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