segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Duas notas sobre o regresso da «política» 

 

 
1
 
 
 
Uma volta pelos jornais de fim-de-semana dá uma instrutiva panorâmica daquilo a que o jornalismo «de referência» chama a rentrée.
 
A rentrée é o regresso depois do veraneio da «política» tal como esse jornalismo a concebe: uma mistura de personalização e banalidade («Passos Coelho é quem cozinha lá em casa») com o elevar de tom da encenação do «confronto» entre PS e PSD, com o confinamento da disputa política à relação de forças entre esses dois partidos, a promoção das suas propostas e dos seus chefes. E, se algum espaço sobra, uma promoção semelhante de CDS e BE.
  
A mão jornalística que escreve parece sempre a mesma. Passos Coelho exige «com dureza», Sócrates responde-lhe «com um discurso duro», o PSD reage duramente a essa dureza, e assim por diante. O «duro» confronto em papel de jornal é o cenário da «crise política» a coreografar.
  
Estes jornalistas informam que Sócrates acusa – sem se rir - o PSD de pretender liberalizar os despedimentos sem justa causa, acabar com o Serviço Nacional de Saúde, destruir a escola pública. A jornalista do «Público», épica, escreve que Sócrates empunha «uma a uma» as «bandeiras do Estado social» em nome, está claro, «dos ideais da justiça e da solidariedade». Em que Portugal viverá esta profissional da informação?
 
 Mas até no universo de deliberada ocultação e de redonda mentira de que este jornalismo é cúmplice alguma verdade acaba por transparecer. O Sócrates que sábado à noite faz «duras» acusações ao PSD é o mesmo que sábado de manhã afirma em título de jornal que «tudo é negociável» (com o PSD, entenda-se).
  
É nessa afirmação que reside o essencial deste fim-de-semana de rentrée. Tudo o resto é repetição de uma rábula requentada.
 
 
 
2
 
 O DN de 22.08.10 traz uma entrevista com uma importante figura da arte portuguesa, o pintor Nadir Afonso. Numa sequência de perguntas acerca da reflexão marxista sobre arte – matéria em que, manifestamente, não está muito à vontade – reconhece que não leu «A Arte, o Artista e a Sociedade». Mas isso não o impede de afirmar que, para Álvaro Cunhal, «os bons pintores eram os do seu partido».
 
 Está visto que é urgente que alguém ofereça a Nadir Afonso a referida obra de Álvaro Cunhal.
  • Filipe Diniz

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Questões murais


 
O presidente do PSD de Almada escreveu uma Carta Aberta ao Secretário-geral do PCP na qual manifestava a sua «indignação» pela pintura de murais políticos por parte dos militantes comunistas daquele concelho. Entende Nuno Matias – assim se chama o indivíduo – tratar-se esta de uma forma «menos própria» de «fazer uso do direito constitucional de acção político-partidária», pelo que ameaça com uma exposição à Comissão Nacional de Eleições para que esta se pronuncie sobre a sua «legitimidade formal».
 
 Para além de ridículas preocupações com a «imagem que desejamos passar para quem cá vive e quem nos visita» (que não teve quando os murais foram vandalizados por mais do que uma vez), o senhor está preocupado, sobretudo, com a «liberdade» dos «demais cidadãos» de não serem incomodados por esta forma «agressiva» de propaganda política. O PCP deveria, assim, recorrer a outras maneiras – «mais correctas» – de exercer a liberdade de expressão.
 
 Como solução, o presidente do PSD/Almada sugere ao Secretário-geral do Partido que faça «uso da sua influência» sobre os militantes do concelho para que acabem «com este tipo de acções» e, já agora, que «interceda junto da actual presidente da Câmara, sua camarada», no sentido de, também ela, não mais defender a pintura de murais.
 
