quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Política de feijão-frade


 
«O PS é o partido dos direitos sociais».
 
 Pasme-se: é com esta espécie de declaração de princípios que o PS se está a apresentar!
 
 Num discurso diário e ininterrupto, o Governo e o PS, pela voz do primeiro-ministro e secretário-geral, é apresentada uma sucessão de afirmações retóricas como fundamento das suas decisões, a par de uma recusa liminar de debater a sua prática política. A tal ponto que o primeiro-ministro, falho de razões, tem chegado a utilizar como último argumento de resposta retumbante a qualquer crítica à sua política: «Isso não passa de politiquices. Deixem-se de politiquices».
 
 Rebaixar o nível do debate político a este ponto não é forma de responder. E implica um risco de consequências graves: o de desacreditar a própria actividade política e a intervenção que nela todos os cidadãos têm direito a desempenhar.
 
 Indo às causas do descrédito que na sociedade portuguesa está afectando a actividade política é inevitável concluir que a contradição entre as palavras do PS e sua prática tem grande responsabilidade nessa situação.
 
 O PS procura legitimidade para a sua política evocando ideias, valores e conceitos democráticos. As palavras utilizadas são as mesmas. O significado prático é completamente diferente. Mas é sobre esse conteúdo real que tem de definir a sua actuação quem apoia o PS. E também quem é por ele apoiado, evidentemente. Porque, como diz o nosso povo, «quem cala consente» – e «tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta».
 
 O PS tem uma política de duas caras – como o feijão-frade.
 
 É uma política de direita – mas não se arrisca a apresentá-la como tal. Abandonou o «Estado social» – mas não se arrisca a reconhecê-lo. Está cada vez mais longe do Portugal de Abril – mas não se arrisca a confessá-lo. Caiu há muito num plano inclinado, a tentar «fazer passar» uma política de direita com um rótulo de esquerda.
 
 O pior é o que daí pode resultar em descrédito para o regime democrático.
 
 E por isso é necessário gritar bem alto, e cada vez com mais força, o desacordo, o nosso protesto, a nossa luta – contra essa política de feijão-frade.
  • Aurélio Santos

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os corajosos
 
O presidente da Associação Portuguesa de Bancos, António de Sousa de seu nome, disse há dias em entrevista à Antena 1 que a «situação dos bancos é complicada, como nunca o foi anteriormente, nem mesmo no pico da crise». Mais disse o sr. Sousa que «neste momento a situação da banca portuguesa está altamente fragilizada, e que a continuação das taxas de juro da dívida pública aos níveis a que tem vindo a estar nos últimos meses» deixa o sistema bancário português numa situação «muito complexa», coisa que pode resultar numa transferência de custos para os clientes.
 
 O sr. Sousa, na referida entrevista, não se limitou a apresentar as pungentes queixas da associação a que preside; longe disso, fez questão de apontar «soluções», indicar «caminhos», como por exemplo proceder a uma redução de salários entre cinco e 10 por cento (menos de cinco seria irrelevante e mais de dez excessivo, na sua óptica). Ao que parece, uma tal medida ajudaria a mudar a credibilidade do País nos mercados financeiros internacionais, fundamental para a saúde do sistema bancário português, porque – diz Sousa – «se os investidores não voltarem a Portugal a situação tornar-se-á bastante complexa», uma vez que «pura e simplesmente, os bancos não terão dinheiro para emprestar».
 
 As preocupações do sr. Sousa são muito compreensíveis, tal como é compreensível a prontidão com que o Governo, através do ministro da Economia Vieira da Silva, veio garantir estar a trabalhar para evitar que a banca esteja «fragilizada» e que se veja obrigada a restringir a concessão de créditos.
 
 Aliás, nem outra coisa seria de esperar.
 
 Ou será que alguém julga que é fruto do acaso o facto de os bancos portugueses, no seu conjunto, terem tido um lucro de 1725 milhões de euros em 2009 (dados da Associação Portuguesa de Bancos, presidida pelo sr. Sousa), e de sobre esses lucros terem pago apenas 74 milhões de euros de impostos (4,3%)?
 
 Ou que foi por algum milagre de gestão que os bancos privados BCP, BES e BPI – só no primeiro semestre deste ano – lucraram 545 milhões de euros, mais 62 milhões do arrecadado no mesmo semestre de 2009?
 
 Ou que foi por obra e graça do espírito santo, como soe dizer-se, que no quinquénio 2004-2009 o lucro ilíquido de toda a banca foi de 13 425 milhões de euros?
 
