sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Questões murais


 
O presidente do PSD de Almada escreveu uma Carta Aberta ao Secretário-geral do PCP na qual manifestava a sua «indignação» pela pintura de murais políticos por parte dos militantes comunistas daquele concelho. Entende Nuno Matias – assim se chama o indivíduo – tratar-se esta de uma forma «menos própria» de «fazer uso do direito constitucional de acção político-partidária», pelo que ameaça com uma exposição à Comissão Nacional de Eleições para que esta se pronuncie sobre a sua «legitimidade formal».
 
 Para além de ridículas preocupações com a «imagem que desejamos passar para quem cá vive e quem nos visita» (que não teve quando os murais foram vandalizados por mais do que uma vez), o senhor está preocupado, sobretudo, com a «liberdade» dos «demais cidadãos» de não serem incomodados por esta forma «agressiva» de propaganda política. O PCP deveria, assim, recorrer a outras maneiras – «mais correctas» – de exercer a liberdade de expressão.
 
 Como solução, o presidente do PSD/Almada sugere ao Secretário-geral do Partido que faça «uso da sua influência» sobre os militantes do concelho para que acabem «com este tipo de acções» e, já agora, que «interceda junto da actual presidente da Câmara, sua camarada», no sentido de, também ela, não mais defender a pintura de murais.
 
 Para além de sugerir, erradamente, que o PCP é como o seu próprio partido e que aqui há chefes que usam a sua influência sobre os restantes militantes, Nuno Matias engana-se ao pretender que os eleitos municipais mudem de opinião quanto a esta forma de exercer a liberdade de expressão. Acontece que os direitos não carecem de licenciamento e tutela, pouco importando, por isso, a opinião que os autarcas têm acerca desta ou daquela forma de os efectivar. Se aguarda pela aprovação de algum «regulamento municipal», à semelhança de outros que há por esse país fora, que procure impor como e onde é permitido exercer o direito de propaganda política, pode muito bem esperar sentado. Almada pagou caro a luta pela liberdade e não abrirá mão dela!
 
 Nuno Matias defende uma cidade de «liberdade e respeito» onde não haja paredes pintadas a incomodar os outros cidadãos. E, certamente, onde estes não sejam importunados por panfletos ou palavras de denúncia das injustiças e de apelo à luta; por greves que lhes cancelem as consultas e suprimam os autocarros; e muito menos por manifestações que cortem as ruas e provoquem intermináveis filas de trânsito.
 
 Nesse local idílico com que sonha, quem ousar danificar a brancura imaculada das paredes, nem que seja para exigir o emprego que falta e a escola que se torna cada vez mais inacessível, deverá ser tratado como um criminoso. E seguramente que não haverá piedade para quem insistir em levar para dentro das empresas a revolta e a insubmissão contra a exploração.
 
 É certamente com um ar de aprovação que o ex-director distrital da campanha interna de Pedro Passos Coelho observa a utilização da polícia para furar piquetes de greve, identificar e intimidar manifestantes, sindicalistas e dirigentes estudantis e proibir o exercício dos mais elementares direitos. Mas desenganem-se todos os nunos matias deste País, sejam eles do PSD, do PS ou de qualquer grupo económico: enquanto persistir a injustiça e a exploração, o povo falará. E com ele falarão as paredes!
  • Gustavo Carneiro
My name is Silva


Se um destes dias alguém se lembrar de produzir uma versão nacional das conhecidas séries do mais famoso agente britânico do cinema não terá de dar voltas à imaginação para substituir o celebérrimo «my name is Bond, James Bond». A questão ficou resolvida esta semana, graças a uma entrevista publicada no jornal i, que teve o mérito de desvendar mais uma das inúmeras qualidades do actual ministro da Defesa ou, como em breve se verá se sobrar uma réstia de coragem empreendedora cá pelo burgo, do futuro agente secreto ao serviço da nação. «O meu nome é Silva, Augusto Silva» tem tantas possibilidades de conquistar plateias que não se percebe como é que a indústria cinematográfica – ou no mínimo a televisiva – não se pôs já em movimento para explorar o filão. O argumento de estreia está praticamente feito: um ministro da Defesa de sorriso enigmático, com voz melíflua e irrepreensivelmente vestido, mas que não desdenha «malhar» nos adversários – sem nunca se despentear! – quando os interesses do partido (que no caso é como se fossem os do País) são beliscados, anuncia urbi et orbi (à cidade e ao mundo, para quem não está familiarizado com latinices...) que vai mandar espiões militares para os pontos quentes do planeta onde se joga o futuro da civilização cristã e ocidental.

O objectivo de tal anúncio é insondável, como convém aos grandes desígnios, mas não se duvide de que servirá para apimentar a insípida vida que os agentes de informação certamente levam em países como o Líbano ou o Afeganistão. Depois é só acrescentar umas louras ou morenas como agentes de diversão, uns maus da fita convenientemente árabes e/ou asiáticos, uns quantos atentados e muita, muita malhação de que o nosso herói sairá sempre incólume após a mágica frase «o meu nome é Silva, Augusto Silva».

Para dar um toque intelectual à coisa pode-se convidar Marcelo Rebelo de Sousa, que num rasgo de originalidade há-de encontrar maneira de dizer – como fez no domingo a propósito do «braço-de-ferro» entre PS e PSD sobre o projecto de revisão constitucional – que o argumento «não lembra ao careca», obviamente uma linguagem de código que deixará os cabeludos inimigos de cabeça à roda.
  • Anabela Fino
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