 Para além de sugerir, erradamente, que o PCP é como o seu próprio partido e que aqui há chefes que usam a sua influência sobre os restantes militantes, Nuno Matias engana-se ao pretender que os eleitos municipais mudem de opinião quanto a esta forma de exercer a liberdade de expressão. Acontece que os direitos não carecem de licenciamento e tutela, pouco importando, por isso, a opinião que os autarcas têm acerca desta ou daquela forma de os efectivar. Se aguarda pela aprovação de algum «regulamento municipal», à semelhança de outros que há por esse país fora, que procure impor como e onde é permitido exercer o direito de propaganda política, pode muito bem esperar sentado. Almada pagou caro a luta pela liberdade e não abrirá mão dela!
 
 Nuno Matias defende uma cidade de «liberdade e respeito» onde não haja paredes pintadas a incomodar os outros cidadãos. E, certamente, onde estes não sejam importunados por panfletos ou palavras de denúncia das injustiças e de apelo à luta; por greves que lhes cancelem as consultas e suprimam os autocarros; e muito menos por manifestações que cortem as ruas e provoquem intermináveis filas de trânsito.
 
 Nesse local idílico com que sonha, quem ousar danificar a brancura imaculada das paredes, nem que seja para exigir o emprego que falta e a escola que se torna cada vez mais inacessível, deverá ser tratado como um criminoso. E seguramente que não haverá piedade para quem insistir em levar para dentro das empresas a revolta e a insubmissão contra a exploração.
 
 É certamente com um ar de aprovação que o ex-director distrital da campanha interna de Pedro Passos Coelho observa a utilização da polícia para furar piquetes de greve, identificar e intimidar manifestantes, sindicalistas e dirigentes estudantis e proibir o exercício dos mais elementares direitos. Mas desenganem-se todos os nunos matias deste País, sejam eles do PSD, do PS ou de qualquer grupo económico: enquanto persistir a injustiça e a exploração, o povo falará. E com ele falarão as paredes!
  • Gustavo Carneiro
My name is Silva


Se um destes dias alguém se lembrar de produzir uma versão nacional das conhecidas séries do mais famoso agente britânico do cinema não terá de dar voltas à imaginação para substituir o celebérrimo «my name is Bond, James Bond». A questão ficou resolvida esta semana, graças a uma entrevista publicada no jornal i, que teve o mérito de desvendar mais uma das inúmeras qualidades do actual ministro da Defesa ou, como em breve se verá se sobrar uma réstia de coragem empreendedora cá pelo burgo, do futuro agente secreto ao serviço da nação. «O meu nome é Silva, Augusto Silva» tem tantas possibilidades de conquistar plateias que não se percebe como é que a indústria cinematográfica – ou no mínimo a televisiva – não se pôs já em movimento para explorar o filão. O argumento de estreia está praticamente feito: um ministro da Defesa de sorriso enigmático, com voz melíflua e irrepreensivelmente vestido, mas que não desdenha «malhar» nos adversários – sem nunca se despentear! – quando os interesses do partido (que no caso é como se fossem os do País) são beliscados, anuncia urbi et orbi (à cidade e ao mundo, para quem não está familiarizado com latinices...) que vai mandar espiões militares para os pontos quentes do planeta onde se joga o futuro da civilização cristã e ocidental.

O objectivo de tal anúncio é insondável, como convém aos grandes desígnios, mas não se duvide de que servirá para apimentar a insípida vida que os agentes de informação certamente levam em países como o Líbano ou o Afeganistão. Depois é só acrescentar umas louras ou morenas como agentes de diversão, uns maus da fita convenientemente árabes e/ou asiáticos, uns quantos atentados e muita, muita malhação de que o nosso herói sairá sempre incólume após a mágica frase «o meu nome é Silva, Augusto Silva».

