quinta-feira, 25 de março de 2010

finança e os milagres

É sabido que um dos epicentros da actual crise do capitalismo se situou na falência de grandes bancos. Três deles são islandeses e quando entraram em falência a sua dívida conjunta era seis vezes superior ao PIB daquele país.

Em 2007 a Islândia era um «milagre». Em 2009 entrou na bancarrota. Com o despoletar da crise caiu o governo, substituído por outro saudado nos media como «de esquerda» (uma coligação de sociais-democratas e verdes).

Este governo «de esquerda» negociou com os credores internacionais desses bancos o acordo que seria de esperar («Lei Icesave»): a socialização dos prejuízos. Ao contribuinte islandês caberia pagar nos próximos 15 anos o equivalente a 2/3 do PIB mais 5,5% de juros.

Acontece que o povo islandês pôde pronunciar-se em referendo sobre esse acordo e rejeitou-o com 93% dos votos.

As contas-poupança Icesave ofereciam juros de mais 5% e o banco Kaupthing oferecia condições semelhantes. Não admira que tivessem atraído depositantes de todo o mundo. O sítio WikiLeaks publicou agora uma listagem (confidencial, e cuja publicação o banco tentou por todos os meios impedir) de credores do banco Kaupthing com mais de 28 mil nomes. Desde grandes bancos e empresas, a fundos de pensões e autarquias (de Inglaterra e da Holanda), a investidores individuais a lista é particularmente interessante. E um dos aspectos interessantes resulta da forma como ilustra o papel destas operações de especulação financeira no processo global de centralização do capital.

Angariam investidores de diferentes dimensões mas é nos grandes grupos que se concentram as vantagens e os lucros, como aconteceu com o grupo Bauger, proprietário de meia Islândia, que investiu na Grã-Bretanha à conta de empréstimos de 330 biliões de coroas islandesas, e que está agora a ser investigado pelo Serious Fraud Office (a mesma entidade, por acaso, que tem investigado o processo Freeport).

Entre os credores incluídos na lista agora publicada estão instituições religiosas: as Carmelitas del Sagrado Corazón e a Fábrica do Santuário de Fátima. Se tivessem sido mais prudentes, saberiam que milagres da multiplicação se podem encontrar na Bíblia, mas que quando se trata do universo financeiro do capitalismo é preferível consultar Marx
  • Filipe Diniz

segunda-feira, 22 de março de 2010

Aos intelectuais e artistas do mundo


Secretariado da União Nacional de Escritores e Artistas Cubanos


20.Mar.10 :: Outros autores





Enquanto a Feira do Livro decorria de um extremo ao outro do nosso país e centenas de médicos cubanos salvavam vidas no Haiti, vinha-se gerando uma nova campanha contra Cuba.

Um delinquente comum, com um historial provado de violência, transformado em «prisioneiro político», declarou-se em greve de fome até que lhe fossem instalados telefone, cozinha e televisão na sua cela. Incentivado por pessoas sem escrúpulos e apesar de quanto se fez para lhe prolongar a vida, Orlando Zapata Tamayo faleceu e foi convertido num lamentável símbolo da maquinaria anticubana.

Em 11 de Março, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução que «condena energicamente a morte evitável e cruel do dissidente preso político Orlando Zapata Tamayo» e numa intromissão ofensiva nos nossos assuntos internos «insta as instituições europeias a darem apoio incondicional e incentivo sem reservas ao início de um processo pacífico de transição política para uma democracia pluripartidária em Cuba».



Com o título «Orlando Zapata Tamayo: acuso o governo cubano», está a circular um apelo para recolha de assinaturas contra Cuba. A declaração assegura que este recluso foi «injustamente encarcerado e brutalmente torturado» e que morreu «denunciando estes crimes e a falta de direitos e democracia neste país». Ao mesmo tempo, mentem sem qualquer pudor sobre uma suposta prática do nosso governo de «eliminar fisicamente os seus críticos e pacíficos opositores».

