sexta-feira, 29 de julho de 2011

A pontapé

A Comissão Permanente de Concertação Social reuniu ontem, 27, pela primeira vez desde a formação do novo Governo PSD/CDS. À mesa, com os parceiros sociais, ter-se-ão sentado o primeiro-ministro, o ministro de Estado e das Finanças, o ministro da Economia e do Emprego, a ministra da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território e o ministro da Solidariedade e da Segurança Social. Era o que estava previsto à hora de fecho desta edição.

Da agenda constava a «apresentação dos grandes objectivos do Governo em matéria económica e social, bem como o «ponto da situação» do acordo de concertação social assinado a 22 de Março com o então governo do PS por todos os parceiros à excepção da CGTP-IN. Este acordo, recorda-se, contempla a redução das indemnizações por despedimento, proposta entretanto aprovada em Conselho de Ministros e que hoje estará em debate no Parlamento.

Perguntar o que se pode esperar desta reunião é quase uma questão de retórica, coisa que não atrapalha o secretário-geral da UGT, João Proença, que em declarações à Lusa esta segunda-feira disse que «o ponto fundamental» da reunião da Concertação Social, é dar «o pontapé de saída» para uma discussão tripartida para um pacto para a competitividade. Proença também espera para ver as medidas do Governo sobre o emprego, e não descarta que em cima da mesa estejam as questões quentes do momento, como é o caso do aumento dos transportes, da redução das compensações em caso de despedimento dos trabalhadores, a diminuição Taxa Social Única (TSU) dos empregadores e as privatizações.

Aparentemente, Proença não sente qualquer incómodo nem regista a mínima contradição no facto de a Comissão Permanente de Concertação Social se sentar a «debater» matérias – como é o caso da lei dos despedimentos – que estão a ser votadas e/ou em vias disso no Parlamento sem prévia discussão pública, ao contrário do estipulado na lei. Mais, acha tudo tão natural que ainda declara publicamente que esta reunião é o «pontapé de saída» para a discussão... do que já está a ser implementado.

Mas – diga-se em abono da verdade – a UGT está inquieta. E por isso lá foi a Belém transmitir a Cavaco Silva «a preocupação com que todos os trabalhadores e os portugueses, em geral, vêem a atual situação, que é a de um país em dificuldades, com o desemprego a aumentar e as desigualdades sociais a crescerem». Os trabalhadores e os portugueses em geral ficaram certamente agradecidos com a diligência, mas por mais que o tentassem não conseguiriam vislumbrar a presença da UGT em qualquer acção, pequena que fosse, de combate, resistência e luta contra as tais medidas que os preocupam. Não. Isso é para os suspeitos do costume, os da CGTP-IN, que há muito perceberam que a mal chamada concertação social não é nem nunca foi o «pontapé de saída» para uma negociação séria, mas sim uma forma encapotada de «muito democraticamente» e sempre com o aval da UGT correr a pontapé direitos dos trabalhadores duramente conquistados na luta de muitos anos.
Anabela Fino

sábado, 23 de julho de 2011

Embuste colossal


Primeiro foi Cavaco Silva e mais uns quantos empresários a advogar – à entrada ou à saída de um repasto condicente com as ilustres personalidades – que os restaurantes deviam ser «solidários» e distribuir os restos pelos necessitados, ao invés de os deitarem para o lixo. Agora é a vez do secretário de Estado da Segurança Social, Marco António Costa, seguindo o exemplo que a Câmara de Cascais vem implementando desde que em Fevereiro lançou o «Projeto Farmácias do Concelho de Cascais», vir anunciar a distribuição aos pobres não do bodo (refeição em que todos podiam participar livremente) mas de medicamentos sobrantes de outras necessidades. Noutro registo, mas não diferente no espírito, o ministro das Finanças, Vitor Gaspar, fez questão de sublinhar que 60 por cento da receita arrecadada com o imposto extraordinário correspondente a metade do subsídio de Natal no que exceder o salário mínimo nacional (485 euros) virá dos «salários mais elevados».

Em qualquer dos casos, do que se está a falar é de sobras, ainda que em bom estado de conservação e embrulhadas em muita caridade cristã, de miséria sem perspectiva de remissão, e de esbulho dos que tão pouco tendo são sempre mais e mais explorados.

Se houver restos, os que não conseguem prover às suas necessidades poderão eventualmente comer ou aliviar a doença, se e quando os beneméritos acharem conveniente. O que não podem, porque o sistema que nos oprime não permite, é viver dignamente do seu trabalho, da sua reforma, da sua pensão, que de tão escasso valor não chega para saciar a fome e acudir à doença e até escapa ao imposto extraordinário.

