sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Faltava este


No coro das personalidades que continuam a apelar à resignação faltava a voz de D. Duarte Pio. A lacuna foi preenchida, embora indirectamente, através de uma entrevista ao reaccionário «ABC» espanhol.

Como homem que se identifica com o «sentir do povo», informou que «não desperdiça dinheiro», embora o tenha; que não está sempre a mudar de carro, e que «um dos que tem» já tem 15 anos; e, principalmente «que podemos viver com menos, e não necessariamente pior». Tivesse ele feito esta afirmação num local público em vez de numa página de jornal, e era capaz de ter tido outro contacto com o «sentir do povo».

Poderá perguntar-se porque se está aqui a perder tempo com semelhante personagem. Não é tanto pelas habituais asneiras que profere. É por o «ABC» o ter entrevistado numa altura em que os Bourbons espanhóis estão metidos numa grossa alhada.

Bem pode ele invocar a sua imaginária situação «acima dos conflitos da sociedade». A monarquia espanhola, esse anacrónico legado do franquismo, aparece nesta altura algo envolvida, se não nos conflitos da sociedade, pelo menos na sua vertente mais corrupta. O genro do rei é acusado pelo fisco de fraude, de fuga aos impostos, de apropriação indevida de dinheiros públicos. Ao que parece, criou uma Ong (o Instituto Nóos) e uma rede de empresas-fantasma em seu torno para defraudar o fisco e fazer perder o rasto aos dinheiros de que se ia apropriando, nomeadamente através da falsificação de facturas. Em quatro anos o genro e a filha do rei adquiriram bens imobiliários no valor de 7,3 milhões de euros. E em tudo isto estiveram intimamente associados com dois altos responsáveis do PP, hoje igualmente sob acusação de corrupção.

Resulta isto da monarquia? Não, resulta do capitalismo, ostentando a sua forma de actuar intrinsecamente criminosa e corrupta. E não é insignificante o contributo que regimes monárquicos dão ao poder do capital, numa situação histórica em que o conflito entre capitalismo e democracia, mesmo a democracia burguesa, se agudiza. Por um lado pela espectacularização do simulacro de poder (cor-de-rosa) que representam. Por outro lado por serem mais uma voz, ridícula embora como D. Duarte, a fazer coro com a ideologia da classe dominante.Filipe Diniz

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Já não há pachorra!


António José Seguro, secretário-geral do PS, prossegue a estratégia de tentar fazer crer que nada tem a ver com a política que está a ser seguida no País e que é mesmo o campeão das oposições ao Governo.

Com esse objectivo, por estes dias, Seguro afivelou o seu ar mais zangado para dizer que nem o Governo, nem a troika têm legitimidade democrática para reduzir os salários dos trabalhadores.

Num assomo de rebeldia chegou mesmo a perguntar se os senhores da troika falavam em nome pessoal ou em nome das instituições que representam.

Seguro, de nome e de si, ergue a voz para tentar dizer presente, garantindo que «o PS estará contra esta estratégia de empobrecimento e de redução de salários».

Perante tais e tamanhas certezas, fico com a ideia de que o que mais sobra são dúvidas por esclarecer.

Por exemplo, porquê ficar calado perante a proposta terrorista do Governo de aumentar em meia hora por dia o horário de trabalho? Não é uma forma de reduzir os salários, quer pela redução do valor/hora do trabalho, quer pelo não pagamento de horas extraordinárias?

E não foi o governo do PS que escancarou as portas à troika, negociando o pacto de agressão, que PSD e CDS apadrinharam e que o seu Governo está a aplicar em toda a sua dimensão, com adaptações aqui ou ali?

Não eram os sucessivos PEC, que Seguro, ele próprio, votou na Assembleia da República, a mesmíssima receita, em doses que vinham sendo sucessivamente maiores, até chegarem à dose cavalar agora preceituada pelo actual Governo?

Como é que um tal posicionamento oposicionista se compagina com a viabilização (por mais violenta que ela seja!) do Orçamento do Estado que é, em si, a própria estratégia de empobrecimento e de redução de salários ? Um OE onde estão, directamente, a redução dos salários dos funcionários públicos e o corte nas reformas e pensões, e todas as outras malfeitorias de injustiça e exploração, que aqui, hoje, já não cabem.

