segunda-feira, 22 de dezembro de 2008





A parelha


O Jornal Nacional da TVI (empresa do espanhol Grupo PRISA) do passado dia 5 de Dezembro não foi um caso isolado, é antes uma prática reincidente. E nele, Manuela [Moura Guedes] aplicou boa parte das suas intervenções a denunciar as malfeitorias de «os políticos», generalizadamente e sem distinções, como é de uso na prática adoptada na democracia que temos quando é reeditado o discurso contra «os políticos» que foi peça central da doutrinação fascista do salazarismo defunto mas nunca inteiramente enterrado. Quisesse (e pudesse) Manuela ser rigorosa, tal como aliás os que repetem a mesma ladainha porque dela emprenharam de ouvido, e teria explicitado quais e sobretudo porquê; teria denunciado não tanto este ou aquele como a construção sociopolítica que favorece, protege e estimula tudo o que de eticamente inadmissível é justamente ou não atribuído aos «políticos». (…) De facto, sem uma crítica da sociedade em que as corrupções, bem adubadas pelos poderes fácticos, florescem, o que Manuela faz é uma criptopropaganda do fascismo em cujo projecto supostamente não há «políticos». Como alegadamente não os havia nos regimes nazifascistas do século passado. Não digo, de modo algum, que Manuela se dê conta do que faz. Digo, isso sim, que Vasco [Polido Valente], o mestre, quanto a isto não a corrigiu.

Às sextas-feiras, o Jornal Nacional da TVI é mais extenso e conta duas presenças especiais: as de Manuela Moura Guedes como apresentadora do programa e de Vasco Pulido Valente como comentador do que vai pelo País e pelo mundo. Os dois formam uma dupla que consubstancia um triste espectáculo, cada qual por específicas e pessoais razões, e convirá talvez lembrar que televisão é sempre espectáculo, mesmo quando não parece sê-lo. Quanto à sua prestação informativa, digamos assim, ambos convergem no que é mais fácil e de certo modo mais rendível em terra onde seculares ignorâncias se passeiam de braço dado com preconceitos, imposturas e invejas: na demagogia mascarada de desassombro.

Cada um no seu estilo próprio: Manuela a interpretar o seu já antigo papel de jornalista corajosa, que «não as corta»; Vasco como o sábio que do alto do seu génio vem explicar o mundo dos pigmeus que lá em baixo se obstinam em não erigir, e já, a estátua que há muito lhe é devida. Perante a sua rábula semanal, e para lá dos crentes que decerto haverá em grande número, parece haver quem, mais propenso à crueldade, os ache divertidos. Não é o meu caso: a miséria humana nunca me divertiu, qualquer que seja o grau, o modo e o tempo em que surge.

É claro que entre Manuela e Vasco há uma abissal diferença de capacidade intelectual e de cultura, embora ambos manifestamente se sobreavaliem e nesse melancólico engano se assemelhem. Manuela não está ali tanto para dar notícias, como seria próprio de um comum apresentador de telejornal, como para expender as suas opiniões e fornecer a Vasco as deixas que lhe permitem exercer a superior função de esclarecedor do povo. Aliás, como alguns ainda se recordarão bem e é saudável que não se esqueça, Manuela foi não há milénios deputada à Assembleia da República pelo CDS-PP, e em verdade são muitos os momentos do Jornal Nacional em que parece julgar que ainda está a exercer essas suas antigas funções em que, aliás, não conseguiu brilhar em todo o seu esplendor. Não apenas é opinativa, o que em doses adequadas até poderia ficar-lhe bem, como é superveemente, agressiva, por vezes aparentemente à beira da exasperação. Curiosamente, pelo menos na passada sexta-feira Vasco levou quase todo o seu tempo a contrariar Manuela, a corrigir-lhe os dislates, a distanciar-se das suas tolices.

O que não foi possível saber, naturalmente, é se Manuela percebeu o que isso significava.

Sem surpresas, Manuela aplicou boa parte das suas intervenções a denunciar as malfeitorias de «os políticos», generalizadamente e sem distinções, como é de uso na prática adoptada na democracia que temos quando é reeditado o discurso contra «os políticos» que foi peça central da doutrinação fascista do Salazarismo defunto mas nunca inteiramente enterrado. Quisesse (e pudesse) Manuela ser rigorosa, tal como aliás os que repetem a mesma ladainha porque dela emprenharam de ouvido, e teria explicitado quais e sobretudo porquê; teria denunciado não tanto este ou aquele como a construção sociopolítica que favorece, protege e estimula tudo o que de eticamente inadmissível é justamente ou não atribuído aos «políticos»; teria sublinhado as práticas semelhantes ou piores dos que não são «políticos» mas de facto mandam em políticos e políticas. Mas Manuela não é capaz de fazer isso, talvez porque não saiba, talvez porque de qualquer modo não o quereria fazer. A sua vocação é outra, é a de se apoiar na demagogia e no que são de facto hostilizações indirectas mas eficazes da vida democrática tal como ela tem vindo a sobreviver. De facto, sem uma crítica da sociedade em que as corrupções, bem adubadas pelos poderes fácticos, florescem, o que Manuela faz é uma criptopropaganda do fascismo em cujo projecto supostamente não há «políticos».

Como alegadamente não os havia nos regimes nazifascistas do século passado. Não digo, de modo algum, que Manuela se dê conta do que faz. Digo, isso sim, que Vasco, o mestre, quanto a isto não a corrigiu.

* Correia da Fonseca
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