quinta-feira, 11 de setembro de 2008


A dignidade vencerá o crime


O que aconteceu a 11 de Setembro de 1973 no Chile não foi unicamente um golpe militar nem a substituição de um governo eleito democraticamente por uma ditadura. O 11 de Setembro foi o início de uma guerra total e cruel de um bando de fascistas e assassinos formados e comprados pelos Estados Unidos para liquidar a soberania do povo chileno e sufocar a sua escolha libertadora. Foi uma guerra conduzida com tanques e bombas contra tudo onde se respirava democracia e liberdade, contra os trabalhadores, camponeses e sindicalistas, contra a Unidade Popular, comunistas e outros partidos de esquerda, cristãos progressistas, professores, sectores da cultura, médicos, estudantes, mulheres e crianças.

Passados 28 anos, um outro 11 de Setembro, perpetrado em Nova York por terroristas até há pouco aliados e amigos de confiança da América, viria a servir de pretexto aos Estados Unidos para o desencadear de uma cruzada sem precedentes contra a soberania dos povos. Os sectores mais obscurantistas, que a CIA e o Pentágono tinham formado nos anos oitenta para combater o processo democrático e revolucionário no Afeganistão, e mais tarde arregimentado para acelerar na Bósnia o desmembramento da Jugoslávia, ofereceram ao Governo de George Bush, em circunstâncias até hoje não esclarecidas, o pretexto ideal para a aplicação dos planos de domínio militar planetário do imperialismo.

Na Europa, nas grandes manifestações de protesto contra a agressão norte-americana no Iraque e no Afeganistão voltaram-se a ouvir palavras de ordem como «Bush Assassino!», expressões até então especialmente reservadas para designar o sanguinário general Pinochet. Os nomes de Bush e Pinochet ficarão para sempre ligados aos crimes mais hediondos e sem escrúpulos, aos esquadrões da morte, aos raptos e à prática da tortura, aos massacres de milhares e milhares de inocentes, aos fuzilamentos de resistentes, ao desprezo pelo direito internacional, aos bombardeamentos de edifícios governamentais e das populações civis, à exploração e opressão dos povos ao serviço dos interesses egoístas do lucro e da geopolítica dos grandes monopólios internacionais. E se o ditador chileno e o presidente norte-americano simbolizam o que há de mais sinistro à face da terra, há duas figuras na América Latina que ficarão para sempre como exemplos inabaláveis da vitória da Dignidade contra o crime.

A primeira é Fidel de Castro, o dirigente da Revolução Cubana, objecto de numerosas tentativas de assassinato por parte dos Estados Unidos, reveladas em 2007 com a publicação dos arquivos da CIA. E a segunda é Salvador Allende, eleito Presidente da República do Chile em 1970 e cujo centenário do nascimento acaba de ser celebrado no dia 26 de Junho. A actual situação na América Latina e os ventos da esperança que ali sopram cada vez mais fortes são inseparáveis do exemplo e da resistência do povo de Cuba Socialista e do Chile da Unidade Popular.

Nem o heróico sacrifício de Salvador Allende, nem a luta de David contra Golias do povo cubano, pondo fim à ditadura fascista de Batista e ao neocolonialismo norte-americano, foram em vão. Os povos libertar-se-ão. A Dignidade vencerá o crime.




  • Rui Paz

CHILE 35 ANOS DEPOIS...




«Hoje, a partir do poder norte-americano, o relatório Church, documentos desclassificados pela CIA, memórias pessoais de autoridades próximas de Nixon, podemos saber a verdade exacta da sangrenta operação forjada durante dez anos pelos EUA (1963-1973)»



Terça-feira, 11 de Setembro de 1973, o destino de uma nação e as esperanças de um continente vão alterar o curso da história…O desaparecimento forçado, a tortura, a prisão política e a delação inaugurarão uma etapa considerada «vitoriosa» pelos Estados Unidos.

