sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

GAZA

Publicamos um texto do escritor português José Saramago, Prémio Nobel da Literatura, sobre a criminosa actuação de Israel na Faixa de Gaza com a cumplicidade dos governos da União Europeia e dos Estados Unidos.
José Saramago - 30.12.08

A sigla ONU, toda a gente o sabe, significa Organização das Nações Unidas, isto é, à luz da realidade, nada ou muito pouco. Que o digam os palestinos de Gaza a quem se lhes estão esgotando os alimentos, ou que se esgotaram já, porque assim o impôs o bloqueio israelita, decidido, pelos vistos, a condenar à fome as 750 mil pessoas ali registadas como refugiados. Nem pão têm já, a farinha acabou, e o azeite, as lentilhas e o açúcar vão pelo mesmo caminho. Desde o dia 9 de Dezembro os camiões da agência das Nações Unidas, carregados de alimentos, aguardam que o exército israelita lhes permita a entrada na faixa de Gaza, uma autorização uma vez mais negada ou que será retardada até ao último desespero e à última exasperação dos palestinos famintos. Nações Unidas? Unidas? Contando com a cumplicidade ou a cobardia internacional, Israel ri-se de recomendações, decisões e protestos, faz o que entende, quando o entende e como o entende. Vai ao ponto de impedir a entrada de livros e instrumentos musicais como se se tratasse de produtos que iriam pôr em risco a segurança de Israel. Se o ridículo matasse não restaria de pé um único político ou um único soldado israelita, esses especialistas em crueldade, esses doutorados em desprezo que olham o mundo do alto da insolência que é a base da sua educação. Compreendemos melhor o deus bíblico quando conhecemos os seus seguidores. Jeová, ou Javé, ou como se lhe chame, é um deus rancoroso e feroz que os israelitas mantêm permanentemente actualizado.Publicado em O Caderno de Saramago dia 22 de Dezembro de 2008

Repúdio global


Contra o genocídio que Israel promove na Faixa de Gaza, centenas de milhares de pessoas manifestam-se em todo o mundo exigindo o fim imediato dos bombardeamentos e solidarizando-se com o povo palestiniano.

Protestos ocorrem desde sábado em Caracas, Beirute, Paris, Copenhaga, Estocolmo, Londres, Helsínquia, Madrid, em Istambul e outras cidades da Turquia, na Jordânia, Síria, Líbia, Paquistão, Bangladesh, Teerão, no Dubai, em Bagdad, Mossul e várias cidades iraquianas, no Cairo, ou em Santiago do Chile. Nos EUA, um protesto junto à sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, exigiu o fim do massacre.

Em Portugal, a CGTP-IN e o CPPC emitiram comunicados condenando o massacre na Faixa de Gaza. A central sindical sublinha que nada pode justificar este crime de guerra e apela ao reforço da solidariedade para com o heróico povo palestiniano.

No mesmo tom, o CPPC considera os ataques «um exemplo particularmente cruel da política de terrorismo de Estado que Israel pratica há várias décadas contra o povo da palestina e o seu direito a constituir-se em Estado soberano», e «alerta para as consequências que estes ataques poderão ter na já muito tensa situação no Médio Oriente».

A novidade


Tanto quanto pude perceber entre tosse, espirros e bater de dentes da quota parte de gripe que me coube em sorte em vésperas de Natal, a grande novidade da mensagem com que este ano Sócrates nos brindou residiu no facto de desta vez ter falado de pé e não sentado como de costume. A ocorrência foi de resto registada pela generalidade dos média, o que por si só já é sintomático da dificuldade em encontrar substância na substância da coisa.

O discurso foi de tal forma demagógico que até os mais prestáveis comentadores de serviço se viram em palpos de aranha para estabelecer uma ligação coerente entre as palavras do primeiro-ministro e a realidade nacional sem perder o tom de seriedade – mínimo que seja – que é suposto presidir a estas matérias.
O caso era bicudo, convenhamos: por um lado, os indicadores da crise, mais abundantes que passas em bolo rei, a transbordar das notícias; por outro, Sócrates de fato e gravata e árvore de Natal a prometer que ele e os seus ministros vão usar todos os recursos ao seu alcance para auxiliar empresas, trabalhadores e famílias; a pedir empenho e determinação aos portugueses para ultrapassar as dificuldades; e a garantir que o País está hoje em melhores condições para responder às dificuldades que nos chegam de fora, que por cá a situação está óptima e recomenda-se.

Tanta promessa e auto-elogio – tirados a papel químico das mensagens de 2007, 2006 e 2005 – causam engulhos até aos mais seguidistas, numa altura em que, de concreto, os portugueses conhecem o aumento galopante do desemprego, o ataque sem precedentes aos direitos dos trabalhadores consubstanciado no Código do Trabalho, o endividamento para além de todos os limites, enquanto se sucedem os anúncios de «medidas» que até ver só são mensuráveis nos milhões entregues à banca para salvaguarda dos lucros escandalosos do capital.

Ainda assim, houve quem visse esta mensagem como uma espécie de injecção de confiança para estimular os portugueses a sacudir pessimismos, como se a crise e os seus efeitos fossem um estado de alma a precisar de umas palmadinhas nas costas para ganhar novo ânimo. É uma perspectiva. O problema – e não se trata de ser pessimista, mas realista – é que se é verdade que tristezas e desânimos não pagam dívidas, como os portugueses bem sabem, não é menos verdade que esperanças ocas não enchem barriga nem pagam créditos, como sabe quem tem bocas a alimentar e contas a acertar.

No mundo de faz de conta inventado por Sócrates os portugueses vivem todos melhor, as desigualdades esbatem-se dia a dia, o emprego floresce e a justiça social não pára de crescer. Pouco importa que todos os indicadores apontem em sentido inverso. O que é preciso é alinhavar palavras atrás umas das outras, em discursos de Natal que se repetem ano após ano pedindo «empenhamento e coragem» a quem já está empenhado – em sentido literal – até à orelhas.

Diz quem sabe destas lides que o discurso foi curto. Para o que foi dito, nem era preciso tanto.

  • Anabela Fino
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