 Em 15 de Março, um jornal espanhol mostrava em primeira página o rosto de Zapata Tamayo, já morto, no caixão, ao mesmo tempo que anunciava a adesão ao apelo de alguns intelectuais que misturavam as suas assinaturas às de velhos e novos profissionais da contra-revolução interna e externa.



Os escritores e artistas cubanos estão conscientes da forma como se articulam sob qualquer pretexto as corporações mediáticas e os interesses hegemónicos para prejudicar a nossa imagem. Sabemos com quanto assanhamento e morbidez se distorce a nossa realidade e como diariamente se mente sobre Cuba. Também sabemos o preço a pagar pelos que lá tem tentado expressar-se culturalmente com matizes próprios.



Na história da Revolução jamais se torturou um prisioneiro. Não houve um só desaparecido Não houve uma só execução extrajudicial. Fundámos uma democracia própria, imperfeita, sim, mas muito mais participativa e legítima que a que nos pretendem impor. Não têm moral os que orquestraram esta campanha para nos darem lições de direitos humanos.



É imprescindível deter esta nova agressão contra um país bloqueado e acossado sem piedade.

Apelamos por isso à consciência de todos os intelectuais e artistas para que não acolham interesses espúrios à volta do futuro de uma Revolução que foi, é e será um modelo de humanismo e solidariedade.



aa)Secretariado da União Nacional de Escritores e Artistas Cubanos (UNEAC)



Direcção Nacional da Associação Hermanos Saíz (Associação de Jovens Artistas Cubanos)

Tradução de José Paulo Gascão
Desconchavo



Por razões que a razão desconhece o chamado Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) chegou primeiro a Bruxelas do que à Assembleia da República, em S. Bento, Lisboa. Dirão as más línguas que o Governo pretendeu garantir primeiro o aval das instituições europeias para poder esgrimir de seguida a «excelência» da obra, mas não deixa de ser caricato que o presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, classifique o PEC de «credível», ou que o ministro das Finanças do Luxemburgo e presidente do eurogrupo, Jean-Claude Juncker, elogie as «medidas corajosas» do dito, enquanto em Portugal se gorava uma reunião com as confederações patronais e sindicais porque não havia uma versão final do documento (aprovado no sábado em conselho de ministro extraordinário) e o presidente da AR fazia paciências à espera do carteiro (é uma maneira de dizer).

É claro que nada disto é inocente. Se o ditado ensina que «enquanto o pau vai e vem folgam as costas», no caso vertente o que tudo indica é que ao Governo interessa sobremaneira esta divulgação do PEC às mijinhas, perdoe-se a expressão, para apalpar terreno e tomar o pulso às reacções.

Não foi certamente por acaso que esta segunda-feira ficou marcada por múltiplas declarações de governantes, amplamente reproduzidas nos noticiários da noite e fazendo manchetes de jornais no dia seguinte, defendendo medidas preconizadas no documento a que ainda poucos tinham tido acesso. É o caso, por exemplo, de Teixeira dos Santos e Helena André, que assestaram as suas baterias na tentativa de convencer os portugueses de que os anunciados «ajustes» nas regras do subsídio de desemprego se destinam a «incentivar» o regresso à vida activa. Se um alienígena os tivesse ouvido era capaz de ter ficado a pensar que estar desempregado é uma opção e que nessa condição se auferem chorudos proventos.