 Isto de milagres já não é o que era. Agora, quem os quer, tem de se esforçar e meter mãos à obra, como por exemplo está a fazer o sr. António Saraiva, presidente da CIP - Confederação da Indústria Portuguesa – que diz ser «tempo de, corajosamente, se tomarem medidas porque não se deseja que o FMI nos venha dar a ajuda que nós precisamos». Ou como o sr. Joel Hasse Ferreira, da comissão política do PS, para quem a redução das despesas na Administração Pública «deve passar pela redução dos salários»; ou ainda o sr. Ernâni Lopes, que não vê outra «margem de manobra» para além dos cortes salariais, e lembra que «os salários da função pública já baixaram no último ano e que, em 1983, o corte foi da ordem dos 10 por cento ou mais».
 
 Mais do mesmo para os mesmos, dirão os suspeitos do costume, lá que tanta «coragem» impressiona, lá isso impressiona.
  • Anabela Fino

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Uma certa maneira de fazer política


Beneficiando de apaparicos e simpatias por parte da generalidade da comunicação social, há quem julgue estar acima do escrutínio crítico do povo, permitindo-se com a maior das frescuras dizer com a mesma cara séria uma coisa hoje e o seu contrário amanhã.

Vem isto a propósito das afirmações que ao longo do mês – inclusive na entrevista desta semana à TVI 24 – Francisco Louçã foi fazendo para justificar o apoio do BE ao candidato do PS nas eleições presidenciais: «Os candidatos presidenciais nada têm a ver com partidos», o BE não se «engana no adversário», aliás, é o «único partido que se empenha convictamente na derrota de Cavaco Silva»…

Estas sonantes afirmações, bem ao estilo da tão frequente autoproclamada «nova forma de fazer política», tropeçam na primeira esquina com evidentes contradições.

Comecemos pelo papel dos partidos nestas eleições e pelo enorme jeito que agora dá, sobretudo quando se decidiu dar o apoio ao candidato do partido do governo, fingir que Cavaco Silva nada tem a ver com o PSD ou que Jorge Sampaio e Mário Soares nem sequer foram secretários-gerais do PS, já para não falar dos candidatos Fernando Rosas e F. Louçã, apoiados em 2001 e 2006 sabe-se lá por quem.

Olhemos ainda para o tal «engano» no adversário que agora se diz não existir, mas que, por maioria de razão, parece ter acontecido há cinco anos quando, em semelhantes circunstâncias – incluindo a já existente candidatura de M. Alegre –, foi o próprio Louçã, o candidato do BE à presidência sendo que, já na altura, eram evidentes os perigos de CS ganhar as eleições.

Terminemos com um banho de humildade, os tais «únicos» que se empenham nisto e naquilo (recentemente o mesmo Louçã disse que em Portugal só o BE combatia a NATO), numa verdadeira recuperação da tese: antes de nós, o deserto. Toda uma revelação que torna difícil explicar como é que o povo português foi capaz de lutar e derrotar CS sem o BE, como aconteceu com o fim de 10 anos de maioria absoluta do PSD em 1995 e com a sua derrota nas eleições presidenciais de 1996.

Aqui chegados, importa fazer a justa separação das águas. Nestas eleições, o PCP assumiu mais uma vez as suas responsabilidades. Não só os comunistas têm o seu candidato – Francisco Lopes – como o têm todos aqueles que querem uma efectiva mudança na vida nacional. Uma candidatura com projecto próprio que, ninguém duvide disso, contribuirá para derrotar efectivamente Cavaco Silva. Uma candidatura que está com a luta e que não está nem ao lado nem calada perante a actual ofensiva do PS e do PSD. Uma candidatura, essa sim, que não engana!
  • Vasco Cardoso

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Querem vampirizar-nos o eleitorado?


 
Tem vindo a afirmar-se nos últimos tempos essa velha fórmula do anticomunismo que é a tentativa de vampirização do eleitorado do PCP. Manifesta-se quer em apelos para a «coesão de todos» (para que objectivos?) quer para uma «unidade da esquerda» (para que política?).
  
Compreende-se que para o capitalismo serôdio dos nossos tempos o comunismo continue sendo um espectro, como já dizia em 1847 o Manifesto Comunista. As esconjuras a esse fantasma, por parte dos senhores do capital e seus agentes, variam com as épocas. O apelo à imaginação política dos manipuladores da opinião é portanto muito intenso.
 