Aliás, se dúvidas houvesse, o facto de Seguro fazer estas declarações num Congresso de dirigentes sindicais do seu partido, a quatro dias da greve geral, sem uma única vez se referir a ela, é bem revelador da atitude de comprometimento, de facto, com o rumo que vem sendo seguido!

Já não há pachorra para tanta abstenção!
  • João Frazão

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O dia das surpresas


Já se esperava que a operação ideológica para procurar enfraquecer a adesão à greve geral de 24 de Novembro fosse brutal. Governo, PS, patrões, o habitual coro de comentadores e especialistas, reportagens estudadas ao milímetro, conjugam-se numa enorme operação de chantagem que procura limitar a liberdade de pensamento e de acção de todos e de cada trabalhador.

Na televisão e nos jornais sucedem-se os argumentos «científicos» para não se fazer a greve: custa dinheiro ao país, não resolve nada, só prejudica outros trabalhadores e utentes, a troika e os mercados não gostam, etc.

Nos locais de trabalho a pressão cresce: as ameaças – mais veladas nuns casos, mais escabrosas noutros –, as alterações de escalas e turnos para que dia 24 fiquem mais expostos os trabalhadores mais vulneráveis, até artigos nos jornais de gente a declarar que não faz greve. É o caso de 31 pessoas que assinam como «quadros da Metro do Porto, SA», que assinam um artigo de opinião no Público com o esclarecedor título «Metro do Porto: oito razões para não fazer greve». Não é aqui o espaço para desmontar o artigo, mas fica o registo de até onde pode chegar o lambe-botismo.

E no entanto, nas empresas e nos locais de trabalho, constrói-se uma enorme adesão à greve geral. Em plenários, comunicados, contactos individuais, conversas na linha, na pausa, no balneário, no caminho de casa, nos espaços de convívio, em casa, são milhões os trabalhadores que estão neste momento a decidir o que fazer a 24 de Novembro. Milhões que fazem contas ao dia de salário perdido, e nalguns casos ao prémio que a arbitrariedade patronal tentará tirar e que faz tanta falta, milhões que pensam no seu posto de trabalho e na chantagem de que são vítimas, milhões que se interrogam até onde será esta gente capaz de ir para impor mais exploração. Milhões que, contra todas as pressões, sentem na pele que já chega, que é preciso dar uma resposta de unidade ao brutal saque a que o País está sujeito, que é preciso mostrar que estamos dispostos a lutar pelo emprego, pelo salário, por horários dignos, por uma vida digna, por um país com futuro.
  • Margarida Botelho

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

«Referendo» na Grécia – chantagem e coacção


O anúncio pelo primeiro-ministro George Papandreou de um referendo ao novo «acordo» imposto na sequência das recentes cimeiras da UE suscitou uma onda de reacções na Grécia, na Europa e nos ditos «mercados». Aparentemente todos estão contra a decisão do governo de realizar o referendo. Os partidos gregos na «oposição» já se pronunciaram contra, os «mercados» estão em «baixa» por toda a Europa, e Alemanha e França reagiram à notícia com termos que vão desde o «consternado» de Sarkozy, ao «irritado» do principal parceiro de coligação de Merkel.

Alguns destes «nãos» são na verdade um grande «sim». A grande manobra, o grande plano posto em marcha pelo PASOK é o da chantagem e coacção do povo grego, tentando transferir para ele o ónus de um caminho e de uma política até agora imposta à força, não se apresentando nenhum caminho verdadeiramente alternativo. Ou seja este será um referendo tipo: «ou a submissão ou o caos».

Na Grécia os «nãos» da direita e da extrema-direita têm a ver não com a condenação da chantagem e da coacção mas sim com a preocupação de a discussão em torno do referendo (e não tanto o próprio referendo) poder alargar a base social de rejeição das medidas e compromissos que aquelas forças também apoiam, e estragar a sua estratégia de derrube do governo e de eleições antecipadas. Na Europa as declarações conhecidas do directório de potências, com o aparente «não» da Alemanha, da França e dos «mercados», acabam por ser um «sim» à estratégia de Papandreou, pois, numa demonstração clara de até onde estão dispostos a ir nas manobras de chantagem e ingerência externa, acenam já com o papão da expulsão da Grécia da União Europeia.

