sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Esqueletos


 
Na conferência subordinada ao tema «Ainda vale a pena investir em Portugal?», realizada esta semana na Universidade Católica, Belmiro de Azevedo (BA) falou da situação do País e das «consequências sociais imprevisíveis» que daí podem advir, já que os portugueses (e as empresas, na sua opinião) estão a ser compelidos a apertar o cinto tanta vez que se corre o risco de ficar apenas o «esqueleto».
 
Em consequência, o patrão da Sonae questiona-se sobre os seus investimentos. Respondendo à questão que deu mote à conferência disse: «Vale a pena investir. Em Portugal, não sei».
 
As dúvidas de BA – defensor da abertura ilimitada das grandes superfícies para a «criação de emprego» – têm razão de ser. Num contributo inestimável para a criação de novos postos de trabalho, e aproveitando a quadra natalícia, a Sonae contratou novos trabalhadores para fazer embrulhos. Não o fez directamente, antes recorreu aos préstimos de uma empresa de trabalho temporário que dá pelo nome de UR – you are one, o que sempre ajuda ao empreendedorismo, mais a mais com designação anglo-saxónica.
 
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP) os felizardos entraram ao serviço no passado dia 6 de Novembro e têm contrato até 24 de Dezembro de 2010. O pagamento, esse, será feito mediante recibo verde ou acto único, mas só a partir de 15 de Janeiro de 2011. Quanto ao salário, não tem mistérios: cada contratado recebe 12€ por turno, e cada turno tem cinco horas. Feitas as contas, apura-se que o salário/hora é de 2,4€, ou seja inferior aos 2,7€ que resultam do salário mínimo nacional. Acresce que os trabalhadores assim distinguidos com a oferta de emprego Sonae têm apenas um dia de descanso por semana, não recebem o subsídio de refeição em vigor na empresa, e não recebem trabalho nocturno apesar de um dos «turnos» terminar às 24 horas.
 
Chegado a este ponto, BA – há dias homenageado com o troféu Excelência na Liderança, em cerimónia com a presença do ministro da Economia Vieira de Silva – constata o óbvio: está na hora de largar o «esqueleto» nacional e procurar novos horizontes.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Os negreiros


Anteontem, 2 de Novembro, o dia noticioso ficou marcado pelo «debate» do Orçamento do Estado previamente acordado dias antes nas suas linhas mestras entre PS e PSD, após semanas de autêntico terrorismo mediático. Nesse mesmo dia o Público abria as suas páginas de economia com uma notícia sobre a PSA Peugeöt-Citröen, de Mangualde, reveladora de outro terrorismo que raramente chega às manchetes.

A história, elucidativa da sobre-exploração que grada em Portugal, conta-se em poucas palavras. Depois de ter liquidado, em 2009, cerca de 600 postos de trabalho e de ter abolido o turno da noite, a empresa voltou a reactivar a chamada terceira equipa, desta feita com 300 trabalhadores. Destes, cerca de um terço faz parte do lote dos despedidos no ano passado – «trabalhadores especializados, que tinham um vínculo com a empresa, com vencimentos entre os 700 e os 800 euros», como diz o presidente da Comissão de Trabalhadores, Jorge Abreu –, que «agora regressam a ganhar metade» e apenas por um período de seis meses. O vencimento base oferecido aos contratados, refere o responsável da CT, é de 440 euros, a que acresce 25 por cento de subsídio de turno; feitos os descontos, «muitos não chegam a levar o ordenado mínimo para casa».

A notícia do Público esclarece ainda que numa primeira fase estes trabalhadores foram contratados através de uma agência de trabalho temporário, mas como nestas circunstâncias não podiam ser abrangidos pela «bolsa de horas», destinada apenas a funcionários da empresa, a Peugeöt-Citröen acabou por fazer contratos directos com eles.

Esta história, sendo esclarecedora do ressurgimento dos negreiros no século XXI, está no entanto incompleta. Para se ter a dimensão da sua barbárie importa lembrar que a «bolsa de horas» (imposta ilegalmente ainda antes da entrada em vigor do Código de Trabalho com base num «acordo de traição feito com a anterior comissão de trabalhadores) obriga os trabalhadores a compensar, em períodos de maior fluxo de encomendas e sem quaisquer compensações, o tempo de paragem provocado pela suspensão forçada da produção. Importa também lembrar que esta empresa é uma das muitas apoiadas pelo Governo PS: em 2007 recebeu 8,6 milhões de euros para manter 1400 postos de trabalho até 2013 (o que não cumpriu), e no ano passado terá recebido mais 21 milhões de euros. O caso motivou requerimentos do Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República, pedindo explicações ao Ministério da Economia e exigindo a intervenção da ministra do Trabalho, mas o regabofe continuou. Importa ainda lembrar que a célula do PCP na Citröen há muito denuncia a situação, como sucedeu no final de Julho último, quando sublinhou o carácter «demagógico, mentiroso e populista» do anúncio da criação destes «novos» 300 postos de trabalho com que o PS e a administração da Citröen se congratularam, procurando «apagar» o despedimento colectivo do ano passado.

Quem a 600 despedidos soma 300 contratados quantos postos de trabalho cria? Esta a pergunta que fazem os comunistas, que não se cansam de denunciar – com ou sem OE – o esbulho dos trabalhadores em benefício do capital com a conivência e o aplauso do PS.
  • Anabela Fino

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O Costume


 
Fernando Nobre, o candidato à Presidência da República, descobriu-se, reinventou-se, definiu-se, eu sei lá.
  
Ele, o monárquico que foi apoiante de Durão Barroso e participante numa convenção do PSD, membro da comissão de honra da candidatura de Mário Soares, mandatário da candidatura do BE ao Parlamento Europeu e depois apoiante do PS e do PSD nas últimas eleições autárquicas, o homem com «valores nitidamente de esquerda», mas para quem «a dicotomia esquerda/direita já está ultrapassada», talvez queira afastar alguma imagem de homem ziguezagueante que, vá-se lá saber porquê, possa ter ficado do seu percurso e, agora, pronuncia-se claramente!
  
Sobre a Greve Geral, é a favor e crítica mesmo Manuel Alegre, pelo facto do poeta candidato não assumir a mesma posição. Aponta a dedo os que ao longo dos últimos anos foram responsáveis, ou co-responsáveis pela situação do país.
 
 E, para que não falte nada, qual Quixote de Cervantes, avança de lança em riste contra o Orçamento de Estado, do qual diz discordar profundamente.
  
Profusamente amplificado pela Comunicação Social ao serviço dos interesses dominantes, Nobre aponta os caminhos para se sair desta situação.
  
E, tão claramente como faz os diagnósticos, afirma esperar, citado pelo matutino Destak, «que nas negociações que começam agora os maiores partidos possam chegar a uma plataforma de entendimento para que possa existir uma nova perspectiva para o país».
 
 Ora bolas, quando estávamos todos à espera que, de Fernando Nobre, viesse um acto de contrição, pelos silêncios cúmplices a que nos habituou ao longo da sua já longa carreira (sim, que não estamos propriamente a falar de um novato na coisa, como acima se viu), e que dali viesse uma proposta nova e de mudança real das políticas que nos desgovernaram nos últimos trinta anos, eis que nos apresenta mais do mesmo. Afinal espera que os do costume, associados aos interesses do costume, façam os acordos do costume, para que possa existir a «nova perspectiva» do costume.
 
 A intenção até pode ser nobre, mas o conteúdo, afinal, é o do costume.
  • João Frazão
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