terça-feira, 24 de agosto de 2010


Filhas da mãe

Dá pelo nome de «mães e filhas». Aos que postos a adivinhar se preparam para, antecipando o que se escreverá, ver na designação nome de filme, revista de sociedade ou série neonatal, se dirá que errados estão. Podendo ser por coincidência o que cada um se deitou a imaginar, e que com aquele nome bem podia ser, a «mães e filhas» que para aqui foi chamada é tão só designação de directiva comunitária. Por antecipação a quaisquer justas observações criticas quanto ao despropósito de, com tanto assunto para tratar, vir para aqui encher o texto com directivas, se esgrimirá em sua defesa que esta é parte activa da rede por onde se esfumam milhões ganhos em movimentos financeiros e operações especulativas que seriam devidos ao fisco.

Dela não se falaria, não se desse o caso de ser oportunamente invocável a propósito do caso PT e da evaporação fiscal de muitos milhões de euros de mais valias obtidos com o negócio da Vivo. Expliquemos por palavras simples o que a directiva, seguramente em rebuscado articulado, como convém ao que não pode parecer óbvio, abre portas. Ponto um: dispõe a directiva, em nome de uma alegada prevenção de dupla tributação, que as transacções entre a empresa mãe e as empresas filhas estão isentas de tributação; ponto dois: vai daí, a PT «mãe» criou, quando da compra da Vivo no Brasil, a PT «filha» que baptizou de Brasilcel BV; ponto três: prevenida, como é dever de mãe, estabeleceu-lhe morada em paraíso fiscal da Holanda; ponto quatro: a PT «mãe» vende, com um ganho superior a seis mil milhões relativamente ao preço que havia comprado, a Vivo à Telefónica; ponto cinco: o capital ganho é encaixado pela empresa «filha» na Holanda onde não paga impostos; ponto seis: a filha transfere para a «mãe» os dividendos também livres de impostos em nome da directiva; ponto sete: cá chegados, os dividendos ficam, a coberto do estatuto de SGPS, isentos de tributação.

Poder-se-ia dar outro nome à coisa. Mas para não ir mais longe nesta rebuscada saga familiar em que o pai não dá a cara, embora por capitalismo seja conhecido, melhor se designaria a directiva como «filha da mãe».

  • Jorge Cordeiro

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Efeito borboleta
 
Longe vão os tempos em que Cavaco Silva, então primeiro-ministro, causava inveja às ministeriais barrigas do seu executivo e demais proeminentes ventres de certa classe política registando para a posteridade a escalada ao coqueiro. O agora presidente continua escorrido de carnes, mas seja porque lhe pesem os anos ou a responsabilidade do cargo deixou-se de tais aventuras. Quanto a Sócrates, apesar de não dispensar uma corridinha higiénica onde quer que vá, devidamente acompanhado pelo seu séquito de ministros, assessores e câmaras de televisão, acusa de ano para ano o peso das responsabilidades governativas no evidente arrendondar de formas e na perda daquele passo cheio de elasticidade de que tanto parecia fazer gala. Ossos do ofício que devem conviver mal – é da humana natureza – com a persistência de alguns que, sabe-se lá por que malas artes, dão cartas na matéria. É o caso, por exemplo, de Putin – actual primeiro-ministro e antigo presidente russo – que não só parece ter feito um pacto com o diabo para manter uma invejável forma física, como ainda por cima sabe pilotar helicópteros e, diz-se, apagar fogos, para além de ter passado com distinção na cadeira de marketing político. A sua imagem de chefe-de-governo-piloto-bombeiro correu mundo e não deixou ninguém indiferente. Cavaco e Sócrates não escaparam ao efeito mediático e fizeram o que era suposto fazer perante tamanho impacto: interromperam por umas horas as suas férias vá-para-fora-cá-dentro para participarem na última sexta-feira numa reunião de trabalho no Comando Nacional de Operações de Socorro da Autoridade Nacional da Protecção Civil.
 
A iniciativa partiu de Cavaco, que avisadamente alertou de véspera as redacções para a importante iniciativa que ia levar a cabo, a saber, que subia do Algarve à capital para se informar «com mais pormenor» sobre o combate aos fogos. Uma hora mais tarde – os serviços de informação levam o seu tempo – era a vez de o primeiro-ministro anunciar que acompanharia a presidencial visita com o titular da pasta da Administração Interna, Rui Pereira.
 