Para dar um toque intelectual à coisa pode-se convidar Marcelo Rebelo de Sousa, que num rasgo de originalidade há-de encontrar maneira de dizer – como fez no domingo a propósito do «braço-de-ferro» entre PS e PSD sobre o projecto de revisão constitucional – que o argumento «não lembra ao careca», obviamente uma linguagem de código que deixará os cabeludos inimigos de cabeça à roda.
  • Anabela Fino

terça-feira, 24 de agosto de 2010


Filhas da mãe

Dá pelo nome de «mães e filhas». Aos que postos a adivinhar se preparam para, antecipando o que se escreverá, ver na designação nome de filme, revista de sociedade ou série neonatal, se dirá que errados estão. Podendo ser por coincidência o que cada um se deitou a imaginar, e que com aquele nome bem podia ser, a «mães e filhas» que para aqui foi chamada é tão só designação de directiva comunitária. Por antecipação a quaisquer justas observações criticas quanto ao despropósito de, com tanto assunto para tratar, vir para aqui encher o texto com directivas, se esgrimirá em sua defesa que esta é parte activa da rede por onde se esfumam milhões ganhos em movimentos financeiros e operações especulativas que seriam devidos ao fisco.

Dela não se falaria, não se desse o caso de ser oportunamente invocável a propósito do caso PT e da evaporação fiscal de muitos milhões de euros de mais valias obtidos com o negócio da Vivo. Expliquemos por palavras simples o que a directiva, seguramente em rebuscado articulado, como convém ao que não pode parecer óbvio, abre portas. Ponto um: dispõe a directiva, em nome de uma alegada prevenção de dupla tributação, que as transacções entre a empresa mãe e as empresas filhas estão isentas de tributação; ponto dois: vai daí, a PT «mãe» criou, quando da compra da Vivo no Brasil, a PT «filha» que baptizou de Brasilcel BV; ponto três: prevenida, como é dever de mãe, estabeleceu-lhe morada em paraíso fiscal da Holanda; ponto quatro: a PT «mãe» vende, com um ganho superior a seis mil milhões relativamente ao preço que havia comprado, a Vivo à Telefónica; ponto cinco: o capital ganho é encaixado pela empresa «filha» na Holanda onde não paga impostos; ponto seis: a filha transfere para a «mãe» os dividendos também livres de impostos em nome da directiva; ponto sete: cá chegados, os dividendos ficam, a coberto do estatuto de SGPS, isentos de tributação.

Poder-se-ia dar outro nome à coisa. Mas para não ir mais longe nesta rebuscada saga familiar em que o pai não dá a cara, embora por capitalismo seja conhecido, melhor se designaria a directiva como «filha da mãe».

  • Jorge Cordeiro

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Efeito borboleta
 
Longe vão os tempos em que Cavaco Silva, então primeiro-ministro, causava inveja às ministeriais barrigas do seu executivo e demais proeminentes ventres de certa classe política registando para a posteridade a escalada ao coqueiro. O agora presidente continua escorrido de carnes, mas seja porque lhe pesem os anos ou a responsabilidade do cargo deixou-se de tais aventuras. Quanto a Sócrates, apesar de não dispensar uma corridinha higiénica onde quer que vá, devidamente acompanhado pelo seu séquito de ministros, assessores e câmaras de televisão, acusa de ano para ano o peso das responsabilidades governativas no evidente arrendondar de formas e na perda daquele passo cheio de elasticidade de que tanto parecia fazer gala. Ossos do ofício que devem conviver mal – é da humana natureza – com a persistência de alguns que, sabe-se lá por que malas artes, dão cartas na matéria. É o caso, por exemplo, de Putin – actual primeiro-ministro e antigo presidente russo – que não só parece ter feito um pacto com o diabo para manter uma invejável forma física, como ainda por cima sabe pilotar helicópteros e, diz-se, apagar fogos, para além de ter passado com distinção na cadeira de marketing político. A sua imagem de chefe-de-governo-piloto-bombeiro correu mundo e não deixou ninguém indiferente. Cavaco e Sócrates não escaparam ao efeito mediático e fizeram o que era suposto fazer perante tamanho impacto: interromperam por umas horas as suas férias vá-para-fora-cá-dentro para participarem na última sexta-feira numa reunião de trabalho no Comando Nacional de Operações de Socorro da Autoridade Nacional da Protecção Civil.
 
