sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Os bombos da festa

Ainda ecoavam os foguetes da eleição do «professor» em mais uma «festa da democracia» e já a ministra do Trabalho, Helena André, levava à Concertação Social a proposta do Governo para a alteração das regras das indemnizações por despedimento.

No final de um dia a concertar com os parceiros – os quais, excluindo a CGTP, bem se podiam chamar compinchas –, a ministra afirmou querer alinhar a nossa legislação com a da moderna Espanha, e justificou que, ainda assim, conservaremos um dos regimes mais generosos no contexto europeu.

A minha memória recuperou o «pelotão da frente» e o «oásis» que Cavaco Silva vendeu a cada passo da UE por Portugal adentro, mas sustive a náusea e mergulhei nos pormenores noticiosos. Rezam mais ou menos assim: o executivo pretende «um tecto máximo e o fim do limite mínimo a pagar», bem como a criação de «um fundo para financiar os despedimentos». Trocado por miúdos, «hoje o trabalhador tem direito a 30 dias por cada ano de casa (mais diuturnidades). Mas o executivo quer reduzir para 20 dias». Nos contratos a termo, «aplica-se a mesma regra».

«Haverá um limite máximo?», pergunta ainda o Económico. «Sim, o Governo propõe um tecto de 12 meses nas compensações». E «um limite mínimo? – continua. Actualmente, os trabalhadores despedidos têm direito, no mínimo, a três meses de salário-base e diuturnidades. Mas o Governo quer retirar essa opção».

Posto isto, fui ver quem já tinha contas feitas. No Negócios online, afirma-se que os contratados a prazo vão perder até 45 por cento das indemnizações, e o Público calcula que um trabalhador com quase duas décadas de casa tenha uma perda de 55,5 por cento.

Reacções? Não há pesquisa informativa sem elas, não é verdade? De Bruxelas ouve-se sonoros aplausos, diz a Agência Financeira, que informa também do regozijo do patrão do BES, Ricardo Salgado.

Já João Proença, agarrado ao persistente sorriso amarelo, gracejou que «se nos derem os salários espanhóis, aceitamos já». A piadola nem considerou que com ou sem salários espanhóis se mantêm os garrotes nas indemnizações.

Mas, mais grave, as palavras antecederam a garantia de que a UGT está, como sempre e invariavelmente usando esta expressão, «aberta a negociar», não aceitando «apenas» que «haja redução dos direitos dos trabalhadores no activo». Quanto às novas gerações, amanhem-se com os cortes nas compensações e dêem-se por contentes com o fundo que as garanta.

A Confederação do Comércio, por seu lado, não assumiu falar em nome de todo o patronato, mas percebendo-se que o fazia sublinhou dois aspectos: as regras devem abranger o universo dos trabalhadores e não apenas os novos contratados; caso o Governo insista no fundo participado pelas empresas, estas vão transferir a despesa para os salários. Simples!

Para Arménio Carlos, da CGTP-IN, este é um golpe nos «direitos mais elementares dos trabalhadores». O dirigente sindical advertiu que «uma proposta que favorece as entidades patronais» colocando «os trabalhadores a pagar o próprio despedimento», que «generaliza a precariedade» e «baixa os salários», não oferece margem negocial.

Eu acrescento que, à laia de fim da «festa» onde o capital sufragou a sua ditadura, as propostas do Governo de agravamento da exploração apontam aos bombos do costume: os trabalhadores.
  • Hugo Janeiro

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Estas eleições vão deixar marcas

 
Não será decerto no actual quadro de uma democracia profundamente cerceada que as eleições poderão alterar radicalmente a situação existente. Mas quaisquer que sejam as votações obtidas por cada candidato nas eleições de domingo próximo, uma coisa é certa: vão deixar marcas.
 
Vão deixar marcas em Cavaco Silva, cuja face autoritária e arrogante ficou mais visível do que nunca; cujo verniz «impoluto» ficou irremediavelmente manchado pelas pouco recomendáveis companhias que há muito conserva e pelas mal esclarecidas embrulhadas em que apareceu metido; que ficará definitivamente identificado pela hipocrisia e desfaçatez com que pretendeu desresponsabilizar-se da situação que o País atravessa; que não poderá mais disfarçar o profundo reaccionarismo que lhe preenche a pouco ginasticada cabeça.
 
