sábado, 30 de agosto de 2008

O Financial Times e o "auto-confesso mentor do 11/Set"


Nos últimos dias há uma evidência crescente do avanço do totalitarismo entre os políticos e os media "de referência". Todo o mundo ocidental, conduzido pelos Estados Unidos, abraçou um regime georgiano que invadiu a Ossétia do Sul demolindo totalmente a sua capital com 50 mil habitantes, assassinou 1500 homens, mulheres e crianças e dúzias de russos das forças de manutenção da paz. Os EUA mobilizaram uma armada naval e aérea junto à costa iraniana, preparados para aniquilar um país de 70 milhões de pessoas. O New York Times publicou um ensaio de um eminente historiador israelense que advoga a incineração nuclear do Irão. Todos os mass media principais montaram uma campanha de propaganda sistemática contra a China, apoiando todos os grupos terroristas e separatistas e estimulando a opinião pública para o lançamento de uma Nova Guerra Fria. Há pouca dúvida de que esta nova onda de agressão imperial e retórica belicosa é destinada a desviar o descontentamento interno e distrair a opinião pública do aprofundamento da crise económica.

O Financial Times (FT), outrora a voz liberal e esclarecida da elitefinanceira (em contraste com o Wall Street Journal, agressivamente neo-conservador) rendeu-se à tentação totalitária-militarista. O artigo do suplemento de fim de semana, de 16-17/Agosto/2008 — "A cara do 11/Set" ( "The Face of 9/11" ) — adopta a confissão forçada de um suspeito do 11 de Setembro extorquida através de cinco ano de tortura odiosa nas masmorras de prisões secretas. Para fazer a sua argumentação, o FT publicou uma foto ampliada de meia página divulgada antes pelo antigo director da CIA George Tenet, a qual apresenta um prisioneiro desgrenhado, confuso, peludo como um macaco.

O texto do escritor, um tal Demetri Sevastopulo, confessa isto: O FT admite ser um veículo de propaganda para um programa da CIA destinado a desacreditar o suspeito enquanto este aguarda julgamento com base em confissões obtidas através da tortura.

Desde o começo até o fim, o artigo declara categoricamente que o acusado, Khaled Sheikh Mohammed, é o "auto-confesso mentor (mastermind) dos ataques do 11 de Setembro nos EUA". A primeira metade do artigo é cheia de trivialidades, destinadas a proporcionar um sentimento de interesse humano para com o tribunal e o procedimentos judiciais — uma mistura bizarra que discute desde o nariz de Khaled até a dimensão da sala do tribunal.

O ponto central de partida para a convicção do FT quanto ao suspeito é a confissão de Khaled, seu "desejo de martírio", sua compreensão da sua própria defesa e sua recitação do Corão. A peça crucial do processo do governo é a confissão de Khaled. Todas as outras "evidências" eram circunstanciais, por rumores e com base em inferências decorrentes do comparecimento de Khaled a reuniões no estrangeiro.

A principal fonte informação do FT, um informante anónimo "familiar com o programa de interrogatórios da CIA", declara categoricamente dois factos cruciais: (1) Quão pouco a CIA sabia acerca dele antes da sua prisão (ênfase minha) e (2) que Khaled resistiu mais do que os outros.

Por outras palavras, a única evidência real da CIA foi extraída pela tortura (a CIA admitiu ter efectuado o "water boarding" — uma técnica de tortura infame que leva quase à morte for afogamento). O facto de que Khaled negou reiteradamente as acusações e de que ele só confessou após cinco anos de tortura em prisões secreta torna todo o processo um caso de estudo em jurisprudência totalitária. Tendo sido sujeitos a torturas indizíveis por investigadores judiciais estado-unidenses, enfrentando acusações baseadas numa confissão extraída através da tortura, não é de admirar que Khaled tenha recusado um advogado militar nomeado pelo tribunal — um advogado que faz parte de um sistema de prisões secretas, torturas e julgamentos espectáculo. Ao invés de retratar Khaled como um fanático à procura de martírio por rejeitar um advogado, devemos reconhecer que ele está no seu perfeito juízo para pelo menos preservar o limitado espaço e tempo que lhe é concedido a fim de declarar as suas crenças e mencionar a sua disposição para morrer por aquelas crenças. Confissões extraídas através de tortura não têm validade em qualquer tribunal, especialmente após cinco ano de confinamento solitário. Aquilo que o FT denomina "o super-terrorista" com base no seu declarado "desejo de martírio" é a admissão de um indivíduo que sofreu para além da resistência humana e vê a morte como um fim para a sua horrível existência sub-humana.

A adopção pelo FT da prova coagida da CIA e dos militares, e portanto da sua utilização da tortura, coloca-o directamente no campo do estado totalitário. A viragem à direita do FT espelha a viragem europeia rumo à confrontação militar dos EUA com a Rússia, e o fortalecimento (buid-up) militar na Polónia, República Checa, Kosovo, Iraque e Geórgia. Ao legitimar a tortura, o FT abriu a porta para tornar práticas judiciais totalitárias, detenções arbitrárias, prisões secretas, confinamento solitário prolongado, julgamentos espectáculo e estórias de encobrimento uma parte normal da vida política ocidental. O refinado fascismo britânico não é menos feio do que a sua enfurecida versão estado-unidense.

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