quarta-feira, 2 de junho de 2010

A ver a banda passar



O sururu em torno da visita de Sócrates a Chico Buarque e do bate-papo que ambos travaram a acompanhar o cafezinho que o famoso autor, compositor e intérprete brasileiro educadamente terá oferecido ao primeiro-ministro português na sua acolhedora sala de estar, o sururu, dizia, é no mínimo insólito. É bem verdade que os staff socrático meteu a pata na poça, perdoe-se a expressão, ao informar de que o encontro se tinha realizado a pedido do cantor o que, convenhamos, em termos mediáticos tinha muito mais frisson, já que apontava para a inevitável leitura de que Sócrates é tão popular, mas tão popular, e tão admirado, mas tão admirado por esse mundo fora que até as mais destacadas figuras não hesitam em meter cunhas aos respectivos presidentes – no caso, Lula da Silva – para terem a oportunidade de lhe dar uma bacalhauzada e de pousar com ele para a posteridade.

 Que não foi nada disso já se sabe, o Chico é um desmancha-prazeres com a mania de pôr os pontos nos is (coisa que o acordo ortográfico ainda não alterou) e veio logo colocar a boca no trombone a dizer que não senhor, que não foi ele a pedir o encontro, deixando entender que a coisa até lhe ficaria mal pois artista que se preze tem uma reputação a defender. Como seria de esperar o engano – pois que outra coisa pode ter sido se não um engano? – deu azo a especulações, tanto mais incompreensíveis quanto se está mesmo a ver que os pequenos (ou pequenas, para o caso tanto faz) do staff devem ter querido apenas apresentar serviço, ancorados na profunda convicção de que qualquer mortal, se tem um sonho na vida – para além dessa coisa corriqueira de ganhar o euro milhões – é o de partilhar uns segundos que seja da sua vida com José Sócrates.

Houve também quem, alarvemente, insinuasse ser pouco curial um primeiro-ministro de visita a um país estrangeiro, por mais «irmão» que seja, incomodar a mais alta figura do Estado que o acolhe com pedidos de encontros com celebridades. Trata-se, como se percebe, de pura inveja, ou na melhor das hipóteses de intrínseca incapacidade para perceber o «menino de ouro» do PS que jaz adormecido em Sócrates, cujo despertou ao calor brasileiro para reivindicar o direito de conhecer ao vivo e a cores o seu «ídolo de juventude», como o próprio primeiro-ministro – há muito saído da adolescência, diga-se de passagem – candidamente confessou.

Línguas viperinas também sugeriram que as visitas oficiais não se destinam a encontros imediatos de terceiro grau com ídolos particulares, por respeitáveis que sejam, e que, ao invés de se dedicar à caça aos autógrafos de Chico Buarque, Sócrates devia ter dado mais atenção aos empresários brasileiros, pouco entusiasmados com as ofertas portuguesas de negócios, ou a representantes da vida cultural daquele país que se viram desconvidados de um jantar oficial porque – diz-se – o primeiro-ministro teve desejos de comida italiana. É o que se chama querer estragar a festa ao homem e ter falta de visão. Em vez de ficar a ver a banda passar, Sócrates trouxe do Brasil autógrafos do Chico para a família; de uma cajadada matou dois coelhos: realizou um sonho e, se a crise apertar, ainda os pode negociar para abater a dívida e reduzir o défice.
  • Anabela Fino
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