segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Governo pretende premiar empresas que pagam baixos salários



– o premio é de 26,6 milhões de euros


– ele será retirado da Segurança Social


por Eugénio Rosa [*]



RESUMO DESTE ESTUDO

Uma das características negativas do modelo económico português é de continuar a basear-se em baixos salários, o que inevitavelmente também leva à baixa produtividade e à falta de competitividade. É esta também uma das razões porque a crise em Portugal está a ser mais grave, e que seja também muito mais difícil, lenta e longa a recuperação da economia.

Uma exemplo concreto do modelo de baixos salários que continua a vigorar em Portugal, é o facto de o salário mínimo nacional em Portugal ser bastante inferior ao da generalidade dos países da UE15, e de o aumento anual ser, em euros, sistematicamente inferior às subidas verificadas nos restantes países da UE15, o que está a afastar cada vez mais Portugal desses países. Por ex., em Espanha, entre 1999 e 2004 o salário mínimo nacional aumentou 103,71 euros enquanto em Portugal subiu apenas 59,14 euros; e, entre 2004 e 2009, o aumento em Espanha foi de 163,71 euros, enquanto a subida em Portugal foi somente 84,86 euros. Portanto, os aumentos em Portugal foram praticamente metade dos aumentos verificados em Espanha nos mesmos períodos. No fim de 2009, o salário mínimo na Bélgica era superior em 164,3% ao de Portugal; na Irlanda em +178,5%; na Espanha em +38,7%; na França em +151,6%; no Luxemburgo em +212,7%; na Holanda em +163,2%; e na Inglaterra em +92,4% (Quadro I). Portugal é um país de baixos salários, sendo prova disso o facto de o salário mínimo nacional ter no nosso País um valor bastante inferior ao dos países da UE15, e essa diferença estar a aumentar no lugar de diminuir.


Apesar disso, o governo pretende premiar as empresas que têm trabalhadores a quem pagam apenas o salário mínimo nacional à custa das receitas da Segurança Social, que são tão necessárias à sua sustentabilidade financeira e ao apoio aos trabalhadores desempregados e às famílias em dificuldades. E não se pense que as empresas que o governo pretende beneficiar serão apenas as micro e pequenas empresas que lutam pela sobrevivência; pelo contrário, inclui também grandes empresas como a Sonae que nos seus super e hipermercados têm trabalhadores a quem pagam apenas o salário mínimo nacional. A pretexto do aumento do salário mínimo nacional em 2010, de 450 euros para 475 euros, o governo pretende baixar a taxa de contribuição para a Segurança Social das empresas que pagam apenas o salário mínimo nacional em 1 ponto percentual, ou seja, reduzir a taxa de 23,75%, que é a taxa actual, para 22,75%. A receita que a Segurança Social vai perder devido à redução da taxa contributiva daquelas empresas em 1 ponto percentual, se esta for aprovada pelo governo, será de 26,6 milhões de euros por ano (Quadro III). Portanto, serão menos 26,6 milhões de euros que a Segurança Social terá para combater a pobreza e apoiar os desempregados. É evidente que esta medida representará também um incentivo à manutenção do modelo baseado em baixos salários. Para além disso, o governo se aprovar tal medida enviará aos patrões a seguinte mensagem: Vale a pena pagar salários baixos porque isso é uma justificação válida do ponto de vista do governo para as empresas contribuírem com menos para a Segurança Social.



Obama em Oslo: O discurso da hipocrisia Imperial




No discurso pronunciado na cerimónia de recebimento do Prémio Nobel, Barack Obama “Apresentou o apocalipse afegão como um «guerra necessária» travada em defesa da humanidade. Falou de «promessa de tragédia», reconhecendo, pesaroso, que nas guerras «uns matam, outros morrem». Omitiu que a tragédia desencadeada no coração da Ásia não é promessa, mas monstruosa realidade. E omitiu também que é a sua gente, cumprindo ordens criminosas, quem mata e os «outros» quem morre”. “O discurso farisaico de Obama em Oslo, aclamado pelos sacerdotes do sistema opressor, seus cúmplices, configurou uma ofensa à inteligência e dignidade dos povos agredidos, explorados e humilhados pelo imperialismo”.