A iniciativa partiu de Cavaco, que avisadamente alertou de véspera as redacções para a importante iniciativa que ia levar a cabo, a saber, que subia do Algarve à capital para se informar «com mais pormenor» sobre o combate aos fogos. Uma hora mais tarde – os serviços de informação levam o seu tempo – era a vez de o primeiro-ministro anunciar que acompanharia a presidencial visita com o titular da pasta da Administração Interna, Rui Pereira.
 
Ah, grande Putin, que com o seu exemplo conseguiu pôr em movimento, cá na ponta da Europa, não uma, mas duas figuras de Estado! Conseguiu com o seu gesto o que não conseguiram duas vítimas mortais e mais de três dezenas de feridos (só este mês há registo de 25 feridos, além dos dois mortos – a bombeira Josefa Santos, de Lourosa, e o chefe João Pombo, de Alcobaça.), registados no combate aos incêndios que desde o início de Junho devastam o País, e que de acordo com os dados difundidos no final da semana pelo Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (EFFIS) já consumiram mais de 68 000 hectares. Conseguiu ainda que Cavaco se dirigisse aos portugueses, antes de regressar ao Algarve, para dizer que o dispositivo de combate aos incêndios «está em condições de responder às ocorrências que podem surgir», o que diariamente os próprios desmentem, e que Sócrates dissesse ter ficado com uma «ideia tranquilizadora» da situação.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Pontal - farroncas e mistificações

Em a «Alice no país das Maravilhas», do controverso Lewis Carrol, dizia o Dodo (um estranho passarão) para a Alice, ambos encharcados depois da queda no «mar de lágrimas»: «a melhor coisa para nos secarmos é fazermos uma corrida eleitoral».

No fundo, mais ou menos como as farroncas de Passos Coelho na festa do Pontal, onde o «líder» do PSD voltou a ameaçar com a dissolução da AR (até 9 de Setembro) e a respectiva «corrida eleitoral», advertências fantasiosas mas que visam «sacudir a água do capote» e mistificar as responsabilidades efectivas do PSD (e do PS) na situação económica e social do país, ao serviço dos grandes senhores do dinheiro.

O Pontal recupera assim uma velha tradição PSD de lançar uma qualquer mistificação para alimentar a «oposição feroz» ao PS – que, em substância, não existe, porque ambos prosseguem a mesma política e quase sempre pelos mesmos caminhos -, mas que dá muito jeito para iludir incautos e fixar as respectivas clientelas.

E, já agora, o ilusório «ultimato» do PSD - a que o PS se apressou a dar credibilidade, com a dramatização da «ameaça de crise política» -, serve também para que a candidatura de Cavaco Silva a PR alimente um novo «tabu» - se dissolve ou não a AR - e demonstre, oportunamente, a sua «isenção» e «disponibilidade» para a «convergência estratégica» com o PS.

Do Pontal 2010 sobra uma pilha de mistificações e aldrabices: que o PSD nada tem a ver com a «interferência política (e a económica?) na área da Justiça», como se não tivesse aprovado o respectivo pacto com o PS e diminuído a autonomia do Ministério Público e a independência dos Tribunais; que «o Governo não governa» porque só o líder do PSD é o «verdadeiro chefe»; que não foi o PSD que fez aprovar, mais o PS, este OE e os PECs 1 e 2, incluindo as alterações fiscais que agora afirma repudiar; que o PSD não deixará passar o OE 2011, a não ser que seja o que - se a luta o não impedir - inevitavelmente acabará por ser, porque a Comissão Europeia assim o decidiu - mais cortes na despesa e investimento do Estado, nos direitos sociais e serviços públicos, num valor mínimo de 2500 milhões de Euros, mais injustiças sociais e maior concentração e centralização da riqueza.

