segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Governo pretende premiar empresas que pagam baixos salários



– o premio é de 26,6 milhões de euros


– ele será retirado da Segurança Social


por Eugénio Rosa [*]



RESUMO DESTE ESTUDO

Uma das características negativas do modelo económico português é de continuar a basear-se em baixos salários, o que inevitavelmente também leva à baixa produtividade e à falta de competitividade. É esta também uma das razões porque a crise em Portugal está a ser mais grave, e que seja também muito mais difícil, lenta e longa a recuperação da economia.

Uma exemplo concreto do modelo de baixos salários que continua a vigorar em Portugal, é o facto de o salário mínimo nacional em Portugal ser bastante inferior ao da generalidade dos países da UE15, e de o aumento anual ser, em euros, sistematicamente inferior às subidas verificadas nos restantes países da UE15, o que está a afastar cada vez mais Portugal desses países. Por ex., em Espanha, entre 1999 e 2004 o salário mínimo nacional aumentou 103,71 euros enquanto em Portugal subiu apenas 59,14 euros; e, entre 2004 e 2009, o aumento em Espanha foi de 163,71 euros, enquanto a subida em Portugal foi somente 84,86 euros. Portanto, os aumentos em Portugal foram praticamente metade dos aumentos verificados em Espanha nos mesmos períodos. No fim de 2009, o salário mínimo na Bélgica era superior em 164,3% ao de Portugal; na Irlanda em +178,5%; na Espanha em +38,7%; na França em +151,6%; no Luxemburgo em +212,7%; na Holanda em +163,2%; e na Inglaterra em +92,4% (Quadro I). Portugal é um país de baixos salários, sendo prova disso o facto de o salário mínimo nacional ter no nosso País um valor bastante inferior ao dos países da UE15, e essa diferença estar a aumentar no lugar de diminuir.


Apesar disso, o governo pretende premiar as empresas que têm trabalhadores a quem pagam apenas o salário mínimo nacional à custa das receitas da Segurança Social, que são tão necessárias à sua sustentabilidade financeira e ao apoio aos trabalhadores desempregados e às famílias em dificuldades. E não se pense que as empresas que o governo pretende beneficiar serão apenas as micro e pequenas empresas que lutam pela sobrevivência; pelo contrário, inclui também grandes empresas como a Sonae que nos seus super e hipermercados têm trabalhadores a quem pagam apenas o salário mínimo nacional. A pretexto do aumento do salário mínimo nacional em 2010, de 450 euros para 475 euros, o governo pretende baixar a taxa de contribuição para a Segurança Social das empresas que pagam apenas o salário mínimo nacional em 1 ponto percentual, ou seja, reduzir a taxa de 23,75%, que é a taxa actual, para 22,75%. A receita que a Segurança Social vai perder devido à redução da taxa contributiva daquelas empresas em 1 ponto percentual, se esta for aprovada pelo governo, será de 26,6 milhões de euros por ano (Quadro III). Portanto, serão menos 26,6 milhões de euros que a Segurança Social terá para combater a pobreza e apoiar os desempregados. É evidente que esta medida representará também um incentivo à manutenção do modelo baseado em baixos salários. Para além disso, o governo se aprovar tal medida enviará aos patrões a seguinte mensagem: Vale a pena pagar salários baixos porque isso é uma justificação válida do ponto de vista do governo para as empresas contribuírem com menos para a Segurança Social.



Obama em Oslo: O discurso da hipocrisia Imperial




No discurso pronunciado na cerimónia de recebimento do Prémio Nobel, Barack Obama “Apresentou o apocalipse afegão como um «guerra necessária» travada em defesa da humanidade. Falou de «promessa de tragédia», reconhecendo, pesaroso, que nas guerras «uns matam, outros morrem». Omitiu que a tragédia desencadeada no coração da Ásia não é promessa, mas monstruosa realidade. E omitiu também que é a sua gente, cumprindo ordens criminosas, quem mata e os «outros» quem morre”. “O discurso farisaico de Obama em Oslo, aclamado pelos sacerdotes do sistema opressor, seus cúmplices, configurou uma ofensa à inteligência e dignidade dos povos agredidos, explorados e humilhados pelo imperialismo”.

Miguel Urbano Rodrigues - 13.12.09


Talvez nenhum outro Prémio Nobel da Paz tenha suscitado tão ampla e justa polémica a nível mundial como o atribuído a Barack Obama.

Admito que pelo tempo adiante o discurso que ele pronunciou em Oslo, a 10 de Dezembro p.p., ao recebe-lo será recordado como o discurso da hipocrisia imperial.
 
Nove dias antes, o cidadão - presidente Obama decidira enviar para o Afeganistão mais 30.000 soldados , elevando para 100.000 os efectivos do exército norte-americano que invadiu aquele pais há 8 anos.


Consciente de que o discurso da paz era na circunstância incompatível com o envolvimento actual dos EUA em múltiplas guerras de agressão, o novo Prémio Nobel tentou justificá-las em nome de valores eternos da condição humana.

Apresentou o apocalipse afegão como um «guerra necessária» travada em defesa da humanidade. Falou de «promessa de tragédia», reconhecendo, pesaroso, que nas guerras «uns matam, outros morrem». Omitiu que a tragédia desencadeada no coração da Ásia não é promessa, mas monstruosa realidade. E omitiu também que é a sua gente, cumprindo ordens criminosas, quem mata e os «outros» quem morre.