Miguel Urbano Rodrigues - 13.12.09


Talvez nenhum outro Prémio Nobel da Paz tenha suscitado tão ampla e justa polémica a nível mundial como o atribuído a Barack Obama.

Admito que pelo tempo adiante o discurso que ele pronunciou em Oslo, a 10 de Dezembro p.p., ao recebe-lo será recordado como o discurso da hipocrisia imperial.
 
Nove dias antes, o cidadão - presidente Obama decidira enviar para o Afeganistão mais 30.000 soldados , elevando para 100.000 os efectivos do exército norte-americano que invadiu aquele pais há 8 anos.


Consciente de que o discurso da paz era na circunstância incompatível com o envolvimento actual dos EUA em múltiplas guerras de agressão, o novo Prémio Nobel tentou justificá-las em nome de valores eternos da condição humana.

Apresentou o apocalipse afegão como um «guerra necessária» travada em defesa da humanidade. Falou de «promessa de tragédia», reconhecendo, pesaroso, que nas guerras «uns matam, outros morrem». Omitiu que a tragédia desencadeada no coração da Ásia não é promessa, mas monstruosa realidade. E omitiu também que é a sua gente, cumprindo ordens criminosas, quem mata e os «outros» quem morre.


Não disse que no Afeganistão morreram, até fim de Novembro, somente 849 soldados americanos, os agressores, mas mais de 100.000 entre os agredidos, metade dos quais de fome.


Traçando uma fronteira entre as «guerras necessárias» e aquelas que o não são, Obama afirmou que «um movimento não violento não teria podido deter os exércitos de Hitler». Mas enunciou essa evidencia para estabelecer um paralelo grotesco entre a Al Qaeda e o III Reich nazi. Identifica na invasão do Afeganistão uma exigência da defesa do povo dos EUA porque «os líderes da Al Qaeda (organização inexpressiva num pais onde o árabe é uma língua desconhecida do povo) não aceitam depor as armas».


Fica implícito que o Estado mais rico e poderoso do mundo considerou imprescindível à sua segurança que as Forças Armadas norte-americanas atravessassem um oceano e dois continentes para irem combater num dos países mais atrasado e pobres do mundo o líder de uma seita de fanáticos. Pela primeira vez na História um governo declarou a guerra não um Estado, mas a um terrorista, guindando-o à condição de interlocutor. Com a peculiaridade de que, sendo desconhecido o seu paradeiro, o alvo e a vítima dessa guerra irracional foi e continua a ser o povo entre o qual supostamente se ocultaria Ben Laden.


No mesmo dia em que Obama recebia o Nobel da Paz na Noruega , o general Stanley McCrhystal fazia perante o Congresso dos EUA de gala, com o peito constelado de condecorações – as medalhas dos guerreiros agressores são tradicionalmente atribuídas em função da quantidade de massacres que cometeram pela “salvação da pátria”- o comandante supremo na área Afeganistão –Paquistão reafirmou a sua certeza na vitoria de uma « guerra justa e necessária».

São complementares o seu discurso e o de Obama.


A VIOLÊNCIA NA HISTÓRIA


Enquanto Obama lutou pela Presidência e nos primeiros meses de Governo, o seu discurso, embora retórico, apresentou matizes humanistas.

Mesmo entre adversários ideológicos, perdurou durante algum tempo uma duvida: seria o jovem presidente um estadista fiel a princípios e valores éticos e que somente não iria mais longe por ser travado pela engrenagem do sistema de poder?


O balanço da sua política em onze meses não lhe favorece a imagem. Não obstante o massacre mediático promovido para o erigir no «salvador» de que o capitalismo em crise estrutural necessitava, a ideia de que o Presidente dos EUA não concretizou compromissos assumidos por que o grande capital e o Pentágono o impediram é negada pela realidade da vida.


Por si só, a escalada no Afeganistão fez ruir o mito do eticismo do presidente. Sobra apenas a retórica.