Este Pontal confirma um PSD mais estridente, mas com zero de novidade – vale tudo pela alternância no poder, para prosseguir e aprofundar a mesma política de direita do PS.
  • Carlos Gonçalves

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Bem dizia Lénine

A crise, ai a crise! Que seria de nós sem ela? Lá teríamos de passar os serões a falar do calor, do sócras, do freeport, do procurador geral, do contrato do figo, do bebé do ronaldo, das homilias do bispo, das festas do pontal e do pontão... enfim, das sensaborias do costume, com a agravante de que neste mês estival nem sequer temos o paulinho das feiras ou o chico do bééééé (sem ofensa, estou só a lembrar-me da ovelha negra no seio do rebanho, onde é que isso já vai...) a botar discurso para animar as hostes. É por isso que pela parte que me toca ando rendida às notícias da economia, passando a pente fino os jornais da especialidade, apostada em perceber os meandros da crise e os seus sinuosos percursos, estica aqui, encolhe acolá. De tanto esforço já estou de cabeça à roda, confesso, mas com calma isto vai amigos, isto vai.

É que a coisa é difícil, ou melhor dizendo, a profunda ignorância do comum dos mortais, em que me incluo, não facilita o que certamente para os peritos é perfeitamente óbvio. Por exemplo, a situação da banca. Dizem as notícias que os três maiores bancos privados portugueses arrecadaram, no primeiro semestre do ano (de crise), nada mais nada menos do que três milhões de euros por dia. No total, BCP, BES e BPI arrecadaram 544,9 milhões de euros, mais 62,2 milhões do que no mesmo período de 2009.

O facto não evitou, por causa da crise – cá está ela outra vez! – que no mesmo período a banca fosse «forçada» a agravar as condições de acesso ao crédito às empresas e famílias.

O lucro de três milhões de euros/dia também não impediu que os impostos pagos correspondessem apenas a um terço do valor pago no primeiro semestre de 2009: 33,8 milhões de euros contra 108,6 milhões há um ano. Ou seja, pouco mais de 6% dos lucros registados.

Escusam as mentes perversas de tentar ver aqui qualquer manigância. É tudo perfeitamente legal.

O mesmo se passa, já agora, com a PT, que de acordo com a imprensa da especialidade «surpreendeu pela positiva» com um lucro de 164 milhões de euros no segundo trimestre, ou seja mais de 80% face a igual período de 2009. Dito de outra forma, cerca de um milhão e meio por dia, e sem que entre nestas contas o resultado da venda da Vivo. E por falar nisso, eis mais um caso: a mais-valia de 7,9 mil milhões de dólares (6 mil milhões de euros) conseguida neste negócio – em 1998 a Portugal Telecom pagou 1,75 mil milhões de dólares por uma participação de 50% na Vivo e agora vai vender essa participação por 9,7 mil milhões de dólares (7,5 mil milhões de euros) –, esse lucro, dizia está totalmente isento de impostos. Tudo também perfeitamente legal e de acordo com as regras nacionais e europeias.

Pode pensar-se que quem faz as regras fá-las por gosto ao negócio vivo, o dos chorudos lucros, mas isso é outra conversa que não vem ao caso. Como dizem aqueles senhores bem falantes da tv, falando às massas, todos (os que pagamos a factura) temos de fazer sacrifícios. Por causa da crise, pois então. Ou será da economia? É no que dá a ignorância. Bem que o Lénine dizia que é preciso aprender, aprender, aprender sempre!
  • Anabela Fino

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Um homem


Um homem está perante o tribunal fascista. O juiz interroga-o.

Pergunta: «É verdade que o senhor reingressou no PC em 1954 logo após a sua fuga do Forte de Peniche?»

Resposta: […] «Só “reingressa” quem sai… e eu orgulho-me de haver abraçado a causa do comunismo desde os alvores da minha juventude e de manter até hoje sem interrupções a honrosa condição de comunista, qualidade que espero conservar até ao último alento da minha vida».