Ah, grande Putin, que com o seu exemplo conseguiu pôr em movimento, cá na ponta da Europa, não uma, mas duas figuras de Estado! Conseguiu com o seu gesto o que não conseguiram duas vítimas mortais e mais de três dezenas de feridos (só este mês há registo de 25 feridos, além dos dois mortos – a bombeira Josefa Santos, de Lourosa, e o chefe João Pombo, de Alcobaça.), registados no combate aos incêndios que desde o início de Junho devastam o País, e que de acordo com os dados difundidos no final da semana pelo Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (EFFIS) já consumiram mais de 68 000 hectares. Conseguiu ainda que Cavaco se dirigisse aos portugueses, antes de regressar ao Algarve, para dizer que o dispositivo de combate aos incêndios «está em condições de responder às ocorrências que podem surgir», o que diariamente os próprios desmentem, e que Sócrates dissesse ter ficado com uma «ideia tranquilizadora» da situação.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Pontal - farroncas e mistificações

Em a «Alice no país das Maravilhas», do controverso Lewis Carrol, dizia o Dodo (um estranho passarão) para a Alice, ambos encharcados depois da queda no «mar de lágrimas»: «a melhor coisa para nos secarmos é fazermos uma corrida eleitoral».

No fundo, mais ou menos como as farroncas de Passos Coelho na festa do Pontal, onde o «líder» do PSD voltou a ameaçar com a dissolução da AR (até 9 de Setembro) e a respectiva «corrida eleitoral», advertências fantasiosas mas que visam «sacudir a água do capote» e mistificar as responsabilidades efectivas do PSD (e do PS) na situação económica e social do país, ao serviço dos grandes senhores do dinheiro.

O Pontal recupera assim uma velha tradição PSD de lançar uma qualquer mistificação para alimentar a «oposição feroz» ao PS – que, em substância, não existe, porque ambos prosseguem a mesma política e quase sempre pelos mesmos caminhos -, mas que dá muito jeito para iludir incautos e fixar as respectivas clientelas.

E, já agora, o ilusório «ultimato» do PSD - a que o PS se apressou a dar credibilidade, com a dramatização da «ameaça de crise política» -, serve também para que a candidatura de Cavaco Silva a PR alimente um novo «tabu» - se dissolve ou não a AR - e demonstre, oportunamente, a sua «isenção» e «disponibilidade» para a «convergência estratégica» com o PS.

Do Pontal 2010 sobra uma pilha de mistificações e aldrabices: que o PSD nada tem a ver com a «interferência política (e a económica?) na área da Justiça», como se não tivesse aprovado o respectivo pacto com o PS e diminuído a autonomia do Ministério Público e a independência dos Tribunais; que «o Governo não governa» porque só o líder do PSD é o «verdadeiro chefe»; que não foi o PSD que fez aprovar, mais o PS, este OE e os PECs 1 e 2, incluindo as alterações fiscais que agora afirma repudiar; que o PSD não deixará passar o OE 2011, a não ser que seja o que - se a luta o não impedir - inevitavelmente acabará por ser, porque a Comissão Europeia assim o decidiu - mais cortes na despesa e investimento do Estado, nos direitos sociais e serviços públicos, num valor mínimo de 2500 milhões de Euros, mais injustiças sociais e maior concentração e centralização da riqueza.

Este Pontal confirma um PSD mais estridente, mas com zero de novidade – vale tudo pela alternância no poder, para prosseguir e aprofundar a mesma política de direita do PS.
  • Carlos Gonçalves

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Bem dizia Lénine

A crise, ai a crise! Que seria de nós sem ela? Lá teríamos de passar os serões a falar do calor, do sócras, do freeport, do procurador geral, do contrato do figo, do bebé do ronaldo, das homilias do bispo, das festas do pontal e do pontão... enfim, das sensaborias do costume, com a agravante de que neste mês estival nem sequer temos o paulinho das feiras ou o chico do bééééé (sem ofensa, estou só a lembrar-me da ovelha negra no seio do rebanho, onde é que isso já vai...) a botar discurso para animar as hostes. É por isso que pela parte que me toca ando rendida às notícias da economia, passando a pente fino os jornais da especialidade, apostada em perceber os meandros da crise e os seus sinuosos percursos, estica aqui, encolhe acolá. De tanto esforço já estou de cabeça à roda, confesso, mas com calma isto vai amigos, isto vai.

