quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Chapa cinco: o capitalismo mete nojo!

Numa rara reportagem sobre a realidade social do nosso país, dava conta o «i» da existência de empresas que cobravam 5 euros aos desempregados para lhes carimbar «o papel», prática que terá já recebido o ápodo de Chapa 5, e de outras empresas que impõe a prestação de trabalho gratuito para carimbar «o papel».

«O papel», entenda-se, é o comprovativo de busca activa de emprego, que os desempregados têm de apresentar regularmente no Centro de Emprego.

Denunciadas assim, e bem, essa corja de abutres que aproveitam o desespero de quem está desempregado para lhes roubar ora 5 euros, ora umas horas de trabalho.

Mas faltou tirar a conclusão sobre o próprio princípio da necessidade de comprovar uma busca activa de emprego. Sobre a imoralidade e a hipocrisia dos membros do Governo e da Assembleia da República, que pariram tal conceito e o fizeram entrar na ordem jurídica portuguesa. E de todos os que o apoiaram ou apoiam, em nome seja do que for.

Trata-se de mais uma medida que procura responsabilizar o desempregado pela situação em que se encontra (e consequentemente, por dela sair), colocando-o ainda numa situação de acrescida precariedade perante o patronato, já que até a manutenção do subsídio de desemprego depende de encontrar dois que aceitem atestar «a busca activa de emprego».

Na teoria, este princípio já implica aceitar a ideia (obtusa, mas muito vulgarizada) que os 11% de desempregados resultam do facto de «os portugueses não quererem trabalhar», mas na prática, permite ainda que o desespero seja usado para oprimir e humilhar quem precisa de trabalho, ou de um qualquer substituto que permita alimentar e abrigar a família.

Eliminar este princípio da lei não é só uma questão de justiça. É um questão de higiene – civilizacional.
  • Manuel Gouveia
A lebre


Se hoje abro aqui uma excepção para me referir a uma das tiradas de Paulo Portas – a proposta de cortar nos vencimentos dos políticos – é porque creio que vale a pena ler para lá do que ficou dito pelo próprio.

PP lançou o repto ao primeiro-ministro, no debate quinzenal na Assembleia da República, para que o Governo «toque nos salários dos ministros, do Presidente da República, dos Deputados», enfim dos políticos. Num assomo de sinceridade afirmou ainda que sabia que isso não representaria grande coisa, mas que a força do exemplo teria o peso de um sinal moralizador. E, não satisfeito, questionou ainda, «porque não prescindirmos, todos, do 13.º mês?»

O registo populista da proposta (que não constaria das exigências de Portas para aprovar o Orçamento) não passou despercebido, mesmo a quem se ocupa a amplificar exponencialmente todos os passos que o cavalheiro tem dado.

E não há dúvida que maior demagogia não se encontrará, particularmente porque vinda de quem, com o seu voto, que vai garantir a aprovação do Orçamento de Estado que prevê, para o grande capital, benefícios na ordem dos milhares de milhões de euros.

Mas creio que o alcance da declaração de PP vai para além do que o simples cavalgar no descrédito dos políticos, que tem a sua origem exactamente nas consequências da políticas de direita de que ele é co-responsável. PP funcionou aqui como as lebres que se lançam à frente para que os galgos corram atrás delas nas competições.

Quando assistimos à decisão do Governo, que Portas vai sancionar, de congelar os salários dos trabalhadores da Administração Pública, e aos cada vez mais claros apetites patronais de pôr em causa o direito ao 13.º mês, consubstanciados na prática ilegal do seu pagamento em duodécimos ou mesmo no seu não pagamento, com a justificação da crise e das dificuldades, a declaração do demagogo-mor da nação não pode deixar de ser vista como parte de um caminho que o capital precisa que se faça. Para que fique dito e possa mesmo ser invocado como exemplo. Para alimentar a ideia da inevitabilidade. Para que alguns pensem se até eles já falam nisso, porque é que não nos há-de tocar a nós. Para que fique no ar a vaga ideia de que agora toca a todos.

Eles sabem que nesse caminho encontram a firme oposição dos trabalhadores, das suas organizações de classe e do PCP e é por isso que tiram da cartola todas as lebres que têm. Ainda que pouco valham.
  • João Frazão 
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