sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O despacho

De há uns tempos a esta parte tenho dado conta de que, seja por causa da idade ou por outros motivos que não são para aqui chamados por poderem remeter para essa coisa tenebrosa que se convencionou chamar de política, está a ser cada vez mais difícil acompanhar as minudências da vida nacional sem ficar com a sensação de que algo escapou, passou ao lado, se escafedeu nas entrelinhas, se sumiu nas resmas de papel ou nos bites e baites que circulam por aí.

É que ele há gente tão despachada, mas tão despachada, que o comum dos mortais, como é o meu caso, não só se sente ultrapassado como começa a desconfiar de estar parado no meio do torvelinho. Atente-se, por exemplo, nos despachos do Governo 26370/2009 e 26371/2009, ambos com data de 4 de Novembro e assinados por sua excelência o primeiro-ministro, que um perplexo cidadão teve a amabilidade de me fazer chegar. No primeiro, a produzir efeitos a partir de 26 de Outubro, Sócrates nomeia uma licenciada (o nome é irrelevante, os curiosos que procurem nos documentos citados) para exercer as funções de secretária pessoal do seu Gabinete, em missão de serviço; no segundo, com efeitos a partir de 30 de Outubro, o mesmo Sócrates exonera a mesma licenciada, a seu pedido, para ir exercer outras funções públicas, fazendo questão de evidenciar (Sócrates) a «forma extremamente leal, competente e dedicada» como (a licenciada) «desempenhou aquelas funções, bem como as excelentes qualidades pessoais e profissionais» demonstradas... em quatro-dias-QUATRO! É obra. Dizendo de outra forma, ele há gente tão competente, mas tão competente, que nem precisa de aquecer lugar para ter escancaradas portas e janelas para mais altos (certamente) voos.

É por estas e por outras que não percebo por que razão andam por aí alguns a fazer tanto barulho por causa de um jovem gestor que penou, coitado, cinco-anos-cinco para chegar ao topo da PT, ou a esmiuçar datas de encontros e contratos de gente «livre e generosa» que precisou de almoçar primeiro para se convencer a apoiar Sócrates, ou ainda a passar à lupa os entrefolhos dos despachos do Procurador Geral sobre quem-ouviu-o-quê e quem-falou-ou-não-falou-de-quê-e-com-quem, quando, como se demonstra no exemplo supra, num abrir e fechar de olhos se despacha um currículo com louvor e tudo. Se isto não é eficácia, não sei que seja.

O problema é que, como comecei por dizer, isto anda tudo numa roda viva e a maioria, onde obviamente me incluo, não tem pedalada para acompanhar o progresso. Pobre País o nosso que não sabe reconhecer o mérito e se distrai com aspectos de lana caprina... como pode progredir? Pois se basta um despacho... Despachemo-nos, que no despacho é um descanso.

É claro que, para quem gosta de alternativas, que não de alternâncias – ele há gente para tudo – talvez seja caso para dizer que está mais do que na hora de os despachar. Mas isto são eu a desconversar, como está bom de ver, que o Governo está aí de pedra e cal e cada vez mais empenhado na construção civil, que isto de ter pés de barro, como toda a gente sabe, nunca deu bons resultados.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Censura cirúrgica

Numa situação em que a quase totalidade dos média é propriedade do grande capital, é óbvio que a «liberdade de expressão e informação» que a Constituição da República Portuguesa consagra, não passa de uma bela frase...

O capital investe nos média com o mesmo objectivo com que investe em qualquer outra área, sendo que, neste caso, o lucro está em propagandear as bondades e a inevitabilidade da política de direita, da qual o grande capital é exclusivo beneficiário.

Daí que os média dominantes sejam unânimes na defesa dessa política – independentemente do partido que, em cada momento, cumpre o seu turno de serviço a aplicá-la.

O mesmo acontece com o chamado «serviço público de rádio e de televisão», que, de acordo com a Lei Fundamental do País, o Estado deveria assegurar, salvaguardando «a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos» e garantindo «a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião».

Deveria «assegurar», deveria «salvaguardar», deveria «garantir», mas não assegura nem salvaguarda nem garante.

Não o faz, hoje, o Governo PS/Sócrates, como não o fizeram, antes, os governos do PS/PSD/CDS-PP.