O discurso de Oslo tripudia sobre a razão e a ética. Sob o manto do «poder moral», Obama, movendo-se num labirinto de hipocrisia e de contradições, pretende persuadir os povos de que o poder imperial dos EUA está ao serviço da humanidade quando, dolorosamente, recorrem à violência para defender, segundo ele, a liberdade, a democracia, a civilização.


Marx captou a realidade ao afirmar que a violência tem funcionado como parteira da História.


Pouco mudou em milhares anos. No nosso tempo a humanidade nada num oceano de violência. Nos últimos 60 anos em guerras e outros flagelos, cuja responsabilidade no fundamental cabe ao imperialismo morreram ou foram feridas 60 milhões de pessoas, quase tantas como na II Guerra Mundial.


Num livro maravilhoso [1], Georges Labica – um dos grandes filósofos do século XX e um dos raríssimos intelectuais contemporâneos que fez da cultura integrada o cimento de uma obra luminosa pela inteligência e saber – lembra-nos que o capitalismo é a pátria de um sistema que escraviza (e emancipa através da revolta) e que a globalização da violência reflecte afinal o estado da sociedade modelada e oprimida pelas suas engrenagens.


As guerras “necessárias” não são, porem, as que os EUA travam na Ásia contra povos misérrimos cujas riquezas saqueiam.

Essas, as «justas», são inseparáveis do direito à sobrevivência de povos agredidos por outros, as que opõem a violência libertadora à violência opressora. Já dizia Maquiavel que «os levantamentos de um povo livre são raramente perniciosos à sua libertação».


A História apresenta-nos ao longo dos séculos exemplos expressivos, por vezes comovedores, de tais guerras , autenticas epopeias nacionais. A resistência armada é então nelas o desembocar da vontade colectiva.

Isso aconteceu no combate à barbárie do III Reich Alemão; na luta do Vietnam contra os EUA, na saga argelina, no batalhar multissecular pela independência dos povos da Ásia, da América Latina e da África contra o colonialismo e pelo direito a construírem o seu próprio futuro como sujeitos da História, acontece hoje na luta épica do povo palestiniano contra o sionismo neonazi, na resistência dos povos do Iraque e do Afeganistão à ocupação imperial norte-americana.


O discurso farisaico de Obama em Oslo, aclamado pelos sacerdotes do sistema opressor, seus cúmplices, configurou uma ofensa à inteligência e dignidade dos povos agredidos, explorados e humilhados pelo imperialismo.




[1] Georges Labica, “ Théorie de la Violence”, Ed.La Cita del Sole, Napoles, e Librairie Philosophique J.Vrin, Paris, Dezembro de 2007.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Dirigismos

A propósito do 10.º aniversário do BE, o Público brindou os seus leitores com duas páginas para olhar à lupa «a impressionante ascensão do Bloco de Esquerda» - expressão que abre o texto que encima a página do matutino.


Sem nos atermos muito ao desvelo e ao indisfarçado carinho com que o periódico de Belmiro de Azevedo trata o partido/movimento, centraremos a nossa atenção numa, aí declarada, «lacuna do BE» – a ligação com os sindicatos. Em 18 linhas de uma estreita coluna ficamos a conhecer uma pérola do pensamento bloquista.


Segundo um dos homens fortes do BE, Daniel Oliveira, «devem ser formados quadros sindicais».


Para quê? Para «combater as organizações sindicais enquanto correias de transmissão partidárias». Mais. Segundo Louçã, o sempre presente líder, é mesmo necessária a «criação de uma força sindical diferente daquela que foi construída pelo PCP».


Para quê? Para «criar uma relação diferente, não dirigista entre esquerda política e esquerda social».


Portanto, se eu entendi bem, há um Partido que quer formar quadros sindicais para ter uma ligação forte com os sindicatos, para impedir que eles sejam correias de transmissão... dos partidos.