Cá pelo burgo, comentadores de política internacional «encartados» pelo sistema deram o mote e as suas palavras traduzem-se na frase: ou o povo grego se submete ou apanha. Só que o tiro pode-lhes sair, a todos, pela culatra. O povo grego pode nem querer apanhar, nem se submeter. A situação é tal, que face a mais do que uma previsível e esmagadora campanha internacional de chantagem ao povo grego, este pode de facto perceber que há um momento em que os de baixo já não querem e os de cima já não podem e que não será um referendo que resolverá a situação
  • Angelo Alves

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O logro das «inevitabilidades»


As medidas que este Governo está a tomar são tão marcadamente ditadas pelos interesses do grande capital financeiro e tão descaradamente injustas que o Governo e os partidos da direita que o apoiam não conseguiram encontrar um discurso credível para as justificar.

E assim surge o discurso da «inevitabilidade». A bem da verdade, corrija-se: das falsas inevitabilidades – feito de falsas verdades, num monstruoso logro que querem impor ao povo.

A resolução de uma crise económica pressupõe sempre uma opção política. E só um indisfarçável e perigoso dogmatismo ideológico pode gerar um estreitamento político tão grande e tão grave que leve à afirmação de não existirem outras soluções.

Como acreditar que é aprofundando o modelo ultra neoliberal que se resolve uma crise provocada por esse mesmo modelo?

Foi a deliberada desregulamentação dos mercados financeiros que provocou casos como a falência do BPN e a crise que hoje vivemos, e que tornou os estados reféns desses mesmos mercados. Como aceitar que nos tirem direitos, que nos retirem salários, para os desviar e entregar, sem regras nem controlo, aos responsáveis pela crise? É preciso desmistificar este discurso de que a retirada dos salários de quem trabalha é a panaceia para todos os males.

Porque nos escondem quem fez a dívida, como foi gasto o dinheiro, quem são os nossos credores? Porque haveríamos de pagar uma factura que nem sequer temos o direito de conhecer?

Vivemos um período em que a promiscuidade entre o poder político e a alta finança se aprofunda. Para presidente do Banco Central Europeu foi nomeado Mario Draghi, que enquanto foi director para a Europa da Goldman Sachs, um dos mais importantes bancos de investimento do mundo, ajudou a Grécia a mascarar a sua dívida pública e simultaneamente a apunhalou pelas costas através de produtos financeiros tóxicos.

Por maus caminhos segue uma sociedade que aceita passivamente a injustiça como «inevitável».

O momento é de intervenção – a hora é de luta.

A convicção da nossa razão está a tornar-se uma força material capaz de se opor e de impedir o massacre social dos trabalhadores e dos povos.

  • Aurélio Santos

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Mais qualquer coisa


«Há medidas que nos tocam nas telhas da casa, no automóvel ou nas férias, mas estas entram-nos na casa e na cozinha. Entram-nos no estômago, na saúde». As palavras do bispo emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, não podiam ser mais singelas e no entanto, ou precisamente por isso, exprimem de modo ímpar a tragédia que ameaça submergir o País caso se concretizem as medidas constantes no Orçamento do Estado para 2012.

Ouvir alguém como D. Manuel Martins – que sempre soube dar voz aos que não têm voz – dizer que as medidas anunciadas por Passos Coelho foram «um tiro no peito» e que «este tipo de democracia não serve, é uma farsa de democracia», devia ser motivo de reflexão para todos os católicos, tenham ou não responsabilidades governativas. Porque aquilo a que se assistiu esta semana foi não só ao anúncio do mais brutal ataque às condições de vida dos portugueses e à democracia – até Cavaco Silva reconhece que estão a ser postos em causa direitos constitucionais –, mas também ao maior embuste alguma vez desencadeado pelo regime dito democrático. Já é um logro colossal dizer que «não há alternativa», mas é ainda intrujice maior pretender convencer os trabalhadores e o povo português de que este é o Cabo das Tormentas que temos de atravessar para chegar ao Cabo da Boa Esperança. As explicações do ministro das Finanças não deixam margem para dúvidas: os cortes nos subsídios de férias e de Natal dos trabalhadores da Administração Pública e das empresas públicas, dos pensionistas e dos reformados, que atingem um total de 2 milhões e 600 mil pessoas, são a forma mais rápida de o Governo reduzir despesas do Estado. Mas não dão, de forma alguma, qualquer garantia de protecção do emprego. Pelo contrário, no horizonte perfila-se o espectro de dezenas de milhares de despedimentos, que o Governo tenta escamotear sob a capa da reforma do Estado.