Porque todos eles, enquanto conselhos de administração dos interesses do grande capital, têm como tarefa essencial aplicar a política de direita – coisa que é incompatível com a liberdade de informação.

É neste cenário - em que a liberdade de informação não passa de um faz-de-conta mal disfarçado e em que a censura se materializa fazendo-de-conta que há liberdade de expressão – que nasce o quase total silenciamento a que os média dominantes submetem a actividade do PCP – único partido que, numa perspectiva de classe, combate a política de direita e lhe contrapõe uma alternativa de facto.

Os média do grande capital não toleram o facto de o PCP estar vivo – depois de eles terem decretado mil vezes a sua morte. Nem toleram que o PCP tenha mais e mais forte actividade, sozinho, do que os restantes partidos todos juntos: são verdades que têm que ser silenciadas – cirurgicamente censuradas.
  • José Casanova

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

É sempre bom recordar José Afonso

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Chapa cinco: o capitalismo mete nojo!

Numa rara reportagem sobre a realidade social do nosso país, dava conta o «i» da existência de empresas que cobravam 5 euros aos desempregados para lhes carimbar «o papel», prática que terá já recebido o ápodo de Chapa 5, e de outras empresas que impõe a prestação de trabalho gratuito para carimbar «o papel».

«O papel», entenda-se, é o comprovativo de busca activa de emprego, que os desempregados têm de apresentar regularmente no Centro de Emprego.

Denunciadas assim, e bem, essa corja de abutres que aproveitam o desespero de quem está desempregado para lhes roubar ora 5 euros, ora umas horas de trabalho.

Mas faltou tirar a conclusão sobre o próprio princípio da necessidade de comprovar uma busca activa de emprego. Sobre a imoralidade e a hipocrisia dos membros do Governo e da Assembleia da República, que pariram tal conceito e o fizeram entrar na ordem jurídica portuguesa. E de todos os que o apoiaram ou apoiam, em nome seja do que for.

Trata-se de mais uma medida que procura responsabilizar o desempregado pela situação em que se encontra (e consequentemente, por dela sair), colocando-o ainda numa situação de acrescida precariedade perante o patronato, já que até a manutenção do subsídio de desemprego depende de encontrar dois que aceitem atestar «a busca activa de emprego».

Na teoria, este princípio já implica aceitar a ideia (obtusa, mas muito vulgarizada) que os 11% de desempregados resultam do facto de «os portugueses não quererem trabalhar», mas na prática, permite ainda que o desespero seja usado para oprimir e humilhar quem precisa de trabalho, ou de um qualquer substituto que permita alimentar e abrigar a família.

Eliminar este princípio da lei não é só uma questão de justiça. É um questão de higiene – civilizacional.
  • Manuel Gouveia
A lebre


Se hoje abro aqui uma excepção para me referir a uma das tiradas de Paulo Portas – a proposta de cortar nos vencimentos dos políticos – é porque creio que vale a pena ler para lá do que ficou dito pelo próprio.

PP lançou o repto ao primeiro-ministro, no debate quinzenal na Assembleia da República, para que o Governo «toque nos salários dos ministros, do Presidente da República, dos Deputados», enfim dos políticos. Num assomo de sinceridade afirmou ainda que sabia que isso não representaria grande coisa, mas que a força do exemplo teria o peso de um sinal moralizador. E, não satisfeito, questionou ainda, «porque não prescindirmos, todos, do 13.º mês?»

O registo populista da proposta (que não constaria das exigências de Portas para aprovar o Orçamento) não passou despercebido, mesmo a quem se ocupa a amplificar exponencialmente todos os passos que o cavalheiro tem dado.

E não há dúvida que maior demagogia não se encontrará, particularmente porque vinda de quem, com o seu voto, que vai garantir a aprovação do Orçamento de Estado que prevê, para o grande capital, benefícios na ordem dos milhares de milhões de euros.

Mas creio que o alcance da declaração de PP vai para além do que o simples cavalgar no descrédito dos políticos, que tem a sua origem exactamente nas consequências da políticas de direita de que ele é co-responsável. PP funcionou aqui como as lebres que se lançam à frente para que os galgos corram atrás delas nas competições.

