segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Preço da electricidade em Portugal é superior ao da UE27

- portugueses pagam mais €190 milhões

- em 2010 ainda querem aumentar mais 2,9%

- EDP arrecadou lucros de €835 milhões só nos primeiros nove meses deste ano

por Eugénio Rosa [*]



RESUMO DESTE ESTUDO

A ERSE, a entidade que controla os preços da electricidade no mercado regulado, cujo presidente foi nomeado pelo primeiro governo de Sócrates, anunciou que o preço da electricidade para as famílias, em 2010, iria aumentar em +2,9%. Esta subida do preço da electricidade é superior a mais do dobro da previsão para 2010 do aumento dos preços em Portugal feita por várias entidades (OCDE, FMI, BdP), e os trabalhadores não têm garantido idêntico aumento salarial em 2010. Se o preço da electricidade for aumentado em 2,9%, isso significará que os portugueses terão de pagar, pela mesma quantidade de kWh, mais 251,5 milhões de euros. Tal aumento de custos é inaceitável não só pelas razões referidas anteriormente, mas também porque: (1) O preço da electricidade em Portugal é já superior ao preço médio da União Europeia; (2) O poder de compra das famílias portuguesas está muito abaixo do poder de compra médio da União Europeia; (3) A EDP, só nos primeiros nove meses de 2009, já arrecadou mais de 800 milhões euros de lucros líquidos.

Em 2009, segundo o Eurostat, o preço médio da electricidade na União Europeia (27 países) é inferior ao preço médio em Portugal em -2,2%, mas o poder de compra médio na União Europeia (27 países), medido pelo PIB por habitante SPA., é superior ao poder de compra médio em Portugal em +31,6%. Dito ainda de outra forma, o poder de compra da população em Portugal corresponde apenas a 76% do poder de compra médio da União Europeia, mas o preço da electricidade no nosso País é superior ao preço médio da electricidade na União Europeia em +2,26% (se o preço da electricidade em Portugal fosse igual ao preço médio da U.E., os portugueses pagariam pela electricidade que consomem menos 190,8 milhões de euros por ano). Nos países onde o preço da electricidade é superior ao de Portugal, essa diferença de preço é mais do que compensada pela diferença para mais no poder de compra da população desses países relativamente à portuguesa. Na Alemanha o preço da electricidade é superior em +10,8% ao preço em Portugal, mas o poder de compra médio na Alemanha é superior ao português em +52,6%; no Luxemburgo a electricidade custa mais 28,1% do que em Portugal, mas o poder de compra médio no Luxemburgo é superior ao de Portugal em +263,2%. Na Finlândia, Dinamarca e Noruega, o preço da electricidade é mais baixo do que em Portugal (entre -10,5% e -22,9%) , mas o poder de compra médio das famílias nesses países é muito superior ao das famílias portuguesas (entre +53,9% e +151,3%) (Quadro I).
 
Devido aos elevados preços que pratica, a EDP tem arrecadado lucros muito elevados, nomeadamente após a entrada em funções do primeiro governo de Sócrates. Em 2005, que foi o 1º ano deste governo, os lucros líquidos da EDP foram superiores em +143,3% aos de 2004; em 2006 em +113,7%; em 2007 em +131,7% ; em 2008 em mais 148%; e, em 2009, só nos primeiros 9 meses, os lucros foram superiores aos de 2004 em +89,7% (Quadro II). Se somarmos os lucros líquidos da EDP nos últimos 5 anos e 9 meses, eles totalizam já 5.399,1 milhões de euros a preços correntes (a preços actuais é um valor muito superior). Tudo isto mostra, por um lado, que o Estado perdeu uma fonte importante de receitas com a privatização da EDP; por outro lado, que a EDP privatizada se transformou num instrumento importante de exploração dos consumidores e de acumulação de elevados lucros para o capital privado que já a domina; e, finalmente, a EDP devido aos elevadíssimos lucros que já tem pode absorver, sem grandes dificuldades, o chamado défice tarifário que está a ser utilizado para "justificar" o aumento do preço que se pretende impor à população. E isto continuando a obter lucros e sem aumentar os preços. Só teria de reduzir um pouco os elevadíssimos lucros que vem arrecadando, o que seria justificável face às dificuldades graves das famílias. Mas será isso que vai suceder? A resposta só poderá ser dada pelo governo, opondo-se ou vergando-se, às exigências da EDP e de outras empresas, feitas através da ERSE, que se encontra totalmente refém da EDP.


Para ficar claro os interesses que a ERSE está a defender, interessa referir que no fim de 2008, segundo o Relatório e Contas da EDP (pág.156), 49% do capital desta empresa estratégica já estava nas mãos de accionistas no estrangeiro (Espanha: 15%; Inglaterra:13%; Resto da Europa: 12%; EUA 9%). E, internamente, alguns dos principais accionistas são grandes grupos económicos (BCP com 3,39% do capital; BES: 3,05%; José de Mello com 4,82%). E segundo o artº 67º do EBF, que o governo de Sócrates se tem recusado continuamente a alterar, 50% dos dividendos distribuídos aos seus accionistas por empresas que foram privatizadas (e a EDP é uma delas) estão isentos do pagamento de IRS e de IRC, enquanto os rendimentos do trabalho estão sujeitos a impostos elevados. Os comentários parecem ser desnecessários.

