quinta-feira, 11 de dezembro de 2008


Guisado



Havia uma proposta, a votar na Assembleia da República, para que fosse suspenso o actual processo de avaliação dos professores. Naturalmente que, por força da força com que tal avaliação é contestada, nas escolas e nas ruas, pela esmagadora maioria dos docentes, tal proposta mereceria, por parte de toda a oposição, um voto favorável, viesse donde viesse tal proposta (desde que não fosse do PCP...) Voto ao qual seria de esperar que se juntassem, envergonhadamente embora, alguns elementos da bancada socialista – ou que, pelo menos, se registasse alguma abstenção que fizesse romper a maioria PS que apoia cegamente a política de Sócrates.

Assim não aconteceu. A proposta foi derrotada, a maioria manteve-se. À custa da larga ausência de deputados na sala, trinta e cinco, segundo consta. Mas, sobretudo, à custa da dezena de parlamentares do PSD que já haviam assinado o ponto e se pisgaram.

Vai daí, os media de serviço aproveitaram logo para meter no mesmo saco todos os deputados e declararem o escândalo. Era impossível esconder o número avantajado de votos assim «recolhidos» no PSD, numa contagem que acabou por ser favorável ao Governo. Mas poucos se detiveram a especular sobre as razões de tais e tão oportunas ausências. Por nossa parte, que gostamos pouco de especulações, não deixaremos de assinalar o facto. A avaliação da ministra Rodrigues, amparada na política de Sócrates, mantém-se com este favor concedido pelo PSD...

Um favor, é certo, concedido por baixo da mesa, mas mesmo assim um favor de monta, tão pesado como um pontapé de Yannick Jaló, que deu uns milhões ao Sporting, ou os disparos do Benfica nas redes do Marítimo, que o fizeram aceder ao primeiro lugar. Não nos parece que uma dezena de deputados dessem à sola só porque são irresponsáveis e tenham mais que fazer.

Num momento em que a política nacional embarcou na veloz nave das eleições, esta votação, que dá ao adversário o que ele pretende, revela-se como uma profissão de fé na política de direita, que vem em primeiro lugar, muito antes das rivalidades partidárias que sobem de tom assim que se avistam as urnas. Quem mostra mais sensatez, nesta direita que começa onde a esquerda acaba, é o CDS, que já avalizou a candidatura de Santana Lopes à Câmara de Lisboa e que acaba de se mostrar disponível para apoiar quem lho peça – PS ou PSD, tanto dá. O guisado eleitoralista começa a ferver. É que o tacho está ao lume.

  • Leandro Martins

Os inocentes



O mundo capitalista está em crise, mas Portugal safa-se. Esta é a mensagem que o Governo tem vindo a dar aos portugueses entre um magalhães e outro, com o próprio primeiro-ministro Sócrates a afirmar que em 2009 as famílias vão ter mais poder de compra, graças à descida da taxa de juro para a habitação e à quebra do preço do petróleo, pelo que não há motivos para outros sentimentos que não sejam de esperança e muita alegria por estarmos assim tão bem governados.

É claro que, como não há bela sem senão, logo havia de vir o Instituto Nacional de Estatística (INE) dizer que a economia portuguesa decresceu 0,1 por cento no terceiro trimestre do ano, mas nem isso abalou a fé de Vitalino Canas, porta-voz do PS, para quem os «números denotam um abrandamento já esperado, reflexo da crise internacional», pelo que continua a não haver crise. E tanto assim é que, questionado sobre a possibilidade de Portugal entrar em recessão técnica se a economia voltar a registar um crescimento negativo no último trimestre de 2008, Vitalino se escusou a fazer «conjecturas», considerando que o importante é transmitir confianças aos portugueses nas medidas de apoio às famílias e às empresas que o Governo tem vindo a tomar.

Também o seráfico Governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio – o tal que ganha 250 mil euros por ano (18 vezes mais que o rendimento per capita nacional), e para quem o subsídio de desemprego sofre de elefantíase, ou seja é um exagero –, Vítor Constâncio, dizíamos, considera que a economia nacional não está, por esta altura, em recessão técnica, ao contrário do que acontece na Europa. Sempre prudente – excepto quando se trata de vislumbrar sintomas de fraude no sistema bancário, altura em que manifestamente sofre de miopia ou mesmo de vista grossa –, Constâncio adianta que o País pode vir a entrar em recessão ainda este ano, admite mesmo que 2009 pode não trazer «boas notícias», mas vai adiantando que, a ser assim, será porque a recessão vai ser «global», que é como quem diz que o Governo está inocente de tal desastre, e apesar de considerar difícil «fazer previsões a longo prazo» sempre acrescenta – para sossego das hostes e em benefício do inventário eleitoral – que em 2010 vai haver melhorias.

Já o ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, parece desfasado do discurso oficial – ou teve o azar de lhe caber o papel de «polícia mau», sabe-se lá – e veio dizer o que toda a gente já sabe, ou seja, que «há uma coisa de que temos que estar certos: o ano que temos pela frente não vai ser fácil». Nem é preciso ser ministro para tal conclusão, mas adiante. Bem sintonizado está o Teixeira na «garantia» de que isto da crise, a haver, é coisa lá de fora, o que inocenta o Governo de qualquer pecado presente futuro ou passado, pelo que façam lá o favor de não confundir as coisas na hora do voto, PS há só um, o nosso e mais nenhum, e o que é nacional é bom, politicamente falando, é claro, que quanto ao resto estamos conversados, a Europa do capital toma conta de nós.

Postas as coisas neste pé, confesso que este Natal vai tudo corrido a lápis de pau e papel almaço. Não é por nada. É que com tantos magalhães e tanta fé no Governo se me esgotou a imaginação.

  • Anabela Fino
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