Quando assistimos à decisão do Governo, que Portas vai sancionar, de congelar os salários dos trabalhadores da Administração Pública, e aos cada vez mais claros apetites patronais de pôr em causa o direito ao 13.º mês, consubstanciados na prática ilegal do seu pagamento em duodécimos ou mesmo no seu não pagamento, com a justificação da crise e das dificuldades, a declaração do demagogo-mor da nação não pode deixar de ser vista como parte de um caminho que o capital precisa que se faça. Para que fique dito e possa mesmo ser invocado como exemplo. Para alimentar a ideia da inevitabilidade. Para que alguns pensem se até eles já falam nisso, porque é que não nos há-de tocar a nós. Para que fique no ar a vaga ideia de que agora toca a todos.

Eles sabem que nesse caminho encontram a firme oposição dos trabalhadores, das suas organizações de classe e do PCP e é por isso que tiram da cartola todas as lebres que têm. Ainda que pouco valham.
  • João Frazão 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O folhetim


O País está a viver empolgantes dias de (mais) uma saga que, mal comparando – falta o fulgor e arte de Camilo presentes até na literatura de cordel – nos remete para o sempre actual e de sucesso garantido «Maria! Não Me Mates, Que Sou Tua Mãe!», folheto de dezasseis páginas que conta a história de uma filha que mata a própria mãe apenas para a roubar, publicado sob anonimato em meados do século XIX quando o escritor se viu compelido a vender o talento para matar a fome.

Primeiro foi o ministro Teixeira dos Santos a deixar os portugueses em suspenso ao convocar os jornalistas para fazer uma declaração sobre as finanças regionais, sem direito a perguntas. Marcada para a fatídica hora de abertura dos telejornais, a comunicação ocorreu mais de meia hora depois dando margem a todo o tipo de especulações: demite-se, não se demite, o que será que vai acontecer? Quem não fez apostas para passar o tempo enquanto deglutia o jantar deixou certamente arrefecer a sopa, que o suspense foi grande. Apesar da dramatização a montanha pariu um rato, e o ignaro povo ficou a debater-se entre acintosos comentários sobre Jardim, o paraíso fiscal da Madeira e os 0,03 por cento do PIB que o Governo transformou numa espécie de desígnio nacional ou, se se preferir, num «Maria! Não Me Mates, Que Sou Tua Mãe!».

Depois foi o «buraco da fechadura» invocado por José Sócrates para apodar de jornalismo de cordel as notícias vindas a público na edição de sexta-feira do Sol dando conta do seu alegado envolvimento na tentativa de domesticar certos órgãos de comunicação social. Nos entretantos, a propósito do «caso Mário Crespo», o ministro dos Assuntos Parlamentares Jorge Lacão falou de «calhandrices», e o seu antecessor, Santos Silva, agora na Defesa, voltou à liça para dizer que aquela é «a expressão certa» para qualificar o referido caso. Anteontem, terça-feira, Sócrates conseguiu finalmente vencer o pudor que aparentemente o acometeu durante os últimos dias – porventura por se ter dado conta da arma de dois bicos que é acusar alguém de andar a escutar atrás das portas ou a espreitar pelos buracos das fechaduras – e classificou como «um acto criminoso, ilegal» a informação veiculado pelo Sol, aproveitando para lamentar «que todos os partidos, todos sem excepção, não tenham tido o pudor de aproveitar o cometimento de um crime para com esse crime atacarem os seus adversários políticos e atacarem-me a mim em particular». Não chega a ser tão pungente como o «Maria! Não Me Mates, Que Sou Tua Mãe!», mas não anda longe.

Enquanto isso, como certamente muita gente reparou, aos costumes disse-se nada, ou seja, quanto à substância do que está em causa estamos como dantes, que é meio caminho andado para cada um tirar as ilações que mais lhe aprouver.

Como estamos no século XXI, na era da globalização, e Camilo já não está entre nós, o folhetim promete continuar. Para já temos a prestimosa ajuda dos peritos internacionais, que à falta de melhor se entretêm a brincar com os nomes dos países caídos em desgraça. Depois de inventarem o clube dos PIGS (porcos, em inglês) com as iniciais de Portugal, Itália, Grécia e Espanha (Spain), criaram agora os STUPID (estúpidos – Spain, Turkey, UK, Portugal, Italy e Dubai). Isto ainda acaba em best seller.
  • Anabela Fino

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Hora de luta!

