terça-feira, 21 de outubro de 2008





A independência do crime
Crónica de Ruben de Carvalhono Expresso de 18.10.2008


No início do mês de Setembro, após uma oficialíssima e europeia visita ao Kosovo, a eurodeputada socialista Ana Gomes afirmava ter de lá vindo “mais preocupada que ao chegar” e concluía com assinalável concisão: “A única actividade existente é o crime organizado e a União Europeia tem responsabilidades grandes nesta matéria”.Com idêntica clareza, Ana Gomes finalizava com uma insólita conclusão, definitivamente pouco consentânea com a imagem que lhe é atribuída: interrogada sobre se era favorável à independência do Kosovo, respondeu, enérgica: “Acho que é inevitável.

Não vale a pena dizer agora se se é a favor ou contra”!A eurodeputada socialista lá sabia do que falava, porque menos de um mês após estas declarações, o governo do igualmente socialista José Sócrates reconheceu oficialmente o tal ‘país’ onde a única actividade existente é o crime organizado.

Ora, se há coisa que o governo português (ou qualquer outro) não pode de todo ignorar é esta realidade que começa nas próprias personalidades ‘políticas’ à frente do ‘governo’ kosovar até a recentes escândalos como a absolvição pelo Tribunal das Nações Unidas de Haia de Ramush Haradinaj, uma polifacética figura que, enquanto chefe militar do Exército de Libertação do Kosovo foi responsável por comprovados massacres de populações sérvias (diversas testemunhas convocadas pelo tribunal foram aliás assassinadas pouco antes de deporem, no melhor estilo do meio), e enquanto ‘primeiro-ministro’ logo após a declaração da ‘independência’ do Kosovo se tornou numa das mais destacadas figuras do mercado negro dos produtos de auxílio remetidos da Europa e dos EUA e surge hoje com ligações inquestionáveis à placa rolante de comércio de droga e tráfico de armas, mulheres, carros roubados em que o Kosovo se tornou.

Luís Amado poder-se-ia, de resto, ter dado ao trabalho de enriquecer a biblioteca do Palácio das Necessidades com o último livro de Misha Glenny, o repórter da BBC que seguramente mais de perto tem acompanhado as últimas décadas em toda a região balcânica, e que dá pelo sugestivo título ‘McMafia: A Journey Through the Global Criminal Underworld’, editado em Abril deste ano (Knopf. London 2008).Após longos anos percorrendo os tempestuosos meandros político-militares balcânicos, Glenny acabou por chegar a esta triste conclusão: o que sobretudo marca o resultado das intromissões da NATO, dos EUA, da União Europeia na região é a sua transformação, da Albânia à Macedónia, do Kosovo à Bulgária, num pólo determinante do crime organizado, instalado no centro da Europa, centralizando desde as lavagens de dinheiro do Dubai até aos tráficos de ópio do Afeganistão, definitivamente contribuindo mesmo para essa espantosa situação que transformou Israel, graças à afluência maciça da máfia russa, num dos principais fornecedores de droga dos Estados Unidos!

Tudo situações que, aliás, certamente contribuem para que, menos servis, a maioria dos países das Nações Unidas não tenham reconhecido a independência do Kosovo.Contrariamente a Ana Gomes, julgo que não só vale a pena como é mesmo indispensável deixar bem claro que se é contra o reconhecimento da independência do crime para ter mais um país para usar.
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