É que a coisa é difícil, ou melhor dizendo, a profunda ignorância do comum dos mortais, em que me incluo, não facilita o que certamente para os peritos é perfeitamente óbvio. Por exemplo, a situação da banca. Dizem as notícias que os três maiores bancos privados portugueses arrecadaram, no primeiro semestre do ano (de crise), nada mais nada menos do que três milhões de euros por dia. No total, BCP, BES e BPI arrecadaram 544,9 milhões de euros, mais 62,2 milhões do que no mesmo período de 2009.

O facto não evitou, por causa da crise – cá está ela outra vez! – que no mesmo período a banca fosse «forçada» a agravar as condições de acesso ao crédito às empresas e famílias.

O lucro de três milhões de euros/dia também não impediu que os impostos pagos correspondessem apenas a um terço do valor pago no primeiro semestre de 2009: 33,8 milhões de euros contra 108,6 milhões há um ano. Ou seja, pouco mais de 6% dos lucros registados.

Escusam as mentes perversas de tentar ver aqui qualquer manigância. É tudo perfeitamente legal.

O mesmo se passa, já agora, com a PT, que de acordo com a imprensa da especialidade «surpreendeu pela positiva» com um lucro de 164 milhões de euros no segundo trimestre, ou seja mais de 80% face a igual período de 2009. Dito de outra forma, cerca de um milhão e meio por dia, e sem que entre nestas contas o resultado da venda da Vivo. E por falar nisso, eis mais um caso: a mais-valia de 7,9 mil milhões de dólares (6 mil milhões de euros) conseguida neste negócio – em 1998 a Portugal Telecom pagou 1,75 mil milhões de dólares por uma participação de 50% na Vivo e agora vai vender essa participação por 9,7 mil milhões de dólares (7,5 mil milhões de euros) –, esse lucro, dizia está totalmente isento de impostos. Tudo também perfeitamente legal e de acordo com as regras nacionais e europeias.

Pode pensar-se que quem faz as regras fá-las por gosto ao negócio vivo, o dos chorudos lucros, mas isso é outra conversa que não vem ao caso. Como dizem aqueles senhores bem falantes da tv, falando às massas, todos (os que pagamos a factura) temos de fazer sacrifícios. Por causa da crise, pois então. Ou será da economia? É no que dá a ignorância. Bem que o Lénine dizia que é preciso aprender, aprender, aprender sempre!
  • Anabela Fino

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Um homem


Um homem está perante o tribunal fascista. O juiz interroga-o.

Pergunta: «É verdade que o senhor reingressou no PC em 1954 logo após a sua fuga do Forte de Peniche?»

Resposta: […] «Só “reingressa” quem sai… e eu orgulho-me de haver abraçado a causa do comunismo desde os alvores da minha juventude e de manter até hoje sem interrupções a honrosa condição de comunista, qualidade que espero conservar até ao último alento da minha vida».

Este homem fora preso pela segunda vez três anos antes. Foi de novo barbaramente torturado: espancamentos, privação do sono, 78 dias no segredo em Caxias, prolongado encerramento numa sala dotada de equipamentos de privação sensorial e indutores de alucinações. Não falou.

Este homem, então com 47 anos, é condenado pelo tribunal fascista a uma pena de 23 anos, 8 meses e «medidas de segurança». Na prática, é condenado a prisão perpétua.

Este homem na prisão escreve e ilustra ao longo dos anos seguintes cartas para o seu filho, uma criança com um grave problema de saúde. Da sua cela de condenado surge um rico universo de personagens alegres e aventurosos, de encanto pelo conhecimento e pelo trabalho (cujas máquinas – tractores, tornos mecânicos, fresadoras - ilustra primorosamente), de entusiástica alegria de viver férias, acampamentos, idas à praia, passeios, corridas de automóveis. Com uma espantosa força, este homem procura, à distância, interpor toda a sua energia entre o filho e a doença cuja marcha inexorável sabe estar em curso.

Este homem era incapaz de deixar um inimigo sem combate. Fosse ele o fascismo, fosse ele a exploração, a opressão, a ignorância e o ódio à cultura, as manobras contra Abril, fosse ele a contra-revolução nas suas diferentes facetas. Fosse o inimigo uma doença incurável.

Era um revolucionário. Com ele sabemos que primeiro dever do revolucionário é empenhar na luta toda a energia e todas as capacidades, mesmo nas condições mais desesperadamente adversas.

Este homem era António Dias Lourenço. Conservou a condição de comunista até ao último alento da sua vida. Nem o poderia ter sido de outra forma
  • Filipe Diniz

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

«História de sucesso»


 
Numa mesma página do Diário de Notícias, lado a lado, dois textos abordando o mesmo tema.
 