Este homem fora preso pela segunda vez três anos antes. Foi de novo barbaramente torturado: espancamentos, privação do sono, 78 dias no segredo em Caxias, prolongado encerramento numa sala dotada de equipamentos de privação sensorial e indutores de alucinações. Não falou.

Este homem, então com 47 anos, é condenado pelo tribunal fascista a uma pena de 23 anos, 8 meses e «medidas de segurança». Na prática, é condenado a prisão perpétua.

Este homem na prisão escreve e ilustra ao longo dos anos seguintes cartas para o seu filho, uma criança com um grave problema de saúde. Da sua cela de condenado surge um rico universo de personagens alegres e aventurosos, de encanto pelo conhecimento e pelo trabalho (cujas máquinas – tractores, tornos mecânicos, fresadoras - ilustra primorosamente), de entusiástica alegria de viver férias, acampamentos, idas à praia, passeios, corridas de automóveis. Com uma espantosa força, este homem procura, à distância, interpor toda a sua energia entre o filho e a doença cuja marcha inexorável sabe estar em curso.

Este homem era incapaz de deixar um inimigo sem combate. Fosse ele o fascismo, fosse ele a exploração, a opressão, a ignorância e o ódio à cultura, as manobras contra Abril, fosse ele a contra-revolução nas suas diferentes facetas. Fosse o inimigo uma doença incurável.

Era um revolucionário. Com ele sabemos que primeiro dever do revolucionário é empenhar na luta toda a energia e todas as capacidades, mesmo nas condições mais desesperadamente adversas.

Este homem era António Dias Lourenço. Conservou a condição de comunista até ao último alento da sua vida. Nem o poderia ter sido de outra forma
  • Filipe Diniz

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

«História de sucesso»


 
Numa mesma página do Diário de Notícias, lado a lado, dois textos abordando o mesmo tema.
 
 O primeiro é assinado pelo Embaixador da Colômbia em Portugal. O segundo é da autoria de «Andrés Malamud, Investigador no Inst. de Ciências Sociais da Univ. de Lisboa».
 
O tema é a Colômbia; o pretexto é a tomada de posse do novo presidente, Juan Manuel Santos, que sucede no cargo ao seu chefe, Álvaro Uribe – e ambos os textos constituem entusiásticos louvores à democracia colombiana e ao seu construtor-chefe, Uribe.
 
 Curiosamente, o texto do «investigador» - que mais parece um daqueles panfletos de propaganda que nos metem na caixa do correio a dizer maravilhas da mercadoria que nos querem impingir - supera largamente o do «embaixador», quer na avaliação altamente positiva que faz à evolução da situação naquele país no reinado de Uribe; quer, sobretudo, no desbragado panegírico ao êxito da sua governação - êxito que «elevou a Colômbia da categoria de pária à de história de sucesso».
 
 Uma «história de sucesso» que - investigou o «investigador» - se exibe em três vertentes: «democracia política, boa governação e inserção internacional» - e que assenta num facto básico essencial: «enquanto o continente virava à esquerda, a Colômbia concentrou-se na luta contra os seus inimigos internos».
 
 Assim, escreve o «investigador» concluindo a investigação, «o pária, agora, habita na sua fronteira». Obama não diria melhor...
 
 Sobre os mais de 30 mil «desaparecidos» que, em milhares de casos, «aparecem», depois, enterrados em valas comuns - ou não «aparecem» porque os seus corpos foram incinerados em modernos fornos crematórios, capazes de fazer inveja aos utilizados por Hitler, o «investigador» nada sabe. Nem sobre os milhares de dirigentes sindicais, sociais e camponeses pura e simplesmente assassinados. Nem sobre os milhares de «falsos positivos», isto é, jovens assassinados e apresentados como «guerrilheiros mortos em combate» …
 
 Basta-lhe saber que a Colômbia de Uribe/Santos, graças a uma exemplar «inserção internacional» - que faz dela o mais servil lacaio do imperialismo norte-americano no continente - é uma «história de sucesso».
  • José Casanova

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Todos os dias!

