sexta-feira, 5 de dezembro de 2008


Justiça de classe


A «primeira» do Expresso de sábado último, cuja manchete «revela» que o «Governo salva BPP para defender a imagem de Portugal» e cujo destaque fotográfico mostra aos leitores do semanário os 261 volumes – 72 300 páginas!) do processo Casa Pia, agora em alegações finais, onde chegou depois de anos de inquirições e investigações, suscitou-me uma reflexão que amiúde faço, sobre o carácter de classe de qualquer Justiça.

É que muitas vezes deparamos com imagens e palavras veiculadas na imprensa ou na televisão, onde numerosos bandidos acham lugar para afirmarem a sua «confiança na justiça». Traficantes, burlões, banqueiros e dirigentes «desportivos» ou autárquicos, misturados com outra gente grada da política de direita – nacional ou local – e com vedetas de cara posta a cores nas páginas dos magazines, quando são apanhados na teia da lei, não desperdiçam a oportunidade de, a pés juntos, jurarem que têm confiança na justiça.

É certo que a Justiça lhes dá muitas vezes razão, achando-lhes a alínea, o artigo, o capítulo ou a vírgula para escaparem a pesadas penas. Lembremos a prisão preventiva de Paulo Pedroso, confirmada numa secção da Relação de Lisboa e logo «desconfirmada» por outra secção da mesma Relação. Ou a «permissão de fuga» para o Brasil de Fátima Felgueiras, cuja sentença final a fez pular de alegria. Ou as aventuras londrinas de Vale e Azevedo, que bem se fia na justiça britânica para, pelo menos, demorar a sua extradição até ficar bem longe, num off-shore jurídico qualquer. Os milhões e os anos gastos com a meia dúzia de arguidos do processo Casa Pia, mostram bem que, se fossem apenas bibis de meia-tijela, já morariam numa cadeia qualquer, a expensas do Estado. É mesmo provável que morram antes de se fazer justiça, já que o processo se encontra «ameaçado», segundo o Expresso, por 150 recursos!

Do outro lado da classe que possui os meios para protelar e fazer valer o seu estatuto VIP a fim de escapar a uma condenação célere, encontra-se a classe, cada vez mais desprotegida – pela lei – nos seus direitos, liberdades e garantias. Como o provam casos como o de um sindicalista condenado por criticar a administração onde trabalha; ou os jovens detidos e condenados pelos tribunais por protestarem e expressarem indignação pela política de direita. É que, se o Estado é um aparelho que assegura o domínio de uma classe sobre todas as outras, a Justiça é um dos seus pilares.

  • Leandro Martins



Coisa rara


O carácter insólito e até surpreendente do título de uma pequena notícia nas edições on-line de 2 Dezembro chamou-me a atenção – «Banqueiro condenado a 10 anos de prisão». A história mete tráfico de influências, paraísos fiscais, fundos de investimento e outros requintes, a que infelizmente nos vamos habituando, de um mundo cada vez mais dominado pelo poder dos grupos financeiros onde a «livre» circulação de capitais é lei.

Para aqueles que porventura se julguem mais distraídos podem desde já ficar descansados que a coisa aconteceu do outro lado do Atlântico, mais precisamente no Brasil. Por cá, as notícias sobre bancos e banqueiros são outras.

Em Portugal, apesar de suspeitas, denúncias, investigações e coisas que tais, creio que não há memória de mandar uma criatura destas para trás das grades. Dito de outra forma o crime por roubo no nosso país não vai além de uns assaltos a estações de serviço, umas caixas multibanco fanadas, umas ourivesarias arrombadas noite dentro. Os chamados crimes de «colarinho branco» têm passado impunes.

Por cá, são outras as notícias sobre bancos e banqueiros. O dinheiro que não existia para aumentar salários e pensões, construir escolas e hospitais, dinamizar a actividade económica e o investimento público, aparece agora às paletes para meter no bolso dos banqueiros.

O caso mais recente ilustra ao serviço de quem está este Governo. A operação de «salvamento do BPP», um banco cujo seu principal papel é gerir grandes fortunas, onde cada um dos seus depositantes não conta com menos de um milhão de euros, onde não consta que estejam em causa centenas de postos de trabalho, envolve, para além de um empréstimo no valor de 120 milhões de euros da CGD, garantias do Estado para toda a operação financeira.

Mesmo que aos olhos da Lei e da Justiça que existe no nosso País, os milhões que foram acumulados nos últimos anos por via dos escandalosos lucros do sector financeiro, ou estes, que agora saem do erário público para limpar prejuízos e evitar falências, sejam legais, a verdade é que à luz das difíceis condições de vida do nosso povo, à luz dos baixos salários, do desemprego, da pobreza e da miséria que alastra, os lucros e os apoios ao sector financeiro são um crime contra os trabalhadores, o povo e o país.

  • Vasco Cardoso
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