De fora destas congeminações bloquistas estão, pelos vistos, a valorização do movimento sindical unitário, sobre o seu projecto, os seus valores e a sua natureza de classe, sobre o seu papel na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores, sobre o seu contributo para a luta por um novo rumo e uma nova política ao serviço dos trabalhadores e do povo.


Longe do pensamento da coqueluche da política portuguesa está, pelos vistos, o facto de este movimento sindical unitário, criação e património da classe operária e dos trabalhadores portugueses, ter a força que tem por ser constituído por dezenas de milhares de quadros, entre os quais muitos comunistas, eleitos pelos trabalhadores a partir das empresas e locais de trabalho, pela sua capacidade e prestígio, e que, de forma militante e abnegada, dão um contributo insubstituível para a luta de todos os dias contra a política de direita, que o Governo PS optou por prosseguir, no novo quadro político.


É que, desengane-se quem pense o contrário, o que move o BE não é o reforço do Movimento Operário e Sindical. O que está, de facto, em causa é o cálculo, assumido por Louçã nas páginas do Público, de que este projecto (sem correias de transmissão, nem dirigismos, digo eu) poderá contribuir para o BE «passar os 20 por cento» nas próximas legislativas. Estamos entendidos!
  • João Frazão

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Democracia-de-faz-de-conta



Lendo e ouvindo os governantes actualmente de turno à política de direita (e os seus propagandistas), ficamos a saber que é obrigação de toda a gente apoiar o Governo no prosseguimento da política que conduziu o País ao lamentável estado em que se encontra.


E a coisa é posta naquele tom imperativo e ameaçador muito ao jeito do conceito de democracia dominante: ou nos apoiam, ou...


Pobres tolos!: como se houvesse ameaça maior do que a da continuação da política de direita...


De entre o batalhão de propagandistas de serviço, emerge o inevitável Mário Soares, que todas as terças-feiras, em toda uma página do DN, se exibe no papel de indefectível homem de esquerda na defesa indefectível da política de direita. Percebe-se: é Soares a defender o Soares que ficará na história como o pai da política de direita (de que foi o iniciador há trinta e três anos), o pai da contra-revolução que, ao serviço do grande capital, liquidou a mais justa, a mais livre, a mais progressista, a mais avançada, a mais participada, a mais moderna democracia alguma vez existente em Portugal: a democracia de Abril.


Soares, repete tudo: as ameaças e o blá-blá-blá: «o Governo não dispõe de uma vara de condão para resolver, de um momento para o outro, todos os problemas que nos afligem». Pois não: como Soares sabe por experiência própria, a «vara de condão» de que o Governo de Sócrates dispõe só sabe servir, «de um momento para o outro», os interesses do grande capital – e serve-os com a mesma fidelidade canina com que o fez o governo de Soares.


Os governantes e Soares falam como se a maioria absoluta perdida pelo PS nas últimas legislativas fosse um castigo do eleitorado, não ao governo de turno à política de direita, mas às vítimas dessa política – que são a imensa maioria dos portugueses.


Por isso, para eles, os flagelados pelo desemprego, pela precariedade, pelos salários, pensões e reformas miseráveis e por mil outras ofensas aos mais elementares direitos humanos, têm a obrigação de apoiar a política que lhes criou essa situação e de aplaudir o Governo que, actualmente, a executa – a bem desta democracia-de-faz-de-conta de que Soares é o pai.
  • José Casanova

Taxa de desemprego oficial atinge 10,2%, mas a efectiva é já 12,7%

– Desemprego aumenta para 716,9 mil


– Mas desempregados com subsídio diminuem para 346,9 mil


RESUMO DESTE ESTUDO


O Eurostat divulgou no dia 01/12/2009 a taxa de desemprego registada em Outubro de 2009 nos países das União Europeia. E como era previsível a taxa de desemprego em Portugal é uma das mais elevadas de todos os países da União Europeia (Gráfico I).