Na semana passada o Conselho de Estado reuniu de urgência, o ministro das Finanças deu uma conferência de imprensa em que até a posição da bandeira nacional foi pretexto para especular se se demitiria ou não, a presidente do PSD foi chamada – de urgência, também – a S. Bento, todos foram instados a comentar tudo – do suspense aos factos.

Esperar-se-ia tamanho desassossego com os números do desemprego que não páram de subir, com o anúncio do congelamento dos salários, com a velha moda das praças de jorna – agora rebaptizada de «contratos de trabalho intermitentes», ou com o Orçamento de Estado, garantidamente viabilizado pelo PSD e CDS. Mas não: tratava-se da famosa alteração à Lei das Finanças Regionais.

Resumindo bem, descontando crispações mais ou menos encenadas, o Governo do PS lá terá conseguido o seu objectivo: disfarçar que se entendeu perfeitamente à direita para viabilizar um Orçamento de direita, fazer parecer que se preocupa com o «despesismo», criar o caldo de cultura para se vitimizar e servir com afinco os grandes grupos económicos.

Enquanto isto, contra todas as vozes e ameaças que pregam o conformismo e o medo, dezenas de milhares de trabalhadores decidiram participar em acções de luta no breve espaço de uma semana. Foram milhares de enfermeiros e de outros trabalhadores da administração pública. Foram centenas de trabalhadores do sector privado, da Confetil, da Limpersado, da Ipodec, da Platex, entre tantas outras empresas. Foram desempregados, reformados, jovens e mulheres.

Cada um destes tem motivos muito fortes para participar nos plenários do seu sindicato, para se inscrever no autocarro e rumar a Lisboa, para se juntar com os colegas à porta da fábrica, para fazer greve. Cada um destes assumiu para si e perante os outros – os colegas, a família, o chefe, o patrão, a sociedade – que assim não pode ser. Que chega. Que já basta. Que é hora de mudar e que é tempo de lutar.

É dessa força, dessa determinação, dessa unidade, que o país precisa. É na luta que reside a esperança de um País mais justo, com emprego, melhores salários, com direitos. A luta continua!
  • Margarida Botelho

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Sócrates, até quando?

Pertenço a uma geração que se tornou adulta durante a II Guerra Mundial. Acompanhei com espanto e angústia a evolução lenta da tragédia que durante quase seis anos desabou sobre a humanidade.

Desde a capitulação de Munique, ainda adolescente, tive dificuldade em entender porque não travavam a França e a Inglaterra o III Reich alemão. Pressentia que a corrida para o abismo não era uma inevitabilidade. Podia ser detida.

Em Maio de 1945, quando o último tiro foi disparado e a bandeira soviética içada sobre as ruínas do Reichstag, em Berlim, formulei como milhões de jovens em todo o mundo a pergunta
"Como foi possível?"
Hitler suicidara-se uma semana antes. Naqueles dias sentíamos o peso de um absurdo para o qual ninguém tinha resposta. Como pudera um povo de velha cultura, o alemão, que tanto contribuíra para o progresso da humanidade, permitir passivamente que um aventureiro aloucado exercesse durante 13 anos um poder absoluto. A razão não encontrava explicação para esse absurdo que precipitou a humanidade numa guerra apocalíptica (50 milhões de mortos) que destruiu a Alemanha e cobriu de escombros a Europa?

Muitos leitores ficarão chocados a por evocar, a propósito da crise portuguesa, o que se passou na Alemanha a partir dos anos 30.

Quero esclarecer que não me passa sequer pela cabeça estabelecer paralelos entre o Reich hitleriano e o Portugal agredido por Sócrates. Qualquer analogia seria absurda.

São outros o contexto histórico, os cenários, a dimensão das personagens e os efeitos.

Mas hoje também em Portugal se justifica a pergunta "Como foi possível?"

Sim. Que estranho conjunto de circunstâncias conduziu o País ao desastre que o atinge? Como explicar que o povo que foi sujeito da Revolução de Abril tenha hoje como Primeiro-ministro, transcorridos 35 anos, uma criatura como José Sócrates? Como podem os portugueses suportar passivamente há mais de cinco anos a humilhação de uma política autocrática, semeada de escândalos, que ofende a razão e arruína e ridiculariza o Pais perante o Mundo?

