sábado, 26 de março de 2011

É um burguês!



Veio-me à ideia um dos poemas do Ary, do conjunto «Três retratos à lá minuta», quando, ao folhear o JN de domingo, tropeço numa entrevista ao presidente executivo da SONAE SGPS. São duas páginas em que o engenheiro químico, licenciado na Suíça, «arrotando riqueza acumulada», se vangloria dos resultados da sua empresa (ele não diz, mas cresceram mais de 12% no ano passado, para os 192 milhões de euros), afirmando o seu optimismo face aos tempos que se avizinham.

Em meio de negócios feitos e negociatas a fazer – «um baú de tolices. Uma chatice» – Paulo Azevedo pronunciou-se sobre a situação do País, aproveitando para, pasme-se, solidarizar-se com «as gerações mais novas» que «têm razões de protesto».

O filho do terceiro homem mais rico do País (afirma a Forbes) diz mesmo que «estamos todos à rasca». Sim, leram bem. Diz o Paulo dos Continentes, da Optimus, da Worten e do Público, que estamos todos à rasca! Mas que «é preciso compreensão da juventude», pois, segundo ele, «há uma dificuldade geral do País». E disse isto sem que a entrevistadora contrapusesse, ao menos, o argumento que não estaremos todos na mesma, ou que os êxitos que Paulo Azevedo atrás descrevera o isentava, pelo menos a ele, da condição de «à rasca». Mas nada, nem uma palavra, nem o mais leve questionamento.

Fica pois provado que não há limites para a desfaçatez. «Com sorriso passado a purpurina», um dos mais ricos homens de Portugal, um dos que estão exactamente a ganhar com a crise, daqueles a quem as políticas de direita servem, porque vivem à sombra e à mesa do Orçamento, vem agora questionar sobre quem será credor de quem, pedindo compreensão e sentido de sacrifício aos jovens portugueses. Deve estar a pensar nos licenciados que contrata por pouco mais do que o salário mínimo para as suas caixas de supermercado, na mais absoluta precariedade.

Por fim, Paulo Azevedo deixa entender porque tem confiança no futuro, no que pode ser considerado um clássico do capital. É que, estando bem servido com o governo que agora está de turno, já está a dar contributos para um futuro governo que, espera ele, venha a ser liderado pelo PSD, servindo-o de igual maneira.

É como diz o Ary. «Para dizer quem é, basta o que disse... é um burguês!»
  • João Frazão

sexta-feira, 25 de março de 2011

Rapidamente e em força!

De Cavaco Silva já se espera tudo. Mas desta vez voltou a ultrapassar-se e a surpreender até os mais preparados. Ou alguém esperaria que Cavaco usasse a Presidência da República para tecer loas à guerra colonial, 50 anos depois?

Pois foi exactamente isso que fez, no dia 15 de Março, na cerimónia de homenagem aos combatentes que assinalou o cinquentenário do início da guerra em África, em Lisboa.

Cavaco valorizou «a intervenção militar que permitiu que um País com a dimensão e os recursos de Portugal pudesse manter o controlo sobre três teatros de operações distintos, vastos e longínquos»; saudou «os militares de etnia africana que, de forma valorosa, lutaram ao nosso lado»; afirmou «que os soldados portugueses foram, em África, soldados de excepção». Tudo assim, a tresandar à propaganda fascista e colonial, sem uma palavra de condenação da guerra, de valorização da conquista da independência dos povos das ex-colónias portuguesas ou da Revolução de Abril.

Mas Cavaco guardou o pior para o fim, quando se entusiasmou num dos seus apelos do costume à juventude: «importa que os jovens deste tempo se empenhem em missões e causas essenciais ao futuro do País com a mesma coragem, o mesmo desprendimento e a mesma determinação com que os jovens de há 50 anos assumiram a sua participação na guerra do Ultramar.»

Lê-se e não se acredita: mas Cavaco considera que a guerra colonial foi uma missão e uma causa «essencial»?! Cavaco terá noção da ofensa que fez a centenas de milhares de portugueses, obrigados pelo fascismo a combater numa guerra criminosa de que ainda hoje sofrem as consequências, às suas famílias e às dos que nunca regressaram?! Admite-se que a primeira figura do Estado português se refira desta forma a estados soberanos e independentes como Angola, Moçambique e Guiné-Bissau?!