De acordo com os dados agora divulgados pelo Eurostat, em Outubro de 2009, a taxa de desemprego oficial em Portugal atingiu 10,2% (no 3º Trimestre de 2009, era 9,8% segundo o INE) e o número oficial de desempregados 567,7 mil (no 3º Trimestre de 2009 era 547,7 mil segundo o INE). No entanto, se somarmos ao número oficial de desempregados aqueles que não foram incluídos apesar de estarem no desemprego, ou por não procurarem emprego (os chamados "inactivos disponíveis") ou por fazerem pequenos biscates para sobreviver (o chamado "subemprego invisível"), então o número efectivo de desempregados sobe para 716,9 mil e a taxa de desemprego efectiva já aumenta para 12,7% (Quadro I). Estes valores estão certamente muito mais próximos do desemprego real em Portugal do que os números oficiais divulgados quer pelo Eurostat, quer pelo INE quer ainda pelo IEFP.

Um aspecto grave da situação em Portugal é o facto de o desemprego estar a aumentar mas o apoio aos desempregados estar a diminuir. Entre Setembro e Outubro de 2009, o desemprego aumentou em Portugal em 20.000 (o oficial passou de 547,7 mil para 567,7 mil; e o efectivo de 696,6 mil para 716,9 mil), mas o número de desempregados a receberem subsídio de desemprego diminuiu em cerca de 4 mil. Efectivamente, de acordo com os dados publicados no Boletim Estatístico de Outubro deste ano do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, entre Setembro e Outubro de 2009, o número de desempregados a receberem subsídio de desemprego diminuiu de 350.822 para 346.899 . Como consequência, a taxa de cobertura do subsídio de desemprego, entre Setembro e Outubro de 2009, baixou em Portugal de 64,1% para 61,1% se considerar o numero oficial de desempregados, e de 50,3% para apenas 48,4% se se considerar o desemprego efectivo (Quadro I). Isto mostra de uma forma objectiva (são os próprios dados oficiais que o revelam) a insensibilidade deste governo face à gravidade da situação, que não será alterada com as medidas anunciadas recentemente pelo 1º ministro na Assembleia da República pois, de acordo com o próprio Sócrates, elas irão beneficiar apenas mais 10.000 desempregados.

O desemprego vai continuar a aumentar em Portugal se não forem tomadas medidas eficazes, porque as medidas em execução e as anunciadas pelo governo são manifestamente insuficientes para inverter ou, pelo menos, para parar a destruição de postos de trabalho que está a lançar no desemprego milhares de trabalhadores.


A experiencia passada mostra que em Portugal não há uma redução sustentada do desemprego enquanto a taxa de crescimento económico não atingir 2%. E segundo a Comissão Europeia a taxa de crescimento económico em Portugal será apenas de 0,3% em 2010 e de 1% em 2011. A OCDE prevê para 2010 uma taxa de crescimento de 0,8% e de 1,5% para 2011. Portanto, ambos valores inferiores a 2% (Quadro II).


A crise actual é também uma crise de excesso de produção não em relação às necessidades da população mas sim relativamente à procura solvente, portanto uma crise típica e característica do capitalismo. As empresas não conseguem vender uma parte crescente da sua produção não porque as necessidades da população estejam satisfeitas, mas sim porque esta não tem poder de compra (dinheiro) para adquirir o que precisa. Como consequência as empresas despedem trabalhadores e muitas delas entram em falência, o que agrava ainda mais o problema. E isto porque um trabalhador desempregado tem muito menor poder de compra do que um a trabalhar. É evidente que uma política de rendimentos que combatesse as graves desigualdades existentes (melhoria nas pensões de reforma; maior apoio aos desempregados; aumento do salário mínimo nacional, uma politica salarial e fiscal justa), ao redistribuir melhor a riqueza criada e ao aumentar o poder da compra da generalidade da população teria um impacto positivo nas empresas.


O desemprego também acarreta uma gigantesca destruição de riqueza, que deixa de ser produzida. Basta ter presente que se os 716,9 mil desempregados tivessem trabalho e estivessem a produzir o valor da riqueza anual criada corresponderia a cerca de 14% do valor do PIB a preços correntes previsto para 2009.