Não disse que no Afeganistão morreram, até fim de Novembro, somente 849 soldados americanos, os agressores, mas mais de 100.000 entre os agredidos, metade dos quais de fome.


Traçando uma fronteira entre as «guerras necessárias» e aquelas que o não são, Obama afirmou que «um movimento não violento não teria podido deter os exércitos de Hitler». Mas enunciou essa evidencia para estabelecer um paralelo grotesco entre a Al Qaeda e o III Reich nazi. Identifica na invasão do Afeganistão uma exigência da defesa do povo dos EUA porque «os líderes da Al Qaeda (organização inexpressiva num pais onde o árabe é uma língua desconhecida do povo) não aceitam depor as armas».


Fica implícito que o Estado mais rico e poderoso do mundo considerou imprescindível à sua segurança que as Forças Armadas norte-americanas atravessassem um oceano e dois continentes para irem combater num dos países mais atrasado e pobres do mundo o líder de uma seita de fanáticos. Pela primeira vez na História um governo declarou a guerra não um Estado, mas a um terrorista, guindando-o à condição de interlocutor. Com a peculiaridade de que, sendo desconhecido o seu paradeiro, o alvo e a vítima dessa guerra irracional foi e continua a ser o povo entre o qual supostamente se ocultaria Ben Laden.


No mesmo dia em que Obama recebia o Nobel da Paz na Noruega , o general Stanley McCrhystal fazia perante o Congresso dos EUA de gala, com o peito constelado de condecorações – as medalhas dos guerreiros agressores são tradicionalmente atribuídas em função da quantidade de massacres que cometeram pela “salvação da pátria”- o comandante supremo na área Afeganistão –Paquistão reafirmou a sua certeza na vitoria de uma « guerra justa e necessária».

São complementares o seu discurso e o de Obama.


A VIOLÊNCIA NA HISTÓRIA


Enquanto Obama lutou pela Presidência e nos primeiros meses de Governo, o seu discurso, embora retórico, apresentou matizes humanistas.

Mesmo entre adversários ideológicos, perdurou durante algum tempo uma duvida: seria o jovem presidente um estadista fiel a princípios e valores éticos e que somente não iria mais longe por ser travado pela engrenagem do sistema de poder?


O balanço da sua política em onze meses não lhe favorece a imagem. Não obstante o massacre mediático promovido para o erigir no «salvador» de que o capitalismo em crise estrutural necessitava, a ideia de que o Presidente dos EUA não concretizou compromissos assumidos por que o grande capital e o Pentágono o impediram é negada pela realidade da vida.


Por si só, a escalada no Afeganistão fez ruir o mito do eticismo do presidente. Sobra apenas a retórica.


O discurso de Oslo tripudia sobre a razão e a ética. Sob o manto do «poder moral», Obama, movendo-se num labirinto de hipocrisia e de contradições, pretende persuadir os povos de que o poder imperial dos EUA está ao serviço da humanidade quando, dolorosamente, recorrem à violência para defender, segundo ele, a liberdade, a democracia, a civilização.


Marx captou a realidade ao afirmar que a violência tem funcionado como parteira da História.


Pouco mudou em milhares anos. No nosso tempo a humanidade nada num oceano de violência. Nos últimos 60 anos em guerras e outros flagelos, cuja responsabilidade no fundamental cabe ao imperialismo morreram ou foram feridas 60 milhões de pessoas, quase tantas como na II Guerra Mundial.


Num livro maravilhoso [1], Georges Labica – um dos grandes filósofos do século XX e um dos raríssimos intelectuais contemporâneos que fez da cultura integrada o cimento de uma obra luminosa pela inteligência e saber – lembra-nos que o capitalismo é a pátria de um sistema que escraviza (e emancipa através da revolta) e que a globalização da violência reflecte afinal o estado da sociedade modelada e oprimida pelas suas engrenagens.


As guerras “necessárias” não são, porem, as que os EUA travam na Ásia contra povos misérrimos cujas riquezas saqueiam.

Essas, as «justas», são inseparáveis do direito à sobrevivência de povos agredidos por outros, as que opõem a violência libertadora à violência opressora. Já dizia Maquiavel que «os levantamentos de um povo livre são raramente perniciosos à sua libertação».


A História apresenta-nos ao longo dos séculos exemplos expressivos, por vezes comovedores, de tais guerras , autenticas epopeias nacionais. A resistência armada é então nelas o desembocar da vontade colectiva.

Isso aconteceu no combate à barbárie do III Reich Alemão; na luta do Vietnam contra os EUA, na saga argelina, no batalhar multissecular pela independência dos povos da Ásia, da América Latina e da África contra o colonialismo e pelo direito a construírem o seu próprio futuro como sujeitos da História, acontece hoje na luta épica do povo palestiniano contra o sionismo neonazi, na resistência dos povos do Iraque e do Afeganistão à ocupação imperial norte-americana.


O discurso farisaico de Obama em Oslo, aclamado pelos sacerdotes do sistema opressor, seus cúmplices, configurou uma ofensa à inteligência e dignidade dos povos agredidos, explorados e humilhados pelo imperialismo.




[1] Georges Labica, “ Théorie de la Violence”, Ed.La Cita del Sole, Napoles, e Librairie Philosophique J.Vrin, Paris, Dezembro de 2007.

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