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Guerra de classes na UE




“Esta ofensiva de classe na UE é indissociável da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Foi também para isto que foi imposto pela porta traseira e contra a vontade dos povos da Europa.



Mas a nova moda de cortar nos salários de quem trabalha vai agravar uma crise que é, no fundo, uma crise de sobreprodução. O grande capital europeu está a declarar guerra aos trabalhadores”.

Jorge Cadima* - 20.12.09


Antes do colapso de 2009, a Islândia era apontada como exemplo beatífico da «globalização». E dizia-se o mesmo da Irlanda, cuja adesão à União Europeia seria a fonte dum «milagre económico». Era o Tigre Celta, por analogia com os chamados Tigres Asiáticos, como a Coreia do Sul ou Taiwan. Estes últimos foram enjaulados em 1997 pela crise regional. Quando eclodiu a crise mundial do capitalismo, tornou-se claro que o Tigre Celta era, afinal, um tigre de papel. O desemprego na Irlanda está nos 12,5% e o défice orçamental disparou para 13,6% do PIB (Economist, 10.12.09). Como noutras paragens, os banqueiros foram salvos pela teta do Estado. Mas para os trabalhadores, a conversa é outra. Já há uns meses o governo irlandês «na prática reduziu o salário dos trabalhadores do sector público introduzindo um desconto especial de 7% para as reformas» (Economist, 10.12.09).

Passado que está o referendum-bis sobre o Tratado de Lisboa, o governo vai agora mais longe e corta os salários dos trabalhadores da função pública entre 5 e 8%. Como escreve o Irish Times (10.12.09): «os funcionários públicos e os beneficiários de apoios sociais são os mais atingidos pelos cortes na despesa em 4 mil milhões de euros». Entusiasmada ficou a revista do grande capital anglo-saxónico, Economist (10.12.09): «a Irlanda mostra ao resto da Europa o que realmente significa a austeridade» e «o orçamento deu ao governo uma oportunidade para tranquilizar os investidores internacionais». «Investidores internacionais» são os quadros dirigentes de grandes bancos cujos salários estão a ser aumentados (Financial Times, 24.7.09) e a rapaziada de Wall Street que achou por bem atribuir-se gratificações recorde no valor de 140 mil milhões de dólares (Wall Street Journal, 14.10.09) com os subsídios estatais que recebeu após ter presidido ao colapso do sistema financeiro. O «fim da luta de classes» é assim.


A Grécia é agora o novo alvo da União Europeia. Uma agência de rating (essas agências de avaliação que supostamente informam sobre a saúde económica de países e empresas, mas que asseguravam que as grandes instituições financeiras dos EUA estavam de óptima saúde na véspera de falirem) decidiu baixar a sua avaliação da Grécia. Logo surgiu uma enorme campanha, exigindo medidas à Sócrates.


O Presidente do Banco Central Europeu, Trichet, afirma que os problemas da Grécia exigem «medidas muito difíceis, muito corajosas, mas absolutamente necessárias» (Financial Times, 11.12.09). Pelos vistos, se os governos não podem dizer ao BCE o que fazer, já o contrário não é verdade.


Angela Merkel fez coro: «existindo problemas num país com o Pacto de Estabilidade e Crescimento, que apenas se podem resolver através de reformas sociais levadas a cabo nesse país, surge naturalmente a questão de saber qual a influência que a Europa tem sobre os parlamentos nacionais, de forma a garantir que a Europa não seja travada» (euobserver.com, 10.12.09). A Sra. Merkel está a dizer que a soberania nacional acaba nas fronteiras das grandes potências da UE. O Pacto referido pela primeira-ministra alemã prevê multas para países que excedam o défice orçamental de 3%, mas a sua aplicação foi suspensa quando chegou a vez de multar a França e a Alemanha.


O novo governo «socialista» grego diz que não quer cortar salários, mas vai ameaçando: «se estivéssemos à beira do precipício, cortaríamos os salários para metade, mas não estamos e lutamos tenazmente para não chegar lá» diz Papandreu (FT, 11.12.09). Os lucros do grande capital não são referidos. É natural que após as eleições seja a vez da Inglaterra, cujo défice orçamental vai nos 14,5%. E talvez sobre também para Portugal.


Esta ofensiva de classe na UE é indissociável da entrada em vigor do Tratado de Lisboa. Foi também para isto que foi imposto pela porta traseira e contra a vontade dos povos da Europa.


Mas a nova moda de cortar nos salários de quem trabalha vai agravar uma crise que é, no fundo, uma crise de sobreprodução. O grande capital europeu está a declarar guerra aos trabalhadores.


Não é coincidência que na Polónia se acabe de proibir os símbolos comunistas e que por toda a Europa se esteja a alimentar de novo o racismo, o fascismo e o anticomunismo. Aos trabalhadores e povos não resta outra via senão a luta. Que hoje mesmo será protagonizada pelos trabalhadores gregos.
* Jorge Cadima é Professor universitário e analista de política internacional
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