Vão deixar marcas em Manuel Alegre, no PS e no BE, cúmplices activos numa candidatura e numa campanha de mistificação e de desresponsabilização da governação de Sócrates. Cúmplices activos numa campanha que pretendeu inculcar a absoluta e antidemocrática falsidade de que as opções existentes se resumiriam à alternativa entre Cavaco e Alegre, entre política de direita e política de direita.
 
Vão deixar marcas em Fernando Nobre, o «dedicado humanitário» cujo pensamento político reaccionário e em muitos aspectos fascizante se coloca à direita do próprio Cavaco Silva.
 
Vão deixar marcas na já reduzida credibilidade de «comentadores» e dos grandes média, que assumiram do primeiro ao último dia a tarefa de distorcer e ocultar as reais alternativas em confronto e de condicionar a opinião do eleitorado.
 
Vão deixar marcas em todos aqueles que fizerem a corajosa e coerente opção de votar Francisco Lopes. Porque este voto é bem mais do que uma cruz num boletim. É uma exigência de mudança, patriótica e popular. É uma afirmação de esperança e um compromisso de luta.
 
De uma luta que a magnífica e combativa campanha de massas mobilizada por esta candidatura confirma que continua.
 
Esta campanha teve a marca da luta e das aspirações dos trabalhadores e do povo a uma vida melhor. Nada apagará essa marca.

  • Filipe Diniz 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O grito



Na campanha eleitoral que agora termina, como de resto em todas as outras, o que mais se ouviu foram as vozes – as mesmas de anteriores campanhas ou outras que de tão idênticas na cassete mais parecem as mesmas – clamando a ausência de debate sobre os reais problemas nacionais, apontando aos eleitores a «inevitabilidade» da escolha afunilada entre os candidatos da situação, proclamando de forma mais ou menos assertiva a inutilidade destas eleições, e concluindo – hélas – que mais valia acabar com o escrutínio secreto, directo e universal e deixar ao Parlamento a tarefa de escolher o primeiro magistrado da Nação, tal qual sucedia no tempo do fascismo.

De tanto repetirem o discurso nem se dão conta, as vozes, das contradições em que ocorrem. De tanto insistirem em colocar palas no eleitorado nem se apercebem, as vozes, da própria estreiteza das doutas análises.

De tão desligadas do País real nem se dão conta, as vozes, que a vida flui de diversas formas e há um tempo em que o rio submerge as margens que o oprimem.

Haverá quem ache irrelevante, ou de simples mau gosto, que Cavaco Silva candidato – para cativar votos – manifeste simpatia pelos trabalhadores da função pública que foram roubados no seu salário pelo Orçamento do Estado promulgado por Cavaco Silva presidente.

Haverá também quem ache absolutamente natural que Manuel Alegre não veja nenhuma incompatibilidade em ser apoiado pelo (seu) partido que há décadas promove todas as políticas anti-sociais que enquanto candidato diz combater.

Haverá igualmente quem não estranhe o facto de os candidatos da alternância pregarem a sua solidariedade com os pobres e desvalidos e com os cada vez mais pobres devido à política dos «sacrifícios para todos», e não tenham um comentário sequer face à obscenidade que representam os lucros dos quatro maiores bancos privados, que em conjunto com a PT, EDP e a GALP ascenderam (nos primeiros três trimestres de 2010) a sete mil oitocentos e cinquenta e dois milhões de euros, ou seja qualquer coisa como 21,5 milhões por dia.

E haverá ainda quem registe como episódios de campanha, comoventes embora, os testemunhos populares que chegaram aos ecrãs das televisões, via Francisco Lopes, dando conta que há gente, muita gente, impedida de ir às consultas médicas porque fecharam os centros de saúde ou porque não tem dinheiro para pagar as elevadas taxas de transporte dos doentes, ou que está desempregada e não sabe como vai pôr na mesa a comida para os filhos, ou que vai ter de abandonar os estudos porque o Governo lhe cortou a bolsa de estudo, ou que não sabe como vai pagar a renda da casa, a conta da electricidade, do gás, dos transportes... porque o mês aumenta cada vez mais no fim de cada ordenado.