Coube ao ministro das Finanças admitir que o subsídio de desemprego pode diminuir, enquanto para a ministra do Trabalho ficou a incumbência de apontar o «paradoxo» de haver postos de trabalho que não são preenchidos numa altura em que o desemprego é tão elevado. Moral da história? Vão trabalhar malandros, o que eles querem é receber sem fazer nada, etc., etc., etc., como os patrões não se cansam de dizer e muitos papagaios tontos repetem. A «solução» encontrada pelo Governo para tamanho «paradoxo» é velha como a história da exploração: corte-se no desemprego e obrigue-se os desempregados a trabalhar por ainda menos salário. O Estado poupa uns cobres arrecadados com os descontos de quem vendeu e vende a força de trabalho (que podem vir a fazer falta para os gestores, banqueiros e outros que tais...) e os patrões agradecem os assalariados a preço de saldo. De caminho, a medida serve de aviso à navegação: cuidadinho com as reivindicações que há aqui muita mão-de-obra barata para satisfazer as necessidades.

Mas para que se não diga que o Governo (do PS, é bom lembrar) não falou de flores, eis que o ministro da Economia, Vieira da Silva, veio a terreiro anunciar um novo plano no sector da energia que irá produzir nada mais nada menos do que 130 000 watts, perdão, postos de trabalho, certamente para juntar aos outros (os tais) 150 000 prometidos faz tempo, melhor dizendo, antes de chegarmos a mais de 10,5 por cento de desemprego oficial. Paradoxo? É mesmo um desconchavo.
  • Anabela fino

quinta-feira, 18 de março de 2010

Cínicos e desprezíveis


A expressão money for the boys atirada por Teixeira dos Santos a propósito da aprovação pela Assembleia da República da reposição em Orçamento de Estado das verbas retiradas às freguesias que têm eleitos em regime de permanência, ficará para a história do Parlamento.

 Menos exuberante que a de Pinho mas não menos primária e esclarecedora. A expressão de Teixeira dos Santos, rosto político do que vai no coração da governação socialista, é um daqueles impulsos que, para lá do que revela de manifesta e irreversível ignorância democrática (que como a educação só tem remédio se aprendida em pequenino), terá explicação maior no domínio da psicanálise e das teorias sobre associação de ideias.

Habituado, ele e o executivo a que pertence, a fazer do governo fonte de produção de boys que enxameiam empresas públicas e outros cargos de nomeação pagos a fardos de dinheiro, Teixeira tira as medidas a outros pelo tamanho do fato que veste.

 É nele e nos seus pares que tem de procurar a corrente de benesses e benefícios fiscais que escorrem para os alforges do capital financeiro e das mordomias que encharcam os bolsos de gestores e administradores com quem convive. Dinheiro para a rapaziada, na versão lusa do que em inglês saiu da boca de Teixeira do Santos, e dificuldades para quem vive do seu trabalho e de outras honradas formas de sobreviver, é o que ele se prepara para continuar a assegurar com o Programa de Estabilidade e Crescimento.


As coisas do costume mas inundadas agora de um imenso cinismo. Os tempos de crise e de sacrifícios impostos à imensa maioria do povo não o são, «porque não é este o momento» (para parafrasear Teixeira dos Santos) quando se trata de tributar as mais valias. A justificação adiantada pelo governo de que os cortes que vai impor no subsidio de desemprego são uma forma de estimular a inserção na vida activa, num quadro em que as perspectivas de desemprego adiantadas por si próprias são para se manter ou ampliar nos próximos quatro anos, é um daqueles tão rasteiros e desprazíveis exercícios políticos que dizem tudo sobre quem os produz.

  • Jorge Cordeiro

sexta-feira, 12 de março de 2010

A votação hipócrita e indecorosa do PE

por Assembleia Nacional do Poder Popular da República de Cuba

Depois de uma campanha concertada de poderosas empresas mediáticas, fundamentalmente da Europa, que atacaram ferozmente Cuba, o Parlamento Europeu acaba de aprovar, na sequência de um indecoroso debate, uma resolução contra o nosso país que manipula sentimentos, distorce factos, esgrime mentiras e oculta realidades. [1]

O pretexto utilizado foi a morte de um recluso, primeiramente condenado por delito comum e depois manipulado por interesses norte-americanos e pela contra-revolução interna, que por vontade própria recusou ingerir alimentos, apesar das advertências e da intervenção de médicos especialistas cubanos.