  • Eugénio Rosa


terça-feira, 1 de dezembro de 2009

AS ILEGAIS ELEIÇÕES NAS HONDURAS



E A HIPOCRISIA DE WASHINGTON



A Resistência Nacional diz que a abstenção foi 65 a 70% e os golpistas dizem que os votantes foram cerca de 65%, numas eleições em que não houve observadores internacionais…

Eva Golinger* - 01.12.09



O que é que havemos de fazer, ficarmos sentados durante quatro anos e simplesmente condenar o golpe? – declarações de um alto funcionário do Departamento de Estado de Washington ontem [dia 28 de Novembro].

As verdadeiras divisões na América Latina – entre a justiça e a injustiça, a democracia e a ditadura, direitos humanos e direitos das transnacionais, poder popular e dominação imperial – nunca foram tão visíveis como hoje. Os movimentos dos povos em toda a região para transformar sistemas corruptos e desiguais que isolaram e excluíram a maioria das nações latino-americanas estão hoje a tomar o poder de forma democrática e a construir novos modelos baseados na justiça económica e social. A Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador estão na vanguarda desses movimentos, enquanto outras nações como o Uruguai e a Argentina estão a movimentar-se para a mudança, embora num passo um pouco mais lento.

Historicamente, a região esteve pejada de uma brutal ingerência dos Estados Unidos, que procurou a todo o custo dominar e controlar os recursos estratégicos e naturais de território de abundância. Com excepção de desafiadora revolução cubana, Washington conseguiu instalar regimes títeres por toda a América Latina no final do século XX. Quando Hugo Chávez ganhou a presidência em 1998 e a revolução bolivariana começou a florescer, o balanço do poder e o controlo imperial sobre a região debilitam-se. Oito anos de governo de George W. Bush trouxeram novamente os golpes de Estado à região, na Venezuela em 2002 contra o Presidente Chávez e no Haiti em 2004 contra o Presidente Aristide. O primeiro golpe foi derrotado por uma insurreição popular massiva do povo, e o segundo conseguiu sequestrar e derrotar o presidente que já não interessava aos interesses de Washington.

Apesar dos esforços da administração de Bush para neutralizar a expansão da revolução na América Latina por meio de golpes, sabotagens económicas, guerra mediática, operações psicológicas, intervenção eleitoral e um incremento da presença militar, nações como as Honduras, S. salvador e Guatemala elegeram presidentes de tendência de esquerda. A integração latino-americana consolidou-se com a UNASUR e ALBA, e as garras do poder de Washington começaram a desaparecer.

Henry Kissinger disse nos anos setenta: «se não podemos controlar a América Latina, como vamos dominar o mundo»? Esta visão imperialista tem hoje toda a actualidade. A presença de Obama na Casa Branca foi vista de forma errónea por muitos da região como o sinal de um fim da agressão estadunidense no mundo e especialmente aqui, na América Latina. Pelo menos muitos pensavam que Obama diminuiria as crescentes tensões com os seus vizinhos do Sul. E o novo presidente dos Estados Unidos, ele próprio, fez alusões a tais mudanças.

Mas agora, a estratégia do «Smart Power» (poder inteligente) da administração de Obama foi desmascarada. Os abraços, troca de apertos de mão, sorrisos, ofertas e promessas de «não mais intervenção» e «uma nova era» realizadas pelo próprio Presidente Obamaperante os líderes das nações latino-americanas durante a Cimeira das Américas em Trinidad em Abri passado, converteu-se em cínico gestos de hipocresia. Quando Obama chegou ao poder, a reputação de Washington estava em queda. As débeis tentativas de «mudar» a relação Norte-Sul nas Américas desembocou numa situação pior., reafirmando que a visão de Kissinger sobre a importância de controlar esta região é uma política de estado de Washington, que não depende de nenhum partido ou chefe de Estado.

