terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Delírio fatal

O País está a viver tempos conturbados e estou em crer que o facto nada tem a ver com a famigerada «crise», a gripe A, o resultado das eleições ou mesmo o aquecimento global com que o senhor Al Gore anda alegremente a alengordar as suas posses. A avaliar pela dimensão do fenómeno a coisa tem de ser muito mais grave, com eventuais ligações aos mundos do outro mundo, já que nada, mas nada do que cá por este lado se vive e respira pode explicar tamanha sandice. Repare-se nos sintomas: das obscuras conversas de café às reuniões de Estado, passando obviamente pela vasta panóplia de comentadores com que o País se inebria para ter a ilusão de nada escapar à perspicácia da «opinião pública», o quotidiano nacional enveredou por um caminho que mete num chinelo o mais sofisticado palácio da loucura.


Ele são decapitações políticas, assassinatos políticos, assassínios de carácter, homicídios de carácter.


Ele é o Governo a nomear os candidatos derrotados às câmaras (casos de Gondomar, Espinho, Viseu e Alpiarça) como governadores civis dos respectivos distritos.


Ele é, sobretudo, o inenarrável romance das «escutas» do primeiro-ministro que não eram ao primeiro-ministro; do procurador-geral que divulgava as escutas para «acalmar isto» mas não divulga; do corropio das certidões entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ); do manda destruir mas não destrói, porque afinal parece que não se pode, as ditas certidões das ditas escutas; do manda arquivar as ditas cujas mas sem direito a consulta, por causa – palavras da PGR – da «natureza dos elementos»; do afinal não se pode consultar o que arquivado já estaria mas que pelos vistos já não está porque estará agora de novo «em poder do senhor presidente» do STJ; do diz que diz que disse mas não disse e tudo o que se disse é (ou pode vir a ser) mentira...


Ufff. Convenhamos que é muita areia para qualquer camioneta, como dizia a minha avó, mesmo num país de brandos costumes como os nossos onde só de quando em vez se atiram bispos pela janela. Isto mais parece um enredo de filme da série B sobre as graças e desgraças de um «serial killer» lusitano, enxertado (o enredo) na peça «A cantora Careca» de Eugene Ionesco na mais pura tradição do teatro dito do absurdo, e retocado aqui e ali com umas pincelados do «Visconde Cortado ao Meio» de Italo Calvino, com as metades do visconde Medardo de Terralba (protagonista da obra) a pregar cada uma para seu lado. E isto sem falar – justo é que se diga – no facto de as prestações dos protagonistas nacionais – todos atacados por uma atracção fatal pelos holofotes das câmaras de televisão, dos microfones da rádio, das máquinas fotográfica e até das esferográficas dos repórteres de serviço sem paralelo no mundo animal – baterem aos pontos as mais delirantes criações dos génios da literatura.


Só pode ser uma maldição. Uma praga. Um ataque alienígena. Uma calamidade. Cá por mim mandava vir um exorcista. Ou ainda acabamos todos convencidos, como o Aleixo, que «uma mosca sem valor, pousa co'a mesma alegria, na careca de um doutor (ou engenheiro), como em qualquer porcaria».

  • Anabela Fino

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