Subjacente a esta mentalidade está um colossal embuste: o pressuposto de que nada se pode fazer para resgatar cerca de metade da população portuguesa da miséria, que acima dos 485 euros se vive à larga, e que é preciso haver ricos para «acudir» aos pobres. Mais, que para criar mais umas migalhas, mais umas sobras, é preciso facilitar os despedimentos, congelar os salários, aumentar o horário de trabalho, que é justamente o que o Governo se propõe fazer na mal chamada concertação social. A bem da Nação, evidentemente.

Anabela Fino

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Partido é chamado a desempenhar o seu papel de partido revolucionário


O nó da gravata e o nó cego que a luta dará a esta política


Muito mais cedo do que tarde o conteúdo real das medidas do Governo PSD/CDS-PP vieram ao de cima. Já conhecíamos o sentido estruturante das medidas assinadas com a troika e há meses vimos prevenindo sobre as suas nefastas consequências para os trabalhadores e o País.


Mas é agora que elas começam a ganhar expressão concreta, conteúdo real. Ficámos já a saber como se desenvolve o corte no subsídio de Natal. Um corte que aperta quase até ao sufoco o nó da garganta aos trabalhadores, a quem vive do seu salário, mas deixa de fora rendimentos como ganhos financeiros, dividendos a accionistas. Acelera-se o processo de privatizações – CTT, RTP, TAP, Lusa, EDP, GALP, REN e as Águas de Portugal. Por mais culto de um certo ar «calimero» que o Governo tente passar para os portugueses, a natureza de classe da sua política está à vista – a desvalorização do trabalho e dos trabalhadores e o favorecimento do grande capital.

Desde Abril que o PCP vem exigindo a renegociação da dívida – juros, montantes e prazos. Hoje é já generalizada a opinião de que a renegociação é inevitável. Com pesos na consciência uns, com dificuldade sistémica em reconhecer razão ao Partido outros, generaliza-se o reconhecimento de que a renegociação é inevitável. Alguns até têm a distinta lata de dizer que o PCP tinha razão, mas que isso não podia ter sido tema de campanha porque não estamos na América Latina. Ficamos assim mais uma vez esclarecidos que podem ser temas de campanha a mentira, a ilusão, os falsos temas que sirvam para conduzir os trabalhadores e o povo a segurar no poder os responsáveis pelo estado a que chegámos, os portadores de uma política antinacional, antidemocrática e anti-social. Uma política que agravará a recessão, o desemprego, que não só não dará resposta como agravará os problemas nacionais. Uma política que aprofundará a patamares qualitativamente novos os níveis de dependência.

Um Partido que não verga

 
Veja-se como campeia a hipocrisia e o cinismo quando os mesmos que falam do mar e das suas virtualidades afastam cada vez mais a Marinha dos assuntos ligados ao mar aprofundando a sua componente de Marinha de Guerra, se afirmam de costas voltadas para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo e se preparam para aceitar, ao nível da União Europeia, um sistema obrigatório de acessos transferíveis aos recursos, ou seja, a introdução de direitos de propriedade privados no acesso a um bem público: os recursos pesqueiros, que conduzirão inevitavelmente a um processo concentracionário da propriedade.

Veja-se como campeia a hipocrisia quando há uns meses PS, PSD, CDS-PP, Presidente da República e muitos analistas e comentadores diziam que não valia a pena criticar os santificados mercados e agora, tal qual donzelas virtuosas, vêm dizer cobras e lagartos da Moody's. Mas ao mesmo tempo decidem o fim das golden-share do Estado na PT, GALP e EDP preparando o caminho para que o capital estrangeiro abocanhe estas lucrativas empresas estratégicas.

Pode a mediática ministra do Ambiente mandar desapertar a gravata no seu ministério para poupar energia (um número para português ver), mas a luta dos trabalhadores e do povo, mais cedo do que tarde, dará um nó cego a esta política e reclamará uma política patriótica e de esquerda.

Portugal não está condenado ao caminho do declínio das políticas de direita. A saída exige uma ruptura com a política de direita protagonizada pelo PS, PSD e CDS-PP. Uma ruptura com os interesses que favorecem os grandes grupos económicos e financeiros.

O nosso Partido é cada vez mais chamado a desempenhar o seu papel de partido revolucionário. Um Partido cada vez mais ligado aos trabalhadores e às populações. Dinamizando a luta. Reforçando-se e reforçando a sua influência. Um Partido que não verga. Um Partido que luta por uma terra sem amos.
Rui Fernandes

sexta-feira, 8 de julho de 2011

(In)utilidade


Costuma dizer-se, e não certamente por acaso, que presunção e água benta cada um toma a que quer. Sucede no entanto que isto dos ditados populares tem que se lhes diga, seja porque há muito por aí quem não dê ponto sem nó ou porque simplesmente mais depressa se apanha um mentiroso do que um coxo. Veja-se o caso de Fernando Nobre, o «independente» que salta de partido em partido (não todos, não todos...) como pulga em cão com sarna (sem desprimor), que depois da malograda candidatura a Belém decidiu treinar um pouco mais a independência no seio do PSD, apresentando-se não só como cabeça de lista por Lisboa mas também e desde logo como candidato a presidente da Assembleia da República. Dito de outro modo, uma vez que não fora para Belém iria ao menos para S. Bento sentar-se no cadeirão da presidência, no lugar da segunda figura do Estado, à espera – quem sabe? – que o destino lhe permitisse vir um dia a substituir Cavaco sem mais incómodos de submissão ao veredicto popular.