Só por má fé ou completa surdez se pode dizer que nesta campanha não se falou dos problemas do povo e do País e da alternativa patriótica e de esquerda para os resolver. Em qualquer dos casos, é manifesta a necessidade de gritar mais alto. No domingo, pois claro, votando, mas também em todos os outros dias que se seguem porque o voto é importante mas a batalha a travar não se fica por aí.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Pão para a boca

A Rússia viveu o ano passado a pior seca dos últimos 50 anos. A Austrália sofre inundações gigantescas num território do tamanho da França e da Alemanha que já afectam mais de 200 mil pessoas. Estes dois casos, que concitam natural consternação em todo o mundo, são noticiados entre nós como incidentes longínquos, terríveis e devastadores para as vítimas directas mas sem quaisquer consequências para as nossas vidas. E no entanto... seja no respeitante ao pão que comemos ou à carne que pomos na mesa, para dar apenas dois exemplos, não é de somenos o que se passa na Rússia, na Austrália e em muitos outros pontos do globo, pela simples razão de que temos de importar praticamente tudo o que consumimos em matéria de cereais (incluindo para alimentação de gado), porque temos de importar mais de 60 por cento da carne (a de bovino é toda importada e quanto à de aves e de porco só em parte Portugal satisfaz as suas necessidades), porque importamos todo o açúcar que consumimos, porque o olival (só há pouco tempo se voltou à plantação) não chega para as encomendas. Numa palavra, Portugal enfrenta um sério problema de soberania alimentar que não pára de se agravar: na última década o défice alimentar cresceu 23,7 por cento. Hoje, 70 por cento do que consumimos é importado.

A explicação para tal estado é conhecida. Como afirmou há dia o director-geral da Federação das Indústrias Agro-alimentares (FIPA), esta situação é fruto de «anos e anos de uma política agrícola comum (PAC) que nos fez desinvestir na produção».

As consequências estão à vista, seja quanto à dependência do estrangeiro para provirmos às nossas necessidades, o que se traduz numa efectiva perda de soberania, seja nos custos que tal representa para a economia nacional: apesar do aumento das exportações nos últimos 10 anos, as importações subiram mais de 50 por cento, representando quase o dobro do que se exporta (dados do INE).

Quer isto dizer, em linguagem crua, que nos endividamos para comer. Mais grave ainda, para comer o que podíamos produzir. A culpa morre solteira, diz-se onde não se assume responsabilidades, mas os culpados andam todos por aí, bem instalados no poder político e/ou económico, fingindo nada ter a ver com a PAC, fazendo de conta que não mataram a Reforma Agrária, que não destruíram a indústria e as pescas, travestidos de defensores da Pátria e insistindo nas políticas que estão a levar Portugal para o abismo, apelando ao «sacrifício de todos» para impor mais exploração e miséria aos trabalhadores e ao povo português. Os culpados de ontem e de hoje, que escarnecem do PCP e da sua campanha Portugal a Produzir ou – na melhor das hipóteses – os silenciam, são os mesmo que querem continuar amanhã no poleiro do poder, não se cansando de apregoar as suas públicas virtudes para melhor esconder os muito (e muitos) secretos podres.

Se a hipocrisia pagasse imposto, bastava uma campanha eleitoral para resolver o défice. Não é o caso. A hipocrisia cobra, e muito, aos portugueses que se deixam enganar. O resultado, amargo, está à vista, e não é pela falta de açúcar. A exigir, como pão para a boca, uma ruptura decisiva.
  • Anabela Fino

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Gato escondido...


Acabo de ler num rodapé de telejornal que «dirigentes do PS e BE cruzam-se nos comícios de Manuel Alegre, excepto Sócrates e Louçã».

Dou por mim a pensar que isto dos apoios – exactamente como os posicionamentos de Alegre –, tem dias.

Eu explico. Pelos vistos, e apesar de serem ambos membros da Comissão de Honra do dito candidato, nos dias em que Louçã é adepto de Alegre, Sócrates não pode aparecer por perto. Já nos dias em que é Sócrates que deseja ver Alegre a Presidente, Louçã tem que se manter em casa.

