terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Dois sapatos e um presidente

«Al Zaidi foi preso e acusado pelas autoridades de «agressão a um chefe de Estado estrangeiro», o que em si é uma anedota. Em primeiro lugar porque a acusação é «agressão» e não insulto, ou seja, feita à luz da interpretação «ocidental» do arremesso. Em segundo lugar porque revela um buraco no edifício legal iraquiano, pois não prevê o insulto ou agressão «contra Chefe de Estado de potência ocupante». Em terceiro lugar porque, e citando um grupo de ulemas (1) (sunitas e xiitas), intelectuais, cientistas e advogados iraquianos, «atirar sapatos à cara de Bush é a resposta normal e adequada a tudo o que foi perpetrado por estecriminoso e sua pandilha de assassinos contra o povo iraquiano».


«Esta é a despedida do povo iraquiano, seu cão!». Foi com estas palavras que Muntadar al-Zaidi, jornalista da cadeia de televisão Al-Baghdadyia, acompanhou o arremesso dos seus dois sapatos contra George W. Bush. Apesar de a nossa vontade ser a de rapidamente enviar pares de sapatos a todos os jornalistas que se preparem para cobrir eventos com a participação de Bush – não podem ficar descalços depois de tão elevado serviço à Humanidade - resolvemos abordar o acontecimento com imparcialidade e por dois prismas: o do jornalista e, naturalmente, o de Bush.

Na cultura árabe o acto de atirar um sapato é o pior insulto (e não agressão) que se pode proferir contra uma pessoa. O sapato - e as suas solas - representam o mais impuro e o mais baixo. Por sua vez, o termo Cão é sinónimo de Diabo, Satanás, Cornudo, Satã ou Lúcifer. Decorre portanto que o voo certeiro dos sapatos de Al Zaidi não é somente um acto de inquestionável justiça mas também de assertividade semântica. Além, claro, de afastar qualquer tentativa de transformar o acontecimento numa generosa oferta de sapatos a Bush, coisa comum na sociedade estado-unidense em época natalícia.

Al Zaidi foi preso e acusado pelas autoridades de «agressão a um chefe de Estado estrangeiro», o que em si é uma anedota. Em primeiro lugar porque a acusação é «agressão» e não insulto, ou seja, feita à luz da interpretação «ocidental» do arremesso. Em segundo lugar porque revela um buraco no edifício legal iraquiano, pois não prevê o insulto ou agressão «contra Chefe de Estado de potência ocupante». Em terceiro lugar porque, e citando um grupo de ulemas (1) (sunitas e xiitas), intelectuais, cientistas e advogados iraquianos, «atirar sapatos à cara de Bush é a resposta normal e adequada a tudo o que foi perpetrado por este criminoso e sua pandilha de assassinos contra o povo iraquiano». Nas ruas, a solidariedade com Zaidi ecoa. Multidões exigem a sua libertação num misto de revolta pela prisão e de explosão de alegria pelo seu acto. Zaidi será defendido gratuitamente por um comité de 200 advogados de todo o mundo, a sua cadeia de televisão recusou pedir desculpas e chovem ofertas de emprego.

Do prisma de Bush, o balanço também é positivo. É que, mesmo sem a ajuda dos seus marines, evitou o pior, levar com eles na cara! E além disso, pela primeira vez desde que é presidente, teve uma reacção facial genuína!

(1) Do árabe ulemá ou álime - teólogo ou sábio, versado em leis e religião, entre os muçulmano

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