O mesmo se pode dizer relativamente aos trabalhadores do sector privado para quem o Executivo «propõe» um aumento da carga horária de trabalho de 2,5 horas por semana. São mais de três milhões de pessoas que de uma penada vão sofrer um corte salarial de 6,25 por cento, sendo que a medida pode provocar a eliminação de mais 250 mil postos de trabalho. Em que é que isto contribuiu para as contas públicas? Em nada. O resultado vai para os accionistas e patrões, que por esta via podem arrecadar, num ano, mais de sete mil milhões de euros.

Não terá sido por acaso que no dia seguinte ao anúncio das medidas os juros da dívida soberana portuguesa subiram em todos os prazos. Como não terá sido por acidente que o bem informado presidente do ISEG, João Duque, disse que 2013 «vai ser isto e mais alguma coisa em cima».

Ao contrário de D. Manuel Martins, esta gente fala de números, não de pessoas. Nada sabem da comida que falta na mesa, do remédio que não se pode comprar, da casa expropriada pela banca, do desespero de não ter trabalho, da dignidade roubada. São bestas ao serviço do capitalismo. Por isso mesmo é que toda a coragem é necessária e toda a resistência é legítima. Esse é o «mais qualquer coisa» que temos para dar.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O triunfo dos porcos



O Tribunal de Justiça da União Europeia proibiu o uso do brasão da antiga União Soviética como marca registada na União Europeia.

A questão foi desencadeada em 2006 por um estilista russo, que pretendeu registar o brasão da URSS como marca, no espaço comunitário. As autoridades comunitárias rejeitaram de imediato a pretensão, argumentando que se tratava de um «simbolo de despotismo» em alguns Estados membros, nomeadamente os da antiga «Cortina de Ferro».

E o douto Tribunal foi chamado a pronunciar-se – o que fez agora, passados cinco anos, sentenciando que «Deve ser recusado o registo de uma marca, se esta for contrária à ordem pública e aos bons costumes numa parte da União», chegando ao cúmulo de invocar uma «lei húngara».

Anotemos como o acórdão não fugiu, nem numa vírgula, ao decidido cinco anos antes pelos patrões da UE, o que diz o suficiente sobre este Tribunal.

E chegou a hora de perguntar aos doutos juízes «da Europa»: de que «defesa da ordem e dos bons costumes» é que falam? A «defesa» que mantém «na ordem» os actuais 30 milhões de desempregados na zona euro? Os «bons costumes» que estão a desalojar milhões de famílias das suas casas pela cupidez da finança e da especulação que, concomitantemente, acumulam fortunas colossais fazendo alastrar a miséria em mancha de azeite pela outrora «Europa dos ricos»?

Em contrapartida, de que acusam a URSS? A de ter sido o primeiro país do mundo a pôr em prática, e para todos os cidadãos, valores universais como o direito ao trabalho, à habitação, à saúde, à educação, à reforma, às férias, aos tempos livres – e tudo isto sempre constante ao longo dos seus 74 anos de existência - e assim obrigando a «Europa dos ricos» a fazer o seu «Estado social»? Por ter sido o país que acabou com o racismo e a xenefobia num território que é o sexto da terra emersa do planeta, dando aos seus mais de 100 povos e necionalidades todos os direitos atrás enunciados, mais línguas escritas para todos e, em cada uma delas, vertidas todas as obras publicadas no país?

Ou, externamente, por ter sido o país que libertou a «Europa dos ricos» da besta nazi, à custa de 20 milhões de mortos soviéticos e furando os planos aos «ricos da Europa», que almejavam a destruição da URSS? Ou será por a URSS ter admitido a criação do Estado de Israel - agora tão incensado, pela deriva cripto-fascista que o sionismo lhe imprimiu – e que nunca teria existido sem o consentimento da URSS?

Em 1945, George Orwell escreveu uma fábula chamada «O triunfo dos porcos», procurando demonstrar que «os ideiais comunistas» desembocavam sempre numa ditadura.

Vinte anos depois da queda da URSS, o capitalismo tomou o freio nos dentes espalhou, como mancha de azeite, a miséria, a injustiça e a retirada de direitos sociais adquiridos. E falam de poleiro, como se apenas o sistema capitalista fosse a solução.

Este acórdão dos doutos «juízes europeus», afinal, faz ricochete no livro de Orwell: perante a «obra» de miséria realizada, «O triunfo dos porcos» instalou-se foi na «Europa dos euros».
  • Henrique Custódio
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