O papel de Washington no golpe das Honduras contra o Presidente Zelaya foi evidente desde o primeiro dia. O financiamento aos golpistas continua, a presença militar do Pentágono em Soto Cano, as constantes reuniões entre funcionários do Departamento de Estado e o embaixador dos EUA nas Honduras, Hugo Llorens, com os golpistas, e as cínicas tentativas de forçar uma «mediação» e «negociação» entre golpistas e o governo legítimo das Honduras são evidências irrefutáveis das intenções de Washington de consolidar esta nova forma de «golpe inteligente». A insistência inicial do governo Obama sobre a legitimidade de Zelaya como presidente das Honduras rapidamente desapareceu, passadas que foram as primeiras semanas após o golpe. Os apelos à «restituição da ordem democrática e constitucional» nas Honduras foram débeis cochichos repetidos pelas vozes monótonas dos porta-vozes do Departamento de Estado.
 
A imposição do presidente da Costa Rica, Óscar Árias – um peão de Washington – para «mediar» a «negociação» ordenada por Washington entre golpistas e o presidente Zelaya foi um acto circense. Desde o primeiro momento era óbvio que o Departamento de Estado estava a promover uma estratégia de «ganhar tempo» para consolidar o golpe nas Honduras. A falta de sinceridade de Árias e a sua cumplicidade no golpe foi evidente desde a manhã do violento sequestro e exílio forçado de Zelaya. Altos funcionários do Pentágono, do Departamento de Estado e da CIA presentes na base de Soto Cano, controlada por Washington, arranjaram o transporte de Zelaya à Costa Rica. Árias já tinha expresso de forma servil a sua disposição de dar refúgio ao presidente ilegalmente exilado e de não deter os sequestradores que pilotaram o avião que – violando o direito internacional – chegou ao território da Costa Rica.

Hoje, Óscar Árias fez um apelo a todas as nações do mundo para «reconhecerem» as ilegais e ilegítimas eleições que têm hoje [dia 29 de Novemro] lugar nas Honduras. Por que não?, disse Árias, se não há fraude ou irregularidades, por que não reconhecer um novo presidente? O Departamento de Estado e até o próprio presidente Obama disseram o mesmo e estão a apelar – pressionando – aos seus aliados para que reconheçam o novo regime das Honduras, eleito sob uma ditadura. A fraude e as irregularidades já estão presentes, considerando que hoje não existe qualquer democracia nas Honduras que permita as adequadas condições para um processo eleitoral. E o Departamento de Estado admitiu há duas semanas que estão há muito tempo a financiar activamente o processo eleitoral e as campanhas eleitorais nas Honduras. E os «observadores internacionais» enviados para dar credibilidade ao ilegal processo das Honduras são, todos eles, agências e agentes do império. O Instituto Republicano Internacional (IRI) e o Instituto Democrata Nacional (NDI), duas agências criadas para levar o financiamento da USAID e da NED a partidos políticos no exterior e promover a agenda estadunidense, não apenas financiaram os grupos envolvidos no golpe de Estado das Honduras como estão agora a «observar» as eleições. Grupos terroristas como UnoAmérica, dirigido pelo golpista venezuelano Alejandro Peña Esclusa, também enviou «observadores» às Honduras. E o criminoso terrorista cubano-americano (Miami) Adolfo Franco, antigo director da USAID é outro «peso-pesado» na lista de observadores eleitorais hoje [ontem] nas Honduras.

Mas a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Centro Carter, que não são estruturas de esquerda, condenaram o processo eleitoral das Honduras como ilegítimo e recusaram enviar observadores, O mesmo fizeram as Nações Unidas e a União Europeia, tal como a UNASUR e a ALBA.

Washington está só, apoiado pelos seus regimes títeres da Colômbia, Panamá, Peru, Costa Rica e Israel, únicas nações que publicamente afirmaram o seu reconhecimento do processo eleitoral das Honduras. Um alto funcionário do Departamento de Estado declarou ontem [dia 28 de Novembro] ao Washington Post: «o que é que havemos de fazer, ficarmos sentados durante quatro anos e simplesmente condenar o golpe»? Mas o governo de Washington ficou durante 50 anos sentado recusando reconhecer o governo cubano. Mas isso é porque o governo de Cuba não convém a Washington. E o regime ditatorial das Honduras convém, esse sim, convém-lhe.