O descalabro ético socrático justifica outra pergunta: como pode um Partido que se chama Socialista (embora seja neoliberal) ter desde o início apoiado maciçamente com servilismo, por vezes com entusiasmo, e continuar a apoiar, o desgoverno e despautérios do seu líder, o cidadão Primeiro-ministro?

Portugal caiu num pântano e não há resposta satisfatória para a permanência no poder do homem que insiste em apresentar um panorama triunfalista da política reaccionária responsável pela transformação acelerada do país numa sociedade parasita, super endividada, que consome muito mais do que produz.

Pode muita gente concluir que exagero ao atribuir tanta responsabilidade pelo desastre a um indivíduo. Isso porque Sócrates é, afinal, um instrumento do grande capital que o colocou à frente do Executivo e do imperialismo que o tem apoiado. Mas não creio neste caso empolar o factor subjectivo.

Não conheço precedente na nossa História para a cadeia de escândalos maiúsculos em que surge envolvido o actual Primeiro-ministro.

Ela é tão alarmante que os primeiros, desde o mistério do seu diploma de engenheiro, obtido numa universidade fantasmática (já encerrada), aparecem já como coisa banal quando comparados com os mais recentes.

O último é nestes dias tema de manchetes na Comunicação Social e já dele se fala além fronteiras.

É afinal um escândalo velho, que o Presidente do Supremo Tribunal e o Procurador-geral da República tentaram abafar, mas que retomou actualidade quando um semanário divulgou excert

os de escutas do caso Face Oculta.

Alguns despachos do procurador de Aveiro e do juiz de instrução criminal do Tribunal da mesma comarca com transcrições de conversas telefónicas valem por uma demolidora peça acusatória reveladora da vocação liberticida do governo de Sócrates para amordaçar a Comunicação Social.

Desta vez o Primeiro-ministro ficou exposto sem defesa. As vozes de gente sua articulando projectos de controlo de uma emissora de televisão e de afastamento de jornalistas incómodos estão gravadas. Não há desmentidos que possam apagar a conspiração.

Um mar de lama escorre dessas conversas, envolvendo o Primeiro-ministro. A agressiva tentativa de defesa deste afunda-o mais no pântano. Impossibilitado de negar os factos, qualifica de "infame" a divulgação daquilo a que chama "conversas privadas".

Basta recordar que todas as gravações dos diálogos telefónicos de Sócrates com o banqueiro Vara, seu ex-ministro foram mandadas destruir por decisão (lamentável) do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, para se ter a certeza de que seriam muitíssimo mais comprometedoras para ele do que as "conversas privadas" que tanto o indignam agora, divulgadas aliás dias depois de, num restaurante, ter defendido, em amena "conversa" com dois ministros seus, a necessidade de silenciar o jornalista Mário Crespo da SIC Noticias.

Não é apenas por serem indesmentíveis os factos que este escândalo difere dos anteriores que colocaram José Sócrates no banco dos réus do Tribunal da opinião pública. Desta vez a hipótese da sua demissão é levantada em editoriais de diários que o apoiaram nos primeiros anos e personalidades políticas de múltiplos quadrantes afirmam sem rodeios que não tem mais condições para exercer o cargo.
O cidadão José Sócrates tem mentido repetidamente ao País, com desfaçatez e arrogância, exibindo não apenas a sua incompetência e mediocridade, mas, o que é mais grave, uma debilidade de carácter incompatível com a chefia do Executivo.



Repito: como pode tal criatura permanecer como Primeiro-ministro?

Até quando, Sócrates, teremos de te suportar?

 Miguel Urbano Rodrigues


09/Fevereiro/2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O mealheiro
   
O Governo/Sócrates II assinalou os 100 dias de governação em minoria de uma forma original: começou ao 99.º dia (terá sido por não lhe chegar um dia para a encenação?) com muito alarido a disfarçar a falta de substância, que é como quem diz com muita parra e pouca uva. Entre o anúncio do arranque das obras do novo Museu dos Coches – que por acaso já vai com vários meses de atraso – e a confissão para a tendência arquitectónica (?) do primeiro-ministro, um Conselho de Ministros extraordinário no Centro Cultural de Belém com muitas declarações públicas contraditórias sobre «as grandes obras» que vão «relançar a economia», uma reunião com «personalidades da sociedade civil», um «almoço com mulheres» em que por acaso só quatro não eram membros do Governo, e um «encontro com jovens», ficou para a posteridade o lançamento formal do incentivo à «poupança das famílias» através da criação da conta poupança/futuro, isto é, do bónus de 200€ por cada bebé dado à luz.