 Nas sociedades «pós-modernas», massacradas por decénios de demagógicas campanhas de pretensa «defesa da democracia», não podem cair bem as brutezas de Hitler, Salazar, Pinochet, ou mesmo dos tribunais de «actividades anti-americanas» do macartismo, nos USA. (Estarão metidos em alguma gaveta de espera?).
 
 A história não se faz ficando sentados à espera dela. Como dizia Marx: a história não faz nada, não luta em nenhuma batalha. Não é a história mas sim o ser humano, vivo e real, que tudo faz e luta por tudo.
 
 É assim que nós, comunistas portugueses, pensamos. Por isso lutamos.
 
 Temos um património histórico valioso. Mas como mostra a nossa própria experiência, não basta o património herdado para se responder às questões sempre novas que a vida suscita. Impõe-se sempre darmos e aprofundarmos resposta às novas condições que se registam na vida.
 
 Mantendo a nossa identidade, temos provado ter condições para dar continuidade ao nosso passado. Temos e mantemos um partido com princípios e objectivos claros, estruturado e coeso. Terão de ter paciência os que querem vampirizar o nosso eleitorado: o património político do PCP não está em saldo. A Festa do «Avante!» novamente o comprovou. E os participantes na apresentação do candidato do PCP à Presidência da República confirmaram-no, na passada semana.
 
 Os capítulos mais importantes da história do PCP estão ainda por escrever. Sejamos nós, comunistas do Século XXI, impulsionadores das forças capazes de dar a volta que permita ao mundo apostar no futuro.
  •  Aurélio Santos

domingo, 12 de setembro de 2010

Feito à medida


Meio cheio ou meio vazio? Mesmo sem falarmos de copos a resposta depende obviamente da sede, caso o conteúdo seja apetecível, da necessidade, ou do esforço a fazer quando o que há a tragar deixa amargos de boca. Seja como for é sempre uma questão de perspectiva, e nisto de perspectivas cada um tem as que pode.

Veja-se o caso de Sócrates, por exemplo. Andava ele esta semana na sua afadigada tarefa de inaugura regresso às aulas / descerra lápides / acena a criancinhas / fala para as televisões – não há nada como encerrar centenas e centenas de escolas para pôr o Governo a viajar pelo País –, andava o primeiro-ministro nesta diligente actividade, dizia-se, e eis que nem a propósito lhe cai na sopa (é uma maneira de dizer...) o mais recente estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) no que respeita ao investimento na Educação. O documento, que analisa a situação com base em dados de 2009, refere que Portugal não só está abaixo da média dos 31 países nesta matéria como a percentagem de investimento do governo português em educação diminuiu em relação ao que se registava há 15 anos: apenas 11,6 por cento do total da despesa pública nacional vai para a educação, quando a média da OCDE se situa nos 13 por cento, sendo que essa percentagem é hoje menor do que em 1994, altura em que o investimento era de 11,7 por cento.
Ainda de acordo com o estudo, o investimento anual por aluno aumentou mil euros em comparação com os dados do relatório de 2008, situando-se actualmente em 5200 euros, mas continua abaixo da média da OCDE, que é de 6400 euros anuais por aluno.
O mesmo sucede quando se compara a percentagem do Produto Interno Bruto (PIB) dedicado por Portugal à Educação: apenas 5,5 por cento, quando a média nos 31 países da OCDE é de 6,2 por cento.

Também no respeitante à população adulta a situação deixa bastante a desejar: em Portugal, tal como no México, na Turquia e no Brasil, dois terços das pessoas com idades entre os 25 e os 64 anos não completaram o ensino secundário.
Este negro panorama num sector tão determinante para o desenvolvimento nacional como é a educação regista no entanto uma excepção, que importa valorizar e que só pode pecar por tardia. Trata-se da taxa de cobertura do ensino pré-escolar, onde, segundo os dados divulgados, Portugal fica acima da média da OCDE.

A excepção, no que devia ser a regra, foi quanto bastou a Sócrates para, em declarações à imprensa, tentar tapar o Sol com a peneira. Ignorando todos os restantes índices que nos envergonham – e que por maioria de razões deviam envergonhar o Governo –, Sócrates não hesitou em considerar que «estamos sem dúvida perante um feito», já que ultrapassámos os restantes parceiros num dos sectores do ensino que «tinha ficado para trás». Quanto à restante matéria que continua a ficar para trás, nem uma palavra, que cada um valoriza os «feitos» à sua justa medida. Exactamente como quem olha para o copo e, para não ser obrigado a reconhecer que está a morrer à sede, proclama ufano que o tem meio cheio.

  • Anabela Fino

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