domingo, 1 de fevereiro de 2009



Protectores


Bem pode agora o PS querer «recauchutar» uma imagem de esquerda, afirmar-se contra o «pensamento neoliberal», mentir acerca das desigualdades sociais que agravou, afirmar-se defensor das liberdades democráticas que atacou. Essa imagem terá tanta credibilidade em Sócrates & Companhia como teria aparecerem todos vestidos de fato-macaco à porta das empresas que querem proteger.”

No filme «O Pátio das Cantigas» (1942), o realizador - ou alguém por ele - encontrou forma de integrar uma imagem de propaganda. No meio da confusão de uma cena de pancadaria num arraial popular, alguns personagens abrigam-se atrás de um balcão. Um deles diz: «Aqui estamos protegidos». Por cima, uma faixa tem um nome: Salazar.

Há uma semântica reaccionária associada ao verbo proteger. Implica a exposição inferiorizada a uma situação, um perigo ou um dano. Implica um elemento exterior com poder, qualidades e força para concretizar a protecção. Implica em muitos aspectos subalternidade e impotência.

Não deixa de ser significativo que esse verbo tenha reaparecido sob a forma de mensagem política. Num caso, em cartazes do BE: «quem protege as pessoas?».

Noutro caso, bem mais marcante do ponto de vista ideológico, em campanha do PS: numa sequência de imagens em que o elemento constante é a figura de Sócrates sucedem-se as frases: «proteger as famílias, proteger as empresas, proteger o país». A trilogia do que há a proteger já de si tem uma ressonância sombria. Mas o chefe/protector ainda a tem mais.

O pior é que o que há de salazarento nesta campanha surge de uma visão da política e do exercício do poder em perfeita consonância não apenas com os quatro anos de maioria absoluta do PS, com as suas interiorizadas opções políticas de direita, mas com as características pessoais dos seus responsáveis, com o autoritarismo e a ausência de cultura democrática a que dia a dia dão expressão prática e ideológica.

Bem pode agora o PS querer «recauchutar» uma imagem de esquerda, afirmar-se contra o «pensamento neoliberal», mentir acerca das desigualdades sociais que agravou, afirmar-se defensor das liberdades democráticas que atacou. Essa imagem terá tanta credibilidade em Sócrates & Companhia como teria aparecerem todos vestidos de fato-macaco à porta das empresas que querem proteger.

Quanto aos trabalhadores e ao povo português, aos democratas portugueses, está na suas mãos protegerem-se a si próprios desta gente e desta política. Ao lado do PCP e da CDU, que não existem senão ao serviço dessa sua defesa e afirmação livre e autónoma.

  • Filipe Diniz

A avaliação
O Ministério da Educação (ME) pediu uma «avaliação internacional» a uma comissão de «peritos independentes» e, para credibilizar a coisa, anunciou que os tais peritos «seguem os critérios da OCDE», seja lá isso o que for e aplicado em função do que seja.

Para rematar o entremez, anuncia-se que o primeiro-ministro em pessoa vai apresentar publicamente a dita avaliação no início desta semana, onde o lote de peritos convidados pelo Governo de Sócrates declara, por grosso e numa independência colossal, que os responsáveis pela encomenda - ou seja o ME - são a quintessência em matéria de política de Ensino.

O Governo não teve rebuço em esmiuçar os ditirambos da «comissão de peritos» - afinal, foi para isso mesmo que «pediu» a avaliação - e, pois claro, lá surgiram devidamente elogiados alguns dos aspectos mais contestados da política de Sócrates para o Ensino: o encerramento cego e brutal de milhares de escolas primárias foi muito aplaudido, enquanto as ditas escolas eram displicentemente menorizadas com a adjectivação de «pequenas e ineficazes» (o que, valha a verdade, é de uma insensibilidade algo suspeita em peritos com os «critérios da OCDE»), o modelo de formação contínua dos professores para melhorar a qualidade do ensino do Português e da Matemática foi apelidado de «excelente» e associado a «indícios» de melhoria dos resultados escolares - o que significa que o truque do actual ME de fazer subir, miraculosamente, as médias nacionais dos resultados em Português e Matemática através da concomitante descida dos níveis de exigência das provas serviu, pelo menos, para satisfazer estes «peritos internacionais».

Esta «avaliação» só não se atreveu a louvar concretamente o Estatuto da Carreira Docente nem o famigerado modelo de avaliação dos professores que o Ministério quer impor à força, mas certamente José Sócrates esperará que o pagode vá no embrulho e acabe por ficar com a ideia de que estes importantes senhores da «peritagem internacional» só espalharam rosas por toda a política educativa do seu Governo.

Assinale-se, entretanto, o extremo ridículo desta encenação, em que participa o próprio primeiro-ministro a publicitar, em pose de Estado, um «elogio internacional» à sua política de Educação tão duvidoso como irrelevante, quando o mesmo primeiro-ministro e a sua ministra da Educação, ainda há dias atrás, fingiram ignorar uma segunda greve maciça dos professores contra essa mesma política, talvez na espúria ilusão de que o que não é falado não existe.

E não foi uma greve qualquer: tal como a realizada a 3 de Dezembro (mês e meio antes), teve uma adesão de 90% dos professores, o que significa que praticamente todos participaram nesta luta. Uma unanimidade destas só se viu com as greves dos pilotos da TAP, mas esses profissionais são apenas umas centenas. Os professores são 140 mil, têm o Ensino do País à sua responsabilidade e estão a protagonizar uma luta contra a política humilhante do Governo com uma unanimidade sem precedentes no País, na Europa e, quiçá, no mundo.

Se Sócrates pensa ignorar isto com avaliações encomendadas, bem pode ir também encomendando a alma da sua maioria absoluta...
  • Henrique Custódio


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