segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O discurso da desculpabilização do governo, a cambalhota de Sócrates na AR e as consequências da ruinosa gestão capitalista


RESUMO DESTE ESTUDO

Sócrates já iniciou o discurso de desculpabilização do governo. Segundo ele, este estava a fazer um bom trabalho com resultados surpreendentes que se tinham já traduzido na recuperação da economia e no crescimento económico. Mas agora uma crise externa imprevisível, de que não tem culpa, veio estragar o bom trabalho que estava a fazer. É este o novo discurso de desculpabilização do governo, que interessa analisar e confrontar com dados mesmo do FMI, Eurostat e Banco de Portugal sobre a evolução do nosso País nos últimos anos. Em 2005-2007, segundo o FMI, a taxa de crescimento económico foi pouco superior a 1%.ao ano, portanto um crescimento anémico. Para 2008 o crescimento previsto é apenas 0,8%, e de 1% em 2009. E os valores 2008-2009 são previsões que poderão ser ainda corrigidas, tal como aconteceu com as anteriores previsões do próprio FMI, do governo e do Banco de Portugal — pois é cada vez mais evidente que o País caminha novamente para a recessão económica. Nos últimos anos a taxa de crescimento do investimento foi reduzida. Em 2005 e 2006 o investimento total (FBCF) registou mesmo uma taxa de variação negativa (-0,9% e -0,7%, respectivamente) e nos anos seguintes a taxa foi baixa (2,8% em 2007 e 1,6% é a previsão para 2008 e 2009). O investimento público diminuiu, entre 2004 e 2007, de 3,1% do PIB para apenas 2,4% do PIB.

Como consequência o PIB potencial, que dá o crescimento potencial da economia portuguesa no futuro sem inflação, atingiu valores extremamente baixos. Segundo o FMI o seu valor diminuiu, entre 2007 e 2008, de 1,5% para apenas 1,2%, o que revela, por um lado, uma degradação crescente do aparelho produtivo português devido ao reduzido investimento realizado e, por outro lado, dificulta, para não dizer mesmo impede, que no futuro Portugal possa atingir taxas elevadas de crescimento económico. O PIB por habitante SPA, que é o indicador mais utilizado do nível de riqueza, entre 2005 e 2008, diminuiu de 75,4% para 72,2% da média da UE27, e a produtividade, fundamental para assegurar o crescimento económico, baixou no mesmo período de 68,7% para 67,3% da média da UE27. A Balança Corrente do País, que dá o saldo das relações de Portugal com o estrangeiro, tem apresentado elevados saldos negativos. Em 2004, o saldo negativo foi de -10.900 milhões de euros e, em 2008, o FMI prevê que atinja -19.400 milhões de euros, ou seja, praticamente o dobro, o que é indicador da crescente falta de competitividade da economia. Como consequência, o endividamento do País ao estrangeiro atingiu valores assustadores, hipotecando o futuro de Portugal.


Entre 2004 e 2008, o valor dos activos portugueses pertencentes já a estrangeiros aumentou de 92.900 milhões de euros para 166.300 milhões de euros (99% do PIB), o que fez que o valor do rendimento gerado no País transferido para o estrangeiro aumentasse vertiginosamente atingindo, em 2008, cerca de 21.868 milhões de euros. Em 2004, cerca de 18% do PIB e, em 2007, o correspondente a 20,5% do PIB foi para o estrangeiro, deixando o País e os portugueses mais pobres. É este o "bom" trabalho realizado pelo governo de Sócrates; é este o estado em se encontra o País para enfrentar a grave crise que abala o sistema mundial do capitalismo. Entre 2006 e 2008, as remunerações médias reais em Portugal a nível de toda a economia diminuíram -1,4%. Na Administração Pública, a quebra foi ainda maior pois atingiu -3,8%. As pensões médias pagas pela Segurança Social estagnaram no período 2007-2008, tendo mesmo o seu poder de compra diminuído em 2008 em -0,4%. A parte da riqueza criada no País (PIB) que reverteu para os trabalhadores em "ordenados e salários" diminuiu, entre 2006 e 2008, de 35,2% para apenas 33,3%, ou seja, baixou em 5,4%, agravando-se ainda mais as desigualdades sociais, e as condições de vida dos trabalhadores e dos reformados. É este o "bom" trabalho realizado por Sócrates, e é esta a situação em que se encontra a maioria dos portugueses para enfrentar a grave crise que atinge presentemente o capitalismo, que vai determinar recessão económica, aumento do desemprego e a redução do poder de compra da maioria da população.