O Presidente Salvador Allende Gossens deu a sua vida pela determinação de cumprir o mandato do povo e tornou-se em todo o mundo num símbolo de dignidade. Apesar de não ter chegado a meio do mandato, Allende foi uma das figuras mais decisivas da história do Chile do século vinte. Hoje, a partir do poder norte-americano, o relatório Church, documentos desclassificados pela CIA, memórias pessoais de autoridades próximas de Nixon, podemos saber a verdade exacta da sangrenta operação forjada durante dez anos pelos EUA (1963-1973).Depois do reconhecimento do triunfo de Allende pelo Senado chileno, nos EUA registam-se duas reuniões em 8 e 14 de Setembro de 1970. Precisamente nesses dias, o presidente da Pepsi-Cola, Donald M. Kendall, pôs a sua marca pessoal nesta trágica história.

Em 14 de Setembro, dez dias depois da eleição presidencial chilena, Kendall foi à Casa Branca e pediu a Nixon, que tinha sido advogado da Pepsi-Cola, que concedesse uma audiência extraordinária a um seu amigo e sócio chileno, Agustin Edwards, proprietário de um dos diários mais influentes do Chile: El Mercúrio. A relação entre Nixon e Kendall baseava-se numa dívida política (e as dívidas são para pagar…): Kendall tinha reconstruído a carreira política de Nixon, desde a sua derrota para Governador da Califórnia até o colocar na Casa Branca.

Repetiu-se uma cena tantas vezes vivida na América Latina: o poder das transnacionais procura torcer a favor dos seus interesses a História, independentemente dos custos humanos, associando-se para isso com os empresários locais ultra-conservadores.A reunião de Nixon com Kendall realizou-se a 15 de Setembro de 1970, o que diz bem a prioridade do assunto para a Casa Branca. O poderoso empresário chileno Agustín Edwards pediu a ajuda dos Estados Unidos para evitar o desastre no Chile [1].

Nas suas memórias, Kissinger endossa ao chileno Edwards a responsabilidade de ter pressionado Nixon, de lhe ter «esquentado» o ânimo para que decidisse acções drásticas. Depois desta entrevista, nessa mesma tarde, Nixon reuniu-se com Kissinger, o Procurador-Geral John Mitchell – que se encontrava ali a título particular e não oficial – e Richard Helms, director da CIA, que registou algumas notas dessa reunião:• Ainda que haja só uma possibilidade em dez, salve o Chile• Gaste-se o que for preciso• Não meter a embaixada nisto• Dez milhões de dólares disponíveis, há mais se for necessário• Trabalhar a tempo inteiro, os melhores homens disponíveis• Elaborar um plano estratégico considerando várias hipóteses• Fazer gritar de dor a economia (chilena)• 48 horas para o plano de acção«Nesse encontro, Nixon disse aos três para não informarem destas orientações o Secretário de Estado, o Secretário da Defesa, o embaixador no Chile e o Chefe da CIA no Chile.

Em toda a minha carreira, este foi o meu maior segredo» disse Richard Helms, nas suas memórias. O relatório Church registou o resultado desta reunião: «Em 15 de Setembro, o Presidente Nixon informou o director da CIA, Richard Helms, que um governo de Allende não era aceitável para os Estados Unidos e instruiu a CIA para que tivesse um papel directo na organização de um golpe militar no Chile, para evitar que Allende chegasse à presidência». E o próprio director da CIA registou o facto nas suas memórias: «O Presidente ordenou-me que instigasse um golpe militar no Chile, um país até então democrático [2]. E acrescentou nas suas notas que a Nixon e Kissinger «não os preocupava os riscos que isto continha».

No entanto, esta primeira etapa, destinada a evitar que Allende subisse à presidência fracassou rotundamente, o que provocou uma segunda reunião de urgência. Por essa altura, com Allende já em La Moneda, todos os esforços da Casa Branca – conclui o relatório Church - «estavam orientados para o golpe militar».O resultado desta sedição norte-americana, 35 anos decorridos depois dos factos, dá hoje origem a interessantes e inéditas reflexões de chilenos bem situados para uma leitura histórica e os seus efeitos reais no Chile de hoje. A vitoriosa estratégia dos EUA e o seu aperfeiçoamento e incursão noutros países do Terceiro Mundo. A necessidade de uma memória histórica e o papel dos media.

[1] Henry Kissinger, Whithe House Years (Brown, Boston: Little, 1978).

[2] Richard Helms, A Look over my Shoulder (New York: Random House, 2003)


* Patricia Parga-Vega
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