O esquema do mealheiro não tem nada que saber pois o «simplex» continua na ordem do dia, ainda que de momento não se saiba nada quanto aos «juros favoráveis» que a conta alegadamente terá, nem qual a bonificação a que dará direito em sede de IRS, nem sequer se o montante inicial será actualizado em função da inflação de forma a garantir que de ano para ano os tais 200€ não vão minguando e fazendo o caminho da discriminação entre os nascituros vindouros. Aberta a conta em nome da criança, que só a poderá movimentar ao fazer as 18 primaveras e caso tenha cumprido a escolaridade obrigatória (se é obrigatória faz sentido admitir que não seja cumprida?), cabe à família fazer crescer o bolo com depósitos à medida das respectivas bolsas.


Dando de barato (é uma forma de dizer) o que a banca pode lucrar com os 20 a 25 milhões de euros que se estima que a iniciativa custe ao Estado este ano, cabe perguntar que poupança/futuro pode fazer uma família de desempregados, numa altura em que o desemprego afecta já mais de 10 por cento da população e as perspectivas são para que continue a aumentar. Cabe também perguntar para que servem os 200€ depositados numa conta quando as jovens famílias se debatem no presente com problemas de sobrevivência. Cabe ainda perguntar que poupança se espera das jovens famílias quando se anuncia, como fez esta semana o economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Olivier Blanchard, falando de Portugal, Espanha e Grécia, que para equilibrar as contas públicas estes países terão de assumir sacrifícios, como a redução de salários, para recuperar a competitividade. Cabe perguntar ainda, tomando a família em sentido lato, que poupança pode fazer a generalidade dos agregados quando minguam as pensões de reforma e restantes subsídios sociais.


O que está em causa não é, evidentemente, a poupança/futuro em si. O que está em causa é a hipocrisia de uma medida demagógica com que o Governo pretende tapar o sol com a peneira quando, em termos de opções políticas para o País, persiste em agravar as já mais que precárias condições de vida dos portugueses. O que os portugueses precisam, por mais simpático que seja, não é de um mealheiro. O que precisam é de ferramentas para o encher: o trabalho que cria riqueza. E quanto a isso, não foi preciso esperar 100 dias para perceber que este Governo nada tem a oferecer.


Anabela Fino

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

O sequestro do Haiti

A reocupação do Haiti pelos Estados Unidos da América (foi isso que aconteceu sem subterfúgios) é um dos passos mais negros da caminhada belicista e imperialista de Obama. Neste texto, John Pilger põe a nu os interesses que prossegue e a quem serve o bem-falante presidente dos EUA.



John Pilger* - 03.02.10

O roubo do Haiti foi rápido e grosseiro. Em 22 de Janeiro, os Estados Unidos conseguiu "aprovação oficial" das Nações Unidas para ocupar todos os portos e aeroportos do país, e para "garantir a segurança" nas estradas. Nenhum haitiano assinou o acordo, que não tem base legal. A força impôs-se com um bloqueio naval norte-americano e a chegada de 13 mil marines, forças especiais, mercenários e, nenhum deles com preparação para ajuda humanitária.

O aeroporto na capital, Port-au-Prince, converteu-se em uma base militar americana e voos de ajuda humanitária foram desviados para a República Dominicana. A chegada de Hillary Clinton levou à suspensão de todos os voos durante três horas. Enquanto haitianos gravemente feridos esperavam por assistência médica, 800 americanos residentes no Haiti recebiam alimentos e água, para serem depois evacuados. Passaram-se seis dias antes das forças estadunidenses fornecessem água mineral às pessoas desidratadas.

Um golpe tipicamente norte-americano.

