sexta-feira, 2 de janeiro de 2009


A novidade


Tanto quanto pude perceber entre tosse, espirros e bater de dentes da quota parte de gripe que me coube em sorte em vésperas de Natal, a grande novidade da mensagem com que este ano Sócrates nos brindou residiu no facto de desta vez ter falado de pé e não sentado como de costume. A ocorrência foi de resto registada pela generalidade dos média, o que por si só já é sintomático da dificuldade em encontrar substância na substância da coisa.

O discurso foi de tal forma demagógico que até os mais prestáveis comentadores de serviço se viram em palpos de aranha para estabelecer uma ligação coerente entre as palavras do primeiro-ministro e a realidade nacional sem perder o tom de seriedade – mínimo que seja – que é suposto presidir a estas matérias.
O caso era bicudo, convenhamos: por um lado, os indicadores da crise, mais abundantes que passas em bolo rei, a transbordar das notícias; por outro, Sócrates de fato e gravata e árvore de Natal a prometer que ele e os seus ministros vão usar todos os recursos ao seu alcance para auxiliar empresas, trabalhadores e famílias; a pedir empenho e determinação aos portugueses para ultrapassar as dificuldades; e a garantir que o País está hoje em melhores condições para responder às dificuldades que nos chegam de fora, que por cá a situação está óptima e recomenda-se.

Tanta promessa e auto-elogio – tirados a papel químico das mensagens de 2007, 2006 e 2005 – causam engulhos até aos mais seguidistas, numa altura em que, de concreto, os portugueses conhecem o aumento galopante do desemprego, o ataque sem precedentes aos direitos dos trabalhadores consubstanciado no Código do Trabalho, o endividamento para além de todos os limites, enquanto se sucedem os anúncios de «medidas» que até ver só são mensuráveis nos milhões entregues à banca para salvaguarda dos lucros escandalosos do capital.

Ainda assim, houve quem visse esta mensagem como uma espécie de injecção de confiança para estimular os portugueses a sacudir pessimismos, como se a crise e os seus efeitos fossem um estado de alma a precisar de umas palmadinhas nas costas para ganhar novo ânimo. É uma perspectiva. O problema – e não se trata de ser pessimista, mas realista – é que se é verdade que tristezas e desânimos não pagam dívidas, como os portugueses bem sabem, não é menos verdade que esperanças ocas não enchem barriga nem pagam créditos, como sabe quem tem bocas a alimentar e contas a acertar.

No mundo de faz de conta inventado por Sócrates os portugueses vivem todos melhor, as desigualdades esbatem-se dia a dia, o emprego floresce e a justiça social não pára de crescer. Pouco importa que todos os indicadores apontem em sentido inverso. O que é preciso é alinhavar palavras atrás umas das outras, em discursos de Natal que se repetem ano após ano pedindo «empenhamento e coragem» a quem já está empenhado – em sentido literal – até à orelhas.

Diz quem sabe destas lides que o discurso foi curto. Para o que foi dito, nem era preciso tanto.

  • Anabela Fino

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