sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Um homem


Um homem está perante o tribunal fascista. O juiz interroga-o.

Pergunta: «É verdade que o senhor reingressou no PC em 1954 logo após a sua fuga do Forte de Peniche?»

Resposta: […] «Só “reingressa” quem sai… e eu orgulho-me de haver abraçado a causa do comunismo desde os alvores da minha juventude e de manter até hoje sem interrupções a honrosa condição de comunista, qualidade que espero conservar até ao último alento da minha vida».

Este homem fora preso pela segunda vez três anos antes. Foi de novo barbaramente torturado: espancamentos, privação do sono, 78 dias no segredo em Caxias, prolongado encerramento numa sala dotada de equipamentos de privação sensorial e indutores de alucinações. Não falou.

Este homem, então com 47 anos, é condenado pelo tribunal fascista a uma pena de 23 anos, 8 meses e «medidas de segurança». Na prática, é condenado a prisão perpétua.

Este homem na prisão escreve e ilustra ao longo dos anos seguintes cartas para o seu filho, uma criança com um grave problema de saúde. Da sua cela de condenado surge um rico universo de personagens alegres e aventurosos, de encanto pelo conhecimento e pelo trabalho (cujas máquinas – tractores, tornos mecânicos, fresadoras - ilustra primorosamente), de entusiástica alegria de viver férias, acampamentos, idas à praia, passeios, corridas de automóveis. Com uma espantosa força, este homem procura, à distância, interpor toda a sua energia entre o filho e a doença cuja marcha inexorável sabe estar em curso.

Este homem era incapaz de deixar um inimigo sem combate. Fosse ele o fascismo, fosse ele a exploração, a opressão, a ignorância e o ódio à cultura, as manobras contra Abril, fosse ele a contra-revolução nas suas diferentes facetas. Fosse o inimigo uma doença incurável.

Era um revolucionário. Com ele sabemos que primeiro dever do revolucionário é empenhar na luta toda a energia e todas as capacidades, mesmo nas condições mais desesperadamente adversas.

Este homem era António Dias Lourenço. Conservou a condição de comunista até ao último alento da sua vida. Nem o poderia ter sido de outra forma
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