O que Cavaco parece não querer saber é que os jovens de hoje são os filhos e os netos dos que foram obrigados à guerra colonial até 1974 e que, na sua esmagadora maioria, sabem quanto sofrimento significou (e significa!) essa participação na guerra. Bem podem Cavaco e os seus querer branquear o colonialismo e a guerra. São milhões os portugueses que os sabem desmentir.
  • Margarida Botelho

quinta-feira, 24 de março de 2011

Democracia Tomahawak


Estamos fartos de saber que o presidente Obama é pessoa de extrema sensibilidade. Mostra-o todos os dias no Afeganistão, no Iraque, na Colômbia, nas Honduras, enfim em todo o lado onde é necessário defender e aplicar os direitos humanos, a liberdade e a democracia.

E só não o mostra do mesmo modo noutros países – como a Venezuela, a Bolívia, o Equador, a Nicarágua… – porque ainda não teve condições para o fazer, mas logo que possa…

Agora, chegou a vez da Líbia ser alvo da apurada sensibilidade do presidente dos EUA – sensibilidade partilhada, com a tradicional fidelidade canina, pelos seus lacaios europeus – na modalidade de ajuda humanitária ou de protecção a civis.

Obama fez saber ao mundo que estava profundamente preocupado com o facto de Kadhafi «estar a disparar contra o seu próprio povo» – coisa que feria brutalmente a sua sensibilidade humanista e lhe provocava noites e noites de insónia… Isto porque, como também estamos fartos de saber, Obama nunca disparou (nem dispara, nem disparará) contra o seu próprio povo. Seguindo o exemplo de todos os seus antecessores no cargo – que lançaram bombas atómicas sobre civis, que mataram milhões de civis na América Latina, na Europa, na África, no Médio Oriente, etc., etc., mas que nunca dispararam contra o seu próprio povo – ele dispara, sim, mas contra outros povos. E assim os vai libertando: à bomba. E assim lhes oferece a democracia Tomahawak.

Ou seja: a extrema sensibilidade que não lhe permite disparar (até ver...) contra o seu próprio povo, impõe-lhe, exige-lhe, ordena-lhe que dispare contra o povo líbio.

E é isso que está a fazer. Em nome da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.

Como é da praxe, os bombardeamentos sobre a Líbia são louvados e incensados por todos os comentadores e analistas de serviço, entre os quais se encontra aquele que é, sem dúvida, o mais fervoroso apreciador da sensibilidade do Prémio Nobel da Paz: o inevitável Mário Soares.

Quase tão fervoroso admirador de Obama como o foi de Carlucci, Soares canta odes à operação «Amanhecer da Odisseia» – confiante, certamente, em que o «entardecer» da dita seja ainda mais brutal, mais sangrento. Mais democrático...

  • José Casanova

quinta-feira, 17 de março de 2011

Um voto revelador


«Solicita à UE e à comunidade internacional que tomem todas as medidas possíveis para isolar completamente Kadhafi e o seu regime a nível nacional e internacional; (…) nenhuma opção prevista na Carta das Nações Unidas pode, por conseguinte, ser descartada; solicita à Alta Representante e aos estados-membros que se mantenham disponíveis para uma decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre novas medidas, incluindo uma zona de exclusão aérea (…).» Esta é parte do texto de uma Resolução aprovada no Parlamento Europeu (PE) sobre a Líbia. Ora, como se pode facilmente compreender pelos dois extractos aqui reproduzidos, a Resolução do PE defende a intervenção militar, dado que sem esta não pode haver zona de exclusão aérea.

Todos os deputados portugueses votaram a favor desta resolução, naturalmente com a honrosa excepção dos dois deputados do PCP, que defenderam em declaração de voto e sem tibiezas a resolução pacífica e política do conflito, sem ingerências externas. Um voto que enche de orgulho os comunistas e os eleitores da CDU.

Sublinhe-se, caso tenha passado despercebida a afirmação: todos os deputados portugueses, com excepção dos do PCP, votaram a favor. E sim, caso tenham sobrado dúvidas: incluindo os do BE.

Não é que os eleitos do PS, do PSD e do CDS devam ser menos responsabilizados. O povo português, activo defensor da paz em tantos momentos da nossa História, deve criticá-los e condená-los vivamente. Mas a retórica usada pelo BE em território nacional não faria, à partida, prever tal votação.

Muito menos faria prever que Miguel Portas fosse subscritor de tal resolução. Mas foi. Embaraçado com a denúncia do caso, Portas assinou com Marisa Matias um texto que tenta explicar o porquê de tal proposta. É um exercício de equilibrismo de que se recomenda a leitura: invocam terem ambos votado contra o parágrafo 10 (o tal), na votação autónoma realizada, mas não desmentem (nem podiam!) que Portas propôs esta resolução e que os três deputados do BE votaram a favor da possibilidade de intervenção militar.