Um conhecido diário nacional já publicou, à semelhança de outros anos, a notícia das «rentrées». Nela somos informados que os «Partidos voltam aos comícios em clima de pré-crise». A notícia, além do óbvio problema do desfasamento da realidade – o povo e o País vive não uma «pré-crise» mas uma profundíssima crise social, económica e política – reincide, mais um ano e mais uma vez, no erro de apresentar como igual aquilo que é muito diferente.

É que, no que toca ao PCP, nem fechámos para férias nem vamos «regressar aos comícios». Não fechámos para férias porque os problemas dos trabalhadores portugueses não fizeram um intervalo no mês de Agosto e por isso aí estamos junto deles estimulando as suas lutas, umas em defesa do posto de trabalho que após as férias pode já lá não estar, outras resistindo aos cortes nos apoios sociais que atiram para a tragédia famílias inteiras. E não vamos «regressar aos comícios» porque, contrariamente a outros, nunca embarcámos nas ridículas teorizações de que a «política moderna» se faz através das televisões, da internet e de um ou outro «fogacho» mediático, sem pessoas, sem participação popular e colectiva. Por isso este mês de Agosto, à semelhança de Julho e de tantos outros meses, será para o PCP um mês de intenso contacto com os trabalhadores, com as populações, com iniciativas várias e vários comícios.

Mas é também o mês da fase final de construção da Festa do «Avante!» a maior iniciativa político-cultural portuguesa erigida a pulso pelas ideias, o trabalho e os ideais de milhares de jovens, homens e mulheres comunistas e sem partido. Uma iniciativa ímpar no plano nacional que dá à política o seu mais nobre sentido – construção colectiva de um presente e futuros colectivos – e que espelha o País real, o seu povo, os seus problemas, a sua cultura, a sua gastronomia, os seus sonhos e a possibilidade de os realizar. Quem constrói a «Festa» garante o seu funcionamento e a visita não é um mero espectador da política, é um participante activo, é um militante da esperança, da confiança, da coragem, da determinação, da solidariedade, camaradagem e alegria. É por isso que a Festa do «Avante!» nunca deveria figurar na notícia das «rentrées» como «mais um comício». Nunca deveria ser assim porque a Festa do «Avante» não «regressa» de lado nenhum, simplesmente existe com uma força imensa, como existe este Partido, o seu ideal e o nosso povo, todos os dias!
  • Ângelo Alves

domingo, 8 de agosto de 2010

Histórias

Isabel Alçada decidiu promover os seus segundos «15 minutos de fama» de que falava Warhol (os primeiros vieram com a sua entronização em ministra da Educação) e lançou uma proposta que pôs toda a gente a invectivá-la (à excepção de Albino Almeida, pois claro: o presidente da Confederação dos Pais - Confap, esse apoiante fatal dos desmandos socráticos na Educação, tinha de vir a terreiro defender o Ministério).
 
Em entrevista ao Expresso, a ministra anunciou que pretendia acabar de vez com as reprovações nas escolas, esclarecendo que «a alternativa é ter outras formas de apoio, que devem ser potenciadas para ajudar os que têm um ritmo diferenciado».

Invocava, como fonte inspiradora de tão avantajada ideia, o que acontece «na Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca», onde «em vez de chumbar, os alunos com mais dificuldade têm apoio extra».

Esqueceu-se de dizer que na Finlândia, por exemplo, os alunos são desde a primária acompanhados pelo mesmo professor que funciona como tutor, que as escolas são sempre próximas dos seus utentes, que as turmas são minúsculas, que as escolas são apetrechadas desde as bibliotecas aos ginásios, que os professores têm carreiras escalonadas e recebem por todas as competências ou responsabilidades que assumem.