As primeiras reportagens da TV desempenharam um papel muito importante, na criação de um ambiente de caos e de crime generalizado. Matt Frei, enviado da BBC a partir de Washington, parecia à beira de um ataque enquanto, aos gritos, falava sobre a «violência» e a necessidade de «segurança». Apesar da dignidade demonstrada pelas vítimas do terramoto, e da evidência de grupos de cidadãos a trabalhar sem ajuda para resgatar as pessoas com dificuldades e, inclusivamente depois de uma declaração estadunidense em que se assegurava que a violêcia no Haiti era consideravelmente menor que ante do terramoto, Freia afirmava que «a pilhagem é a única ocupação».

e que "a velha dignidade do Haiti se tinha esfumado».
 
Desta forma, a história da violência e da exploração estadunidense no Haiti trasladava-se para as vítimas. «Não há dúvida», relatava Frei imediatamente a seguir à sangrenta invasão do Iraque pelos EUA em 2003, «que o desejo de levar o bem, de levar os valores norte-americanos ao mundo e, particularmente agora ao Médio Oriente... está agora cada vez mais ligado ao seu poder militar».

Em certo sentido, tinha razão. Nunca antes nos supostos períodos de paz as relações humanas estiveram tão militarizadas pela avidez dos poderosos. Nunca antes um presidente americano subordinou o seu governo aos dirigentes militares do seu desacreditado antecessor, como fez Barack Obama. Para prosseguir a política belicista e de dominação de George W. Bush, Obama conseguiu do Congresso um orçamento militar sem precedentes de 700 mil milhões de dólares. De facto, Obama tornou-se no porta-voz de um golpe militar.

Para o povo do Haiti as implicações são claras, ainda que grotescas. Com tropas estadunidenses no controle do seu país, Obama nomeou George W. Bush para os «trabalhos de ajuda»: uma paródia que traz à memória The Comedians, de Graham Greene, que se desenrola no Haiti de Papa Doc. Os esforços de Bush depois do Furacão Katrina, em 2005, incluiram uma limpeza étnica de grande parte da população negra de Nova Orleans. Em 2004, ordenou o sequestro do haitiano, Jean-Bertrand Aristide, eleito demovraticamente e exilou-o na África. O popular Aristide cometeu a temeridade de fazer pequenas reformas legislativas, como um salário mínimo para os explorados trabalhadores das empresas do Haiti.

A última vez que estive no Haiti, vi muitas raparigas jovens a trabalhar em máquinas estridentes e com zumbidos da fábrica Superior, de materiais de basebol, em Port au Prince. Muitas tinham os olhos inchados e os braços feridos. Puxei da câmara uma câmara e fui posto fora. O Haiti é onde a América fabrica, quase de graça, os equipamntos para o seu sagrado jogo nacional. É o lugar onde as filiais de Wal Disney fazem os pijamas de Mickey Mouse, a troco de uma miséria. Os EUA controlam o açúcar, a bauxite e o sisal do Haiti. A cultura do arroz foi substituída por arroz americano importado, o que obriga as pessoas a deslocarem-se para as cidades onde vivem em bairros de lata.

Ano após ano, o Haiti foi invadido pelos marines norte-americanos, infames pelas atrocidades que estão especializados desde as Filipinas ao Afeganistão. Bill Clinton é outro dos farsantes que conseguiu ser nomeado pela ONU para o Haiti. Adulado anteriormente pela BBC como «o senhor amável... que levou a democracia a uma terra triste e conturbada», Clinton é o mais famoso pirata do Haiti, foi ele quem exigiu a desregulamentação da economia para benefício dos donos das fábricas que exploravam os operários. Ultimamente, tem promido um negócio de 55 milhões de dólares para transformar o Norte do Haiti numa «zona turística» para os norte-americanos.

Não é por causa dos turistas que o edifício da embaixada, a 5ª maior do mundo dos EUA. Há décadas que foi descoberto petróleo no Haiti e os EUA colocam-no de reserva até que o do Médio Oriente começasse a escassear. É cada vez mais importante manter o Haiti ocupado, território estrategicamente importante para os planos de Washington para «reconquista» da América Latina. O objectivo é o derrube de democracias populares na Venezuela, Bolívia e Equador, o controlo das abundantes reservas petrolíferas da Venezuela e a sabotagem da crescente cooperação a que se opõem desde há muito tempo os regimes aliados dos Estados Unidos.