As acções ficam para quem as pratica. Mas o que pensarão disto os eleitores do BE, ou pelo menos grande parte deles, para quem a paz é indiscutível?
  • Margarida Botelho

quinta-feira, 3 de março de 2011

 

 
Ventos de guerra
 
As revoltas no mundo árabe reflectem, e por sua vez agravam, a grande crise do capitalismo global. Um dos pilares do imperialismo norte-americano – o seu controlo dos recursos energéticos do Médio Oriente – está a ser abalado em profundidade. O imperialismo investe todo o seu arsenal para travar os acontecimentos, ou canalizá-los em direcções «aceitáveis». E procura retomar a iniciativa.
 
É também nesta óptica que se deve analisar a acção do imperialismo relativamente à Líbia. As reacções oficiais e mediáticas são claramente diferentes das registadas nos casos da Tunísia ou Egipto. Não há análises cautelosas sobre «transições ordeiras». Não há a «ameaça do fundamentalismo islâmico». Entrou em cena a máquina de propaganda e desinformação que antecede as intervenções políticas e militares imperialistas. Numa só semana revivemos as patranhas dos «3 mil mortos em Timisoara», dos «bebés arrancados das incubadores no Kuwait pelos soldados de Saddam», do «genocídio dos albano-kosovares», das «armas de destruição em massa». O MNE inglês entrou nos anais da diplomacia (e da provocação) declarando ter informações de que Kadafi estava a caminho da Venezuela. O imperialismo, responsável por centenas de milhares de mortos só nas guerras dos últimos anos, derrama lágrimas de crocodilo pelos mortos da repressão do regime líbio, para abrir caminho a um novo crime.
 
 
Longe vai o tempo em que o regime líbio se caracterizava pelo anti-imperialismo. Há anos que predomina a colaboração económica, mas também política e entre serviços secretos, com as potências imperialistas. Hoje Kadafi colecciona inimigos entre as forças progressistas do mundo árabe e Médio Oriente. Mas a sua colaboração com o imperialismo não impede que este o sacrifique. A intervenção imperialista – já em curso – não resulta apenas dos enormes recursos energéticos da Líbia, que detém as maiores reservas petrolíferas em África. São também a tentativa do imperialismo retomar a iniciativa, instalando-se militarmente num país que faz fronteira com o Egipto e a Tunísia, lançando um aviso a outros levantamentos populares em curso no mundo árabe (do Iémene ao Bahrain, sede da V Esquadra Naval dos EUA), aliviando a pressão sobre os seus aliados em perigo (daí o entusiasmo da Al Jazeera e da Al Arabiya pela Líbia), a começar pela Arábia Saudita, uma das mais bárbaras ditaduras pró-EUA e peça central da dominação imperialista da região, centro promotor do fundamentalismo mais retrógrado e reaccionário, mas sempre poupada pelos «comentadores» de serviço. E, quem sabe, encontrar finalmente uma sede em África para o AFRICOM... A comunicação social fez grande alarido da viagem do primeiro-ministro inglês ao Cairo, «a primeira após a queda de Mubarak». Mas foi um acerto de última hora numa viagem «a estados do Golfo não democráticos, acompanhado de oito dos principais produtores de armas britânicos». Em simultâneo, «o Ministro da Defesa britânico está na maior feira de armamentos da região, no Abu Dhabi, onde 93 outras empresas britânicas promovem os seus produtos» (Guardian, 21.2.11). Os lucros de mão dada com o apoio aos seus serventuários.
 
É sinal dos tempos que o principal comentador político do jornal conservador inglês Daily Telegraph escreva (24.2.11): «Os impérios podem colapsar no decurso duma geração […] Hoje, é razoável perguntar se os Estados Unidos, aparentemente invencíveis há uma década, não seguirão essa trajectória. A América sofreu dois golpes profundos nos últimos três anos. O primeiro foi a crise financeira de 2008, cujas consequências ainda não se fizeram realmente sentir [!]. […] agora parece que 2011 irá assinalar a queda de muitos dos regimes ao serviço da América no mundo árabe. É pouco provável que os acontecimentos venham a seguir o rumo asseado que a Casa Branca gostaria de ver. […] A grande questão está em saber se a América irá aceitar a redução do seu estatuto com graciosidade, ou se irá responder com violência, como os impérios em apuros têm tendência histórica a fazer». Os acontecimentos destes dias estão a dar resposta à interrogação. Cabe aos povos impedir que o imperialismo norte-americano e europeu, no seu declínio historicamente inevitável, afundem a Humanidade na catástrofe.
  • Jorge Cadima
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