O movimento de resistência nas Honduras está a boicotar as eleições, apelando à abstenção massiva do ilegal processo. As ruas das Honduras foram ocupadas por milhares de militares sob o controlo do Pentágono. Com armas cedidas por Israel, o regime golpista está preparado para reprimir e brutalizar de forma maciça os que resistem ao processo eleitoral. Devemos manter a nossa vigilância e solidariedade com o povo das Honduras face ao imenso perigo que o cerca. As eleições de hoje nas Honduras constituem um segundo golpe de Estado contra o povo hondurenho, desta vez abertamente concebido, promovido e apoiado por Washington. Independentemente do resultado das eleições não haverá justiça nas Honduras até que cesse a ingerência imperial.


  • Eva Golinger é advogada e escritora norte-americana de origem venezuelana.
Tradução de José Paulo Gascão





Delírio fatal

O País está a viver tempos conturbados e estou em crer que o facto nada tem a ver com a famigerada «crise», a gripe A, o resultado das eleições ou mesmo o aquecimento global com que o senhor Al Gore anda alegremente a alengordar as suas posses. A avaliar pela dimensão do fenómeno a coisa tem de ser muito mais grave, com eventuais ligações aos mundos do outro mundo, já que nada, mas nada do que cá por este lado se vive e respira pode explicar tamanha sandice. Repare-se nos sintomas: das obscuras conversas de café às reuniões de Estado, passando obviamente pela vasta panóplia de comentadores com que o País se inebria para ter a ilusão de nada escapar à perspicácia da «opinião pública», o quotidiano nacional enveredou por um caminho que mete num chinelo o mais sofisticado palácio da loucura.


Ele são decapitações políticas, assassinatos políticos, assassínios de carácter, homicídios de carácter.


Ele é o Governo a nomear os candidatos derrotados às câmaras (casos de Gondomar, Espinho, Viseu e Alpiarça) como governadores civis dos respectivos distritos.


Ele é, sobretudo, o inenarrável romance das «escutas» do primeiro-ministro que não eram ao primeiro-ministro; do procurador-geral que divulgava as escutas para «acalmar isto» mas não divulga; do corropio das certidões entre a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal de Justiça (STJ); do manda destruir mas não destrói, porque afinal parece que não se pode, as ditas certidões das ditas escutas; do manda arquivar as ditas cujas mas sem direito a consulta, por causa – palavras da PGR – da «natureza dos elementos»; do afinal não se pode consultar o que arquivado já estaria mas que pelos vistos já não está porque estará agora de novo «em poder do senhor presidente» do STJ; do diz que diz que disse mas não disse e tudo o que se disse é (ou pode vir a ser) mentira...


Ufff. Convenhamos que é muita areia para qualquer camioneta, como dizia a minha avó, mesmo num país de brandos costumes como os nossos onde só de quando em vez se atiram bispos pela janela. Isto mais parece um enredo de filme da série B sobre as graças e desgraças de um «serial killer» lusitano, enxertado (o enredo) na peça «A cantora Careca» de Eugene Ionesco na mais pura tradição do teatro dito do absurdo, e retocado aqui e ali com umas pincelados do «Visconde Cortado ao Meio» de Italo Calvino, com as metades do visconde Medardo de Terralba (protagonista da obra) a pregar cada uma para seu lado. E isto sem falar – justo é que se diga – no facto de as prestações dos protagonistas nacionais – todos atacados por uma atracção fatal pelos holofotes das câmaras de televisão, dos microfones da rádio, das máquinas fotográfica e até das esferográficas dos repórteres de serviço sem paralelo no mundo animal – baterem aos pontos as mais delirantes criações dos génios da literatura.


Só pode ser uma maldição. Uma praga. Um ataque alienígena. Uma calamidade. Cá por mim mandava vir um exorcista. Ou ainda acabamos todos convencidos, como o Aleixo, que «uma mosca sem valor, pousa co'a mesma alegria, na careca de um doutor (ou engenheiro), como em qualquer porcaria».

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