 O primeiro é assinado pelo Embaixador da Colômbia em Portugal. O segundo é da autoria de «Andrés Malamud, Investigador no Inst. de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa».
 
O tema é a Colômbia; o pretexto é a tomada de posse do novo presidente, Juan Manuel Santos, que sucede no cargo ao seu chefe, Álvaro Uribe – e ambos os textos constituem entusiásticos louvores à democracia colombiana e ao seu construtor-chefe, Uribe.
 
 Curiosamente, o texto do «investigador» - que mais parece um daqueles panfletos de propaganda que nos metem na caixa do correio a dizer maravilhas da mercadoria que nos querem impingir - supera largamente o do «embaixador», quer na avaliação altamente positiva que faz à evolução da situação naquele país no reinado de Uribe; quer, sobretudo, no desbragado panegírico ao êxito da sua governação - êxito que «elevou a Colômbia da categoria de pária à de história de sucesso».
 
 Uma «história de sucesso» que - investigou o «investigador» - se exibe em três vertentes: «democracia política, boa governação e inserção internacional» - e que assenta num facto básico essencial: «enquanto o continente virava à esquerda, a Colômbia concentrou-se na luta contra os seus inimigos internos».
 
 Assim, escreve o «investigador» concluindo a investigação, «o pária, agora, habita na sua fronteira». Obama não diria melhor...
 
 Sobre os mais de 30 mil «desaparecidos» que, em milhares de casos, «aparecem», depois, enterrados em valas comuns - ou não «aparecem» porque os seus corpos foram incinerados em modernos fornos crematórios, capazes de fazer inveja aos utilizados por Hitler, o «investigador» nada sabe. Nem sobre os milhares de dirigentes sindicais, sociais e camponeses pura e simplesmente assassinados. Nem sobre os milhares de «falsos positivos», isto é, jovens assassinados e apresentados como «guerrilheiros mortos em combate» …
 
 Basta-lhe saber que a Colômbia de Uribe/Santos, graças a uma exemplar «inserção internacional» - que faz dela o mais servil lacaio do imperialismo norte-americano no continente - é uma «história de sucesso».
  • José Casanova

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Todos os dias!

Um conhecido diário nacional já publicou, à semelhança de outros anos, a notícia das «rentrées». Nela somos informados que os «Partidos voltam aos comícios em clima de pré-crise». A notícia, além do óbvio problema do desfasamento da realidade – o povo e o País vive não uma «pré-crise» mas uma profundíssima crise social, económica e política – reincide, mais um ano e mais uma vez, no erro de apresentar como igual aquilo que é muito diferente.

É que, no que toca ao PCP, nem fechámos para férias nem vamos «regressar aos comícios». Não fechámos para férias porque os problemas dos trabalhadores portugueses não fizeram um intervalo no mês de Agosto e por isso aí estamos junto deles estimulando as suas lutas, umas em defesa do posto de trabalho que após as férias pode já lá não estar, outras resistindo aos cortes nos apoios sociais que atiram para a tragédia famílias inteiras. E não vamos «regressar aos comícios» porque, contrariamente a outros, nunca embarcámos nas ridículas teorizações de que a «política moderna» se faz através das televisões, da internet e de um ou outro «fogacho» mediático, sem pessoas, sem participação popular e colectiva. Por isso este mês de Agosto, à semelhança de Julho e de tantos outros meses, será para o PCP um mês de intenso contacto com os trabalhadores, com as populações, com iniciativas várias e vários comícios.

Mas é também o mês da fase final de construção da Festa do «Avante!» a maior iniciativa político-cultural portuguesa erigida a pulso pelas ideias, o trabalho e os ideais de milhares de jovens, homens e mulheres comunistas e sem partido. Uma iniciativa ímpar no plano nacional que dá à política o seu mais nobre sentido – construção colectiva de um presente e futuros colectivos – e que espelha o País real, o seu povo, os seus problemas, a sua cultura, a sua gastronomia, os seus sonhos e a possibilidade de os realizar. Quem constrói a «Festa» garante o seu funcionamento e a visita não é um mero espectador da política, é um participante activo, é um militante da esperança, da confiança, da coragem, da determinação, da solidariedade, camaradagem e alegria. É por isso que a Festa do «Avante!» nunca deveria figurar na notícia das «rentrées» como «mais um comício». Nunca deveria ser assim porque a Festa do «Avante» não «regressa» de lado nenhum, simplesmente existe com uma força imensa, como existe este Partido, o seu ideal e o nosso povo, todos os dias!
  • Ângelo Alves
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