Este lamentável facto não pode ser utilizado para condenar Cuba com o argumento de que podia tê-lo evitado. Se há campo em que não há palavras para atacar Cuba, pois a realidade é irrefutável, é o da luta pela vida dos seres humanos, sejam eles nascidos em Cuba ou noutros países. Basta o exemplo, silenciado pela imprensa hegemónica, da presença de médicos cubanos no Haiti, desde há onze anos antes do terramoto de Janeiro último.

Por trás desta condenação há um profundo cinismo. Quantas vidas de crianças se perderam em nações pobres pela decisão dos países ricos, representados no Parlamento Europeu, de não cumprir os seus compromissos de ajuda ao desenvolvimento. Todos sabiam que era uma sentença de morte massiva, mas optaram por preservar os níveis de esbanjamento e ostentação de um consumismo a longo prazo suicida.

Também ofende os cubanos essa tentativa de nos darem lições, no momento em que na Europa se reprimem imigrantes e desempregados, ao mesmo tempo que em Cuba o povo cubano, em reuniões de vizinhos propõe os seus candidatos às eleições municipais, livremente e sem intermediários.

Os que participaram ou permitiram o contrabando aéreo de presos, a criação de presídios ilegais e a prática de torturas, não têm moral para avaliar um povo agredido e brutalmente bloqueado.

Tão discriminatória e selectiva condenação só pode ser explicada pelo fracasso de uma política incapaz de pôr de joelhos um povo heróico. Nem a Lei Helms Burton nem a Posição Comum europeia, surgidas no mesmo ano, nas mesmas circunstâncias e com iguais propósitos, ambas lesivas da nossa soberania e dignidades nacionais, têm o mais mínimo futuro, pois os cubanos rejeitam a imposição, a intolerância e a pressão como norma das relações internacionais.

 
11/Março/2010

[1] http://www.europarl.europa.eu/

quinta-feira, 11 de março de 2010

Que política é esta?


Depois do OE eis que finalmente chegou o PEC para sossego da CE, da UE, do BCE e de outras coisas terminadas ou não em «e» que não cabe aqui dizer, até porque, parafraseando o MF que nos coube em sorte, Teixeira dos Santos, a «crise» já passou mas o pior ainda está para vir.

Numa semana recheada de declarações pregando o interesse nacional, planos ditos de estabilidade, manifestações de confiança dos parceiros europeus e dúvidas veladas dos senhores que decidem a quem é seguro emprestar dinheiro com garantia de retorno (acrescido das devidas margens de usura, naturalmente), numa semana destas, dizia, o que mais surpreende é que a ninguém tenha ocorrido perguntar que raio de política é esta que está sempre a ser implementada para reduzir o défice e diminuir a dívida pública, sem que se vislumbre outro resultado que não seja «os do costume» voltarem ciclicamente ao fundo cada vez mais fundo do buraco de que nunca chegam de facto a sair, embora por vezes se tenha a ilusão de se conseguir pôr a cabeça de fora.

E no entanto devia ser óbvia a necessidade de questionar tal política, sobretudo quando se anuncia que 85 por cento da prometida redução do défice nos próximos quatro anos vai ser feita à custa de cortes na despesa e nos subsídios sociais, e que apenas 15 por cento será fruto do aumento das receitas fiscais.

Ou seja, numa altura em que a taxa de desemprego em Portugal continua a crescer, ao contrário do que sucede na média dos 30 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), situando-se de acordo com os dados oficiais em 10,5 por cento – o que nem sequer reflecte o flagelo em toda a sua dimensão –, e quando a maioria das famílias se encontra literalmente com a corda na garganta, ao Governo só ocorre apertar mais o nó.