Este anúncio (que se segue à operação cirúrgica do BE de anunciar, no seu site, a já citada Comissão de Honra tentando esconder os figurões do Governo), em que se ficam a conhecer previamente as ausências combinadas, deixa-me algumas questões.

Nos dias em que Louçã apoia Alegre, será que Sócrates se mantém apoiante ou suspende essa qualidade?

Como é que Sócrates e Louçã combinam os desencontros? Será no facebook? O primeiro-ministro «posta» no seu sítio uma coisa do género «José Sócrates vai aos comícios de Alegre às quintas, sábados e domingos». Logo, o outro assinala «Francisco Louçã gosta disto!»

E quem será que não quer ser visto com quem? Será Louçã que não quer que se perceba que apoia o candidato que, nos últimos cinco anos, esteve ao lado de José Sócrates, e nos anteriores 29 anos esteve ao lado de todos os dirigentes do PS responsáveis pelo prosseguimento e aprofundamento da política de direita e que, portanto, está com ela profundamente comprometido?

Ou será Sócrates que não quer ser repreendido pelos banqueiros – a quem serve quando não está nos comícios de Alegre, e também quando lá está –, por ser visto em certas companhias?

Seja como for, parece que não faltarão oportunidades para ver Jorge Lacão em aberta confraternização com Fernando Rosas, ou Ana Drago em amena cavaqueira com Pedro Silva Pereira.

Seguramente, o que não poderemos é ouvir Alegre, neste jogo do gato e do rato, a posicionar-se pela ruptura e pela mudança e pela política alternativa patriótica e de esquerda necessária ao nosso País. E, pelos vistos, não veremos também os dirigentes do BE, nos dias em que forem aos comícios, muito preocupados com isso.

É que isto é muito gato escondido com o rabo de fora!
  • João Frazão

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

As coisas que eles inventam!...

Como é hábito, a Time elegeu aquilo que designa por «Personalidade do Ano» - com direito a fotografia na capa da revista, como mandam as regras.

Expressão maior da «liberdade de informação» no mundo, a Time é, por isso mesmo, danada para a brincadeira democrática. Assim, com vista a eleger a «Personalidade do Ano», a revista pediu aos seus leitores para que se pronunciassem. Democraticamente. Votando.

E a capa da Time foi Mark Zuckerbery, o criador do Facebook.

Os jornais portugueses deram a notícia, aproveitando para fornecer aos leitores alguns dados biográficos de Zuckerbery, sublinhando devidamente o facto de ele ter arrecadado, com o seu Facebook, uns quantos milhares de milhões de dólares, que o transformaram no não sei quantos mais rico dos EUA.

A escolha não surpreende: uma pessoa que, de um momento para o outro ascende ao ranking dos homens mais ricos, está por direito próprio nas capas todas de todas as Time do planeta.

No entanto, há neste caso um pequeno pormenor a assinalar: é que a escolha dos leitores da Time, isto é, a personalidade na qual os leitores votaram maioritariamente, não foi o fundador do Facebook, mas sim Julian Assange, fundador do WikiLeaks.

Com efeito, contados os votos, Assange somou mais de 380 mil, sendo o mais votado, enquanto Zuckerbery se ficou por uns 18 mil votos, que o colocaram num modestíssimo 10.º e último lugar.

Porquê, então, Assange não foi - e Zuckerbery foi - a «Personalidade do Ano» da Time?

Boa pergunta!: porque a direcção da Time achou – e o que a direcção da Time acha, faz lei - que Julian Assange não devia nem podia ser «Personalidade do Ano», e pronto!; e que Mark Zuckerbery devia ser «Personalidade do Ano», e pronto!

Percebe-se: Assange está em vias de entrar para a Lista Negra do Terrorismo; Zuckerbery já entrou na Lista Dourada dos Mais Ricos…

Em contrapartida – e sempre exibindo-se em exercício de democracia aplicada – a direcção da revista «elegeu» Assange «Personalidade (não grata) do Ano».

A estas coisas, a Time chama «jornalismo democrático e interactivo».

As coisas que eles inventam!...
  • José Casanova
  • JCP
  • pcp
  • USA
  • USA