Neste momento, Sócrates, como todos os neoliberais que dominam nos media, procura fazer crer que a actual crise financeira resultou apenas de uma deficiente supervisão (veja-se o seu discurso na Assembleia da República), e que basta fazer uns remendos nesta para resolver o problema do funcionamento do sistema. Ora isso não é verdade. A "deficiente" supervisão é inevitável no capitalismo, como prova o que se verifica em Portugal a nível dos combustíveis, da electricidade, do gás, das telecomunicações, etc, cujos preços são superiores aos preços médios praticados na UE. E isto sucede devido ao domínio do poder politico pelo poder económico, e à própria lógica do funcionamento dos "mercados", tão defendidos por Sócrates, cuja ganância para obter lucros elevados não olha a meios. Como afirma Alex Jilberto e Barbara Hogenboom no livro Big Business And Economic Development , o neoliberalismo que levou a actual crise mundial foi tornado possível pela política generalizada de privatizações de empresas públicas que atingiu grande número de países. Portugal não fugiu à regra. Cavaco Silva, Guterres, Durão Barroso e Sócrates, que agora derramam "lágrimas" pelo País e pelas camadas mais desprotegidas da população atingidas já pela crise, realizaram em Portugal uma política de privatizações que levou à entrega das principais empresas públicas ao grande capital privado nacional e estrangeiro.


Só em 2007, 12 empresas públicas que foram privatizadas (EDP, PT, GALP, PORTUCEL, BRISA, TABAQUEIRA, CIMPOR, CUF, REN, TOTTA_CP, BES e BPI) deram aos grandes patrões privados lucros superiores a 3.457 milhões de euros. É evidente que se aquelas empresas não tivessem sido privatizadas, por um lado, constituiriam um importante instrumento no combate à crise e, por outro lado, aqueles lucros que foram para os grandes patrões privados teriam revertido para o Orçamento do Estado dando a este meios financeiros para pôr em pratica uma politica social e de investimento público visando reduzir os efeitos da crise, no lugar das mini-medidas anunciadas pelo governo cujos resultados serão naturalmente reduzidos e insuficientes.


Um dos méritos desta crise será tornar claro a necessidade de inverter rapidamente todo processo de privatizações. As nacionalizações não podem apenas servir para que sejam os contribuintes a pagar as consequências de uma gestão capitalista ruinosa, de que é também exemplo o Fundo de Garantia de 20 mil milhões de euros , criado pelo governo à custa do Estado para assegurar à banca o pagamento dos empréstimos que esta tenha de fazer, o que revela a fragilização clara da banca fruto da gestão capitalista. Como contrapartida de uma politica que não preparou nem o País nem os portugueses para a crise, afinal o que é que este governo tem para oferecer aos portugueses: apenas a redução não durável do défice orçamental para 2,2% feita ainda por cima num período em que a economia portuguesa estava mergulhada numa prolongada crise, o que deixou o País mais atrasado, fragilizado e desarmado perante uma globalização selvagem dominada pelo capital financeiro



  • Eugenio Rosa

Estados Unidos: chegou a crise social




Nesta como nas outras crises sempre inerentes ao modo de produção capitalista, as principais vítimas não são os banqueiros e os especuladores que as provocam por ganância e delas saiem mais enriquecidos. As vítimas das crises, ao contrário do que as parangonas dos jornais e noticiários da TV pretendem fazer crer, são os milhões de trabalhadores e camadas médias da sociedade.


A divulgação dos últimos números do desemprego nos Estados Unidos não trouze boas notícias: só em Setembro destruíram-se 100.000 postos de trabalho. A estes somam-se os ais de 84.000 perdidos em Agosto.

O desemprego subiu para 6,1% e com estes números, desapareceram em 2008 mais de 600.000 empregos. Este índice é um dos mais altos desde a recessão de 2001, a que se juntam os aumentos dos produtos básicos, do combustível e enorme endividamento das famílias trabalhadoras.