O primeiro passo para esta «reconquista» deu-se no ano passado com o golpe contra o presidente José Manuel Zelaya, que também se tinha atrevido a propor um salário mínimo e que os ricos pagassem impostos. O apoio encoberto de Obama ao regime ilegal de Honduras foi uma clara advertência aos governos vulneráveis da América Central. Em Outubro passado, o regime na Colômbia, em grande parte financiado por Washington e apoiado por esquadrões da morte, propiciou aos EUA sete bases militares para «combater governos anti-estadunidenses da região».

A propaganda mediática preparou o terreno para o que podia vir a ser a próxima guerra de Obama. Em 14 de Dezembro, investigadores na Universidade de West England publicaram os primeiros resultados de um estudo que demorou dez anos a fazer sobre os noticiários da BBC acerca da Venezuela. Das 304 reportagens da BBC, só em três se mencionavam algumas das reformas históricas ao governo Chávez, enquanto a maioria denegria o extraordinário comportamento democrático de Chávez, ao ponto de o comparar a Hitler.

Tais distorções e servilismo das potências ocidentais sobejam nos media de referência anglo-estadunidenses. As pessoas que lutam por uma vida melhor, ou simplesmente pela própria vida, da Venezuela às Honduras e ao Haiti, merecem o nosso apoio.

New Statesman, 28 de Janeiro de 2010


* Jornalista australiano


Este texto foi publicado em www.johnpilger.com/page.asp?partid=564

Tradução de Miguel Guedes

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A roupa interior do «bloco central»

Manobrado pelo PS, ansiado pelo PSD, sentido como afirmação de poder para o PR, esperançoso para o sempiterno disponível CDS, conveniente nas contas do alto patronato – o novo bloco central aí está.

Uma articulada campanha de marketing preparou-o, mastigando até à náusea um longo rosário de frases feitas:

- «A crise atinge-nos a todos e todos temos de fazer um esforço para a superar<» - afirmam os senhores do alto Capital.

- «A solução única para saída da crise é todas as forças seguirem essa solução - diz Cavaco Silva numa tradicional declaração de Presidente da República.

- «Salvar o sistema financeiro é a primeira das prioridades» - proclamou desde início o Governo.

- «Os trabalhadores têm de aceitar trabalhar mais com menor salário e menos direitos, ou ficam sem emprego» - sentenciam sisudos economistas de cartola.

- «Estamos a gastar acima das nossas possibilidades» - asseguram outros atirando a responsabilidade para o povo.

- Também alguns, proclamando-se arautos do «regresso a Marx» deixam no cesto dos papéis a teoria da mais-valia e a luta de classes para proporem o regresso a um keynesianismo mitigado.

Com o ruir do dogma do «mercado que se auto-regula» é caso para perguntar: onde estão agora os gurus do neoliberalismo? Que antes da crise falavam da «boa saúde» dos mercados?

Outras perguntas podem também ser formuladas:

«Todos temos de lutar contra a crise»: mas os interesses, objectivos e soluções do patronato, do Governo e dos trabalhadores são os mesmos?

«É preciso salvar o capitalismo»: mas salvá-lo de quê? não são as crises inerentes ao sistema? Não estamos vendo como a crise é pretexto para um brutal ataque aos trabalhadores, para cortar nas funções sociais do Estado, diminuir salários, pensões e reformas?

Esta política de bloco central passa em claro uma questão fundamental: convergência, união de esforços - em nome de quê, em defesa de quais interesses? Os da minoria que o governo protege ou os da imensa maioria por eles espoliada?

De facto, a «convergência» pedida visa apenas garantir a continuação da mesma política. Mesmo quando faz inócuas concessões que não respondem ao amplo e profundo descontentamento e sofrimento popular, tratando os direitos sociais não pelo seu perfil jurídico de pleno direito, mas como «carências» que é preciso «ajudar» - concedendo-lhes alguns auxílios «possíveis».

Este bloco central é uma solução antidemocrática que parte da falácia de que há partidos com «vocação de poder».

Na sua crispação para não perder o lugar estes partidos, que são reféns do grande poder económico, adquirem uma natureza parasitária do poder político, incapaz de elaborar e rasgar novos rumos, para enfrentar os desafios necessários ao País, de encarar o futuro com a coragem cada vez mais exigente que as dificuldades impõem.

Aurélio Santos
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