sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O despacho

De há uns tempos a esta parte tenho dado conta de que, seja por causa da idade ou por outros motivos que não são para aqui chamados por poderem remeter para essa coisa tenebrosa que se convencionou chamar de política, está a ser cada vez mais difícil acompanhar as minudências da vida nacional sem ficar com a sensação de que algo escapou, passou ao lado, se escafedeu nas entrelinhas, se sumiu nas resmas de papel ou nos bites e baites que circulam por aí.

É que ele há gente tão despachada, mas tão despachada, que o comum dos mortais, como é o meu caso, não só se sente ultrapassado como começa a desconfiar de estar parado no meio do torvelinho. Atente-se, por exemplo, nos despachos do Governo 26370/2009 e 26371/2009, ambos com data de 4 de Novembro e assinados por sua excelência o primeiro-ministro, que um perplexo cidadão teve a amabilidade de me fazer chegar. No primeiro, a produzir efeitos a partir de 26 de Outubro, Sócrates nomeia uma licenciada (o nome é irrelevante, os curiosos que procurem nos documentos citados) para exercer as funções de secretária pessoal do seu Gabinete, em missão de serviço; no segundo, com efeitos a partir de 30 de Outubro, o mesmo Sócrates exonera a mesma licenciada, a seu pedido, para ir exercer outras funções públicas, fazendo questão de evidenciar (Sócrates) a «forma extremamente leal, competente e dedicada» como (a licenciada) «desempenhou aquelas funções, bem como as excelentes qualidades pessoais e profissionais» demonstradas... em quatro-dias-QUATRO! É obra. Dizendo de outra forma, ele há gente tão competente, mas tão competente, que nem precisa de aquecer lugar para ter escancaradas portas e janelas para mais altos (certamente) voos.

É por estas e por outras que não percebo por que razão andam por aí alguns a fazer tanto barulho por causa de um jovem gestor que penou, coitado, cinco-anos-cinco para chegar ao topo da PT, ou a esmiuçar datas de encontros e contratos de gente «livre e generosa» que precisou de almoçar primeiro para se convencer a apoiar Sócrates, ou ainda a passar à lupa os entrefolhos dos despachos do Procurador Geral sobre quem-ouviu-o-quê e quem-falou-ou-não-falou-de-quê-e-com-quem, quando, como se demonstra no exemplo supra, num abrir e fechar de olhos se despacha um currículo com louvor e tudo. Se isto não é eficácia, não sei que seja.

O problema é que, como comecei por dizer, isto anda tudo numa roda viva e a maioria, onde obviamente me incluo, não tem pedalada para acompanhar o progresso. Pobre País o nosso que não sabe reconhecer o mérito e se distrai com aspectos de lana caprina... como pode progredir? Pois se basta um despacho... Despachemo-nos, que no despacho é um descanso.

É claro que, para quem gosta de alternativas, que não de alternâncias – ele há gente para tudo – talvez seja caso para dizer que está mais do que na hora de os despachar. Mas isto são eu a desconversar, como está bom de ver, que o Governo está aí de pedra e cal e cada vez mais empenhado na construção civil, que isto de ter pés de barro, como toda a gente sabe, nunca deu bons resultados.
  • Anabela Fino

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

Quanto vale um «despachozinho»...

Um abraço.

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