quinta-feira, 23 de julho de 2009


Obviamente



A luta de classes, essa aberração dada como morta e enterrada por manifesta inutilidade – decretada pelos mesmíssimos que decretaram o fim da História e a morte do comunismo – está de novo na ordem do dia.

É bem verdade que o cadáver nunca deixou de estrebuchar, mas à força de lhe decretarem o óbito as centrais de (des)informação acabaram por se convencer do dito, na velha tradição fascista de que o que não se sabe (melhor, o que não se diz) é como se não existisse, pelo que acabaram por se surpreender a si próprias com a insólita, e impossível de ignorar, vitalidade do morto.

É bem verdade também que a profunda crise do capitalismo que aí está – embora inevitável de acordo com uma análise marxista, heresia obviamente arredada dos manuais vigentes – não estava prevista, pelo que não é de espantar a desorientação instalada.

O que seria de esperar, de acordo com a filosofia vigente, era que todos percebessem a gravidade da situação e se oferecessem voluntariamente para os sacrifícios exigidos para ultrapassar o desastre. Traduzindo por miúdos, o que se esperava era que os trabalhadores percebessem que sem patrões não pode haver trabalho e tomassem as dores dos que, privados de alguns milhões, se aprestam a sacar-lhes os escassos tostões.

Ora sucede que os todos – isto é, os trabalhadores – vendo o exemplo dos que de cedência em cedência ficaram sem nada, deram em achar que algo está mal contado nesta história e que, a haver sacrifício, os sacrificados devem ser os que mais têm e mais podem. Alguns, mais expeditos no pensar, até se interrogam qual a vantagem em fazer sacrifícios para salvar o sistema predador responsável pelas injustiças que suportam.

Está bom de ver, sem necessidade de pôr mais na carta, como este caldo ameaça entornar. As campainhas de alarme soam por todo o lado. É preciso repor a ordem natural das coisas, encontrar os culpados da subversão, extirpar o mal pela raiz, garantir que o rebanho se mantém no redil. Já não basta, face à extensão do problema, a sopa dos pobres, a caridade cristã, a esmola dos ricos. É preciso cortar cerce as veleidades igualitárias, as pretensões de justiça social, e acima de tudo a convicção de que nada disto é uma fatalidade e de que sim, é possível uma sociedade melhor.

A resposta a este «que fazer?» não podia ser mais óbvia. Ataque-se os sindicatos, domesticando-se os domesticáveis e decapitando os insubmissos, e sobretudo – não há volta a dar-lhe – fazendo guerra sem tréguas aos comunistas, esses degenerados que se arrogam o direito de dizer que o rei vai nu e que ao invés de aceitarem uma roupagem de saldo querem mesmo mudar de vida, mudar de paradigma, mudar de sistema.São eles, os mortos-vivos, que andam por aí a fomentar a revolta, a alimentar a contestação, a semear ideias que correm o risco de dar frutos. É preciso fazer alguma coisa, reescrever a História, mudar a Constituição, fazer lavagens ao cérebro, substitui-los por clones devidamente BEm formatados. Eles andam aí, os comunistas. Pregam a felicidade, a justiça, a solidariedade, a paz. São coerentes e muito, mas mesmo muito perigosos. Querem mudar o mundo. Obviamente, há que combatê-los.
  • Anabela Fino


1 comentário:

Fernando Samuel disse...

O habitual excelente texto da Anabela Fino.

Um abraço.

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