Também não disse que na Noruega há 12 alunos por professor no Básico e 8,2 no Secundário, contra 28 e 30 em Portugal, respectivamente, que 40% das escolas básicas norueguesas são tão pequenas que crianças de diferentes idades têm aulas juntas ou que, na Suécia, cerca de 60% das escolas do 1.º Ciclo funcionam com menos de 50 alunos.

Tal como não concluiu, daqui, o essencial: que é todo este investimento no Ensino, nas suas infra-estruras e no seu pessoal docente e não docente que explicam que «em vez de chumbar, os alunos com mais dificuldade têm apoio extra».

Todavia, enquanto volteia sobre a cabeça atónita do País a importação administrativa deste resultado pedagógico dos países nórdicos, a mesma ministra prossegue uma política que é oposta à praticada pelos escandinavos e que produz os tais resultados pedagógicos: encerra escolas primárias de proximidade (só este ano lectivo foram 700), desenvolve um programa de fusão de agrupamentos escolares que fecha dezenas de escolas secundárias e concentra dezenas de milhares de alunos em unidades gigantescas, isto a par de uma interminável degradação da carreira docente e o desguarnecimento contínuo das escolas em meios, pessoal e equipamentos.

É evidente que todos, à uma, malharam na proposta: os partidos da oposição, as organizações sindicais, até as associações de pais, com a já referida excepção da Confap do senhor Albino.

Entretanto, vinda de uma ministra que começou por ser professora do ciclo preparatório antes de se especializar a escrever histórias juvenis, esta intenção de obter resultados pedagógicos através da anulação dos meios para os conseguir, não revela nem uma professora nem uma efabuladora. Talvez uma contadora de histórias – mas das manhosas.
  • Henrique Custódio

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

«O sacrifício americano»


Obama anunciou a retirada, até final de Agosto, de parte dos soldados norte-americanos que ocupam o Iraque. A ocupar o país ficam, agora, apenas 50 mil soldados. Isto porque, explica o Prémio Nobel da Paz no seu linguajar imperial, «a triste realidade é que ainda não vamos ver o fim do sacrifício americano no Iraque».

São uns sacrificados estes «americanos»: sempre, sempre a semear democracia, liberdade e direitos humanos por tudo quanto é sítio - numa sementeira de sacrifícios que, no Iraque, provocou a destruição do país e a morte de centenas de milhares de homens, mulheres e crianças inocentes.

Aliás, o «sacrifício americano» não é de hoje: tem tantos anos de idade quantos tem a ambição do imperialismo norte-americano de domínio do mundo, com o implacável vale-tudo a que é uso recorrer para concretizar essa ambição.

Como é sabido, foi com grande «sacrifício» que, faz agora 65 anos, os EUA lançaram as bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasáqui – três meses depois da rendição de Hitler e quando o Japão estava irremediavelmente vencido. Foi com igual «sacrifício» que os bombardeiros norte-americanos espalharam a devastação e a morte no Vietnam. Foi com esse mesmo «sacrifício» que os sucessivos governos norte-americanos instalaram no poder e apoiaram ditaduras fascistas um pouco por todo o mundo - e não nos esqueçamos que o fascismo salazarista/caetanista teve o sacrificado apoio dos EUA até ao dia 24 de Abril de 1974.

Foi ainda desse «sacrifício» que nasceu há 50 anos o criminoso bloqueio a Cuba e, há um ano, o golpe fascista nas Honduras e, mais recentemente, a ocupação da Costa Rica e as sucessivas provocações contra os povos que na América Latina decidiram ser donos do seu próprio destino. E por aí fora, numa sucessão de «sacrifícios» que deixa atrás de si um rasto de destruição e morte – a barbárie.

O «sacrifício americano» - sempre com consequências trágicas para milhões de cidadãos não norte-americanos - é uma expressão que, de tantas vezes utilizada pelos vários presidentes dos EUA ao longo da história, bem pode passar a constituir o refrão do hino nacional daquele país.

  • José Casanova
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