Toda a gente percebeu que a Nobre já não bastava presidir à empresa familiar que dá pelo nome de AMI; o homem queria ser presidente em grande e Passos Coelho fez-lhe a vontade, acreditando – é o que se presume, à falta de melhor explicação – que assim contabilizaria os votos que Nobre recolhera nas presidenciais.

O arranjinho deu para o torto, como se sabe, e a Assembleia da República acabou por ser palco do insólito e degradante espectáculo de um deputado da Nação, antecipadamente avisado de não reunir o consenso dos seus pares, se submeter por duas vezes a escrutínio e de ambas ser rejeitado. Foi depois disso que Nobre, desdizendo o que antes afirmara numa entrevista – que que só ficaria no Parlamento como presidente –, garantiu que se manteria como deputado enquanto entendesse que a sua participação fosse «útil ao País».

Ora bem, postas as coisas nestes termos – de utilidade – e fazendo o computo à presença do novel deputado na Assembleia – duas sessões plenárias: a que chumbou o seu nome para a presidência e a que elegeu Assunção Esteves para o cargo – a conclusão é óbvia. Quanto à utilidade de Nobre estamos conversados.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Lixo, disse ela!


Lixo, disse ela, a Moody's, e Portugal resvalou mais um bocadinho para o abismo. Podia ser um filme de terror, uma ficção daquelas que deixam os espectadores sem respiração até ao acender das luzes, mas não é. Trata-se da crua realidade com que os portugueses estão confrontados, de sinistras consequências a que não será possível escapar no sistema vigente.

A avaliar pelas reacções oficiais e oficiosas, dir-se-ia que Portugal é nestes dias o expoente máximo das «virgens humilhadas e ofendidas». Pois se o Governo nem teve tempo de aquecer o lugar e já meteu a mão no bolso dos contribuintes com o anúncio do saque de 50% do subsídio de Natal; aprovou o fim das golden shares na EDP, Galp Energia e Portugal Telecom; acabou com os governadores civis, direcções-gerais e outras coisas que tais – só para citar de memória algumas das decisões –, e se apresta a levar a cabo a todo o vapor um rol de outras medidas – mais exploração dos trabalhadores, cortes de salários e pensões, aumento de impostos, redução de bens e serviços essenciais, privatizações e encerramento de serviços públicos – , como é possível que em vez de louvores a Moody's nos classifique como lixo e ainda coloque a dívida pública portuguesa com outlook negativo, ou seja susceptível de baixar mais alguns níveis? É um escândalo, um desaforo, uma ofensa, um desvario... procure-se no dicionário e não haverá classificações bastantes para traduzir o sentimento dos governantes nacionais. Alguns, cheios de boa vontade, ainda aventaram a hipótese de «desconhecimento» da prestação governativa, mas a Moody's liquidou qualquer réstia de esperança: a agência sabe muito bem o que se está a fazer, só que não acredita nos resultados, prevendo que o País venha a necessitar de mais um empréstimo e seja incapaz de cumprir a redução do défice acordado com a UE e o FMI.

Até aqui nada de novo. Nem é preciso ser especialista para perceber o óbvio: um país endividado, incapaz de satisfazer os seus compromissos, que se endivida ainda mais para pagar aos agiotas que lhe emprestam dinheiro e aceita aplicar medidas recessivas que liquidam as hipóteses de crescimento, não está a resolver nenhum problema. Só está a esticar a corda para se enforcar mais depressa.

Seria talvez de esperar alguma solidariedade dos «parceiros» europeus... mas os mercados, senhores, não brincam em serviço. O capital é insaciável e cheira as presas à distância, quanto mais ao perto... É que, caso não se tenha ainda dado por isso, esta classificação de lixo veio mesmo em «boa» altura: na véspera de Portugal voltar a colocar dívida no mercado e logo depois de o Governo ter aberto mão das golden shares. Consequência: o financiamento no exterior vai ficar mais caro; os empréstimos bancários vão custar mais aos portugueses. Numa palavra, as taxas de juro vão voltar a subir e as condições de vida vão ser ainda mais difíceis. Ao mesmo tempo – que coincidência! – todas as empresas a privatizar sofrem uma desvalorização dos seus activos, pelo que os potenciais compradores vão ter mais uma excelente oportunidade de negócio. Quanto a Portugal e aos portugueses, a seguir neste rumo, podem contar com mais túnel ao fundo da luz. E ainda há quem não perceba que não é possível reformar o sistema capitalista
  • Anabela Fino
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