As primeiras consequências sociais da crise reflectem-se em imagens inauditas como as cidades-tenda que cresceram nos arredores das grandes cidades como Los Angeles e São Francisco. Este é um dos retratos mais sombrios: milhares de pessoas a viverem com as suas famílias nos seus automóveis ou em tendas. Muitos dos habitantes destas cidades precárias são famílias trabalhadoras (uma grande parte negra e latino-americanos, os sectores mais afectados pelas hipotecas lixo). Muitos abandonaram os seus andares, para fugirem dos desalojamentos e das dívidas. O combustível para aquecer as casas aumentou 30% desde 2007 e, uns meses antes do Inverno, o governo dos EUA ameaçou cortar a ajuda ao combustível para aquecimento nos bairros de baixos rendimentos, dentro do corte de medidas sociais (em grande parte com menos dotações pelos cortes dos impostos aos ricos).

Já em Abril o governo anunciara que 28 milhões de pessoas necessitariam de vales de comida para comerem: o aumento mais significativo desde a década de 1960.

O mais grave é que o rebentar da bolha imobiliária iniciado em 2007 aprofundou as más condições de vida de uma parte importante dos sectores operários e populares (calcula-se apenas 25% tem um salário que cobre as suas necessidades, incluindo o seguro de saúde). Antes de rebentar a crise, no país mais rico do mundo, 51,7% milhões viviam já na pobreza, 35 milhões passaram fome durante o ano de 2006 e 50 milhões não tinham seguro médico (seja dito que não existe saúde pública nem obras sociais sindicais).

Só em Agosto, mais de 300.000 casas foram notificadas da execução: 2 em cada 416 propriedades dos EUA (CNBC, 12/9). Em Maio votou-se um pacote de ajuda aos pequenos devedores, mas este apenas foi para refinanciar as dívidas de um sector, pelo que continuam milhões de execuções hipotecárias.

Com este panorama orquestrou-se o maior transferência de dinheiro da história: milhares de milhões de dólares para salvar empresas que enriqueceram durante as últimas décadas. Apesar do fracasso da primeira tentativa de votação no Congresso, tanto o candidato democrata, Barack Obama, como o republicano, John McCain, bem como os líderes das duas bancadas mostraram a sua vontade de apoiar as grandes empresas e o governo de Bush, o mais impopular da história do país. À margem dos discursos hipócritas de campanha eleitoral, o partido democrata demonstrou, uma vez mais, que não é alternativa alguma para «a mudança» que Obama tanto apregoa.

Ouvem-se vozes de protesto

O descontentamento com a situação económica cresceu com a rejeição do plano de Paulson. Todos sabem quem pagará a factura. Bush foi claro: «estas medidas requerem que utilizemos um montante significativo dos dólares dos contribuintes», disse, referindo-se aos 700.000 milhões de dólares do Plano Paulson. Segundo sondagens feitas, mais de 70% da população rejeita a medida porque vêem que são eles, os trabalhadores e os sectores médios empobrecidos, os que perdem o trabalho, os que ficarão devedores, os que pagarão a crise.

Ainda que os principais entraves tenham vindo da parte da oposição interna no Congresso, a rejeição fez-se sentir, até agora de forma calma. Realizaram-se protestos e mobilizações em frente dos bancos e repartições públicas contra o «Bailout» [N. do T.: entrada de dinheiro fresco para evitar a falência. Tem uma conotação negativa que, livremente, poderia ser traduzido por golpada.], e no coração de Wall Street. As principais palavras de ordem são contra o governo republicano e a salvação de empresas com o dinheiro dos impostos.

Tal como na campanha eleitoral, apesar das hipocrisias que se dizem na televisão, nenhum dos partidos é uma alternativa. Com mais ou menos diferenças, democratas e republicanos demonstraram que a sua lealdade é para com Wall Street e as grandes empresas, e não para com os trabalhadores e o povo.

A única forma de mitigar esta crise é fazê-la pagar aos que a provocaram: há que suspender todas as execuções hipotecárias, dividir as horas de trabalho entre todas s mãos disponíveis para lutar contra a desocupação, pôr em funcionamento um plano de obras públicas sob controlo dos trabalhadores, para recuperar a infra-estrutura do país e que crie milhões de postos de trabalho financiados com os impostos às grandes fortunas. Nem um dólar para os bancos!Estas e todas medidas necessárias para enfrentar a crise só poderão ser impostas com a mobilização de trabalhadoras e trabalhadores e dos sectores empobrecidos independentemente dos partidos democrata e republicano.

  • Celeste Murillo

Este texto foi publicado em La Haine, Tradução de José Paulo Gascão

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