Das medidas anunciadas ressalta, no respeitante à função pública, a «forte contenção salarial», a antecipação do aumento da idade da reforma e a «aplicação reforçada» da regra que estabelece que só entra um novo funcionário no Estado por cada dois que saírem. E porque «não podem ser só os funcionários públicos a pagar a factura», como Teixeira dos Santos teve o arrojo de dizer sem se engasgar, também os desempregados são chamados ao sacrifício através da «eliminação» dos apoios sociais excepcionalmente decretados no rescaldo da crise, dizendo o executivo que vai «promover um mais rápido regresso à vida activa». Desta vez não se falou dos famigerados 150 000 empregos prometidos noutros tempos, mas há que esperar para ver qual será agora o coelho a sair da cartola. Acresce a isto nova redução dos benefícios fiscais para «corrigir injustiças» e o agravamento dos impostos sobre rendimentos superiores a 150 mil euros por ano, líquidos – a «única medida temporária» no respeitante a medidas fiscais, frisou o ministro, à laia de quem pede desculpa – e temos grosso modo o PEC do nosso descontentamento.

Isto sem falar, claro, do regresso das privatizações, apontadas às mais emblemáticas e rentáveis empresas do Estado que sobraram dos tempos de Manuela Ferreira Leite, quando também por causa do défice e do patamar dos três por cento se pregava o mesmo discurso da mesma cartilha. Que política é esta, amigos? É a política do capital.

  • Anabela Fino

terça-feira, 9 de março de 2010


 A LUTA DA SOMICOR FOI A BEJA

Os trabalhadores lutam pelo aumento do subsídio de fundo e pelo pagamento do valor em falta relativo à compensação do dia de Santa Bárbara (padroeira dos mineiros).

sexta-feira, 5 de março de 2010

Cuba e os Direitos Humanos



Depois de 50 anos de revolução e no que respeita aos Direitos Humanos, Cuba continua a não seguir os exemplos das democracias que a rodeiam e censuram, a começar pela democracia norte-americana.
Koldo Campos Sagaseta* - 05.03.10

Ao contrário de outras democracias americanas em que são comuns e constantes os motins, as mortes em massa em lutas Internas, os suicídios de presos, as mortes de detidos por falta de cuidados médicos, por desnutrição, por tortura, em Cuba há que recuar mais de 50 anos para encontrar um antecedente como o de Orlando Herrera.

E o subdesenvolvimento que Cuba apresenta em matéria penitenciária, igualmente demonstra o seu infeliz atraso no que respeita a Direitos Humanos.

É inconcebível que depois de 50 anos de revolução o governo desse país não tenha podido ver e tomar como exemplo as democracias que o rodeiam e outras da Europa que o censuram para que adopte as políticas humanitárias que lhe propõem.

Não obstante a férrea repressão, em meio século de revolução, Cuba não foi capaz de protagonizar uma só matança popular que a destaque. Ainda não conseguiu emular matanças como a de Tathelolco, no México, onde o exército mexicano despachou um milhar um milhar de estudantes, ou a de Chiapas, onde umas dezenas de ignorantes indígenas foram submetidas a mórbida obediência. Tampouco soube levar a efeito matanças civis como as protagonizadas por polícias brasileiros na favela carioca do Vigário Geral onde foram exterminados 21 povoadores em 1993 e a 400 garimpeiros na selva amazónica em 1987. Nem sequer conseguiu fazer uma matança discreta de estudantes como a executada por soldados estadunidenses no Canal do Panamá na repressão de insensatas reclamações de soberania para a zona, que foi apenas um ensaio para o eficaz bombardeamento do bairro Los Chorritos em que morreram 3 mil panamianos quando, anos mais tarde, invadiram aquele país, ou protagonizar matanças populares como as de Abril de 1984 na República Dominicana, com centenas de mortes pela cidadania às mãos do benemérito exército local em apenas alguns dias de trabalho, ou os vários «caracazos» e «bogotazos» que a história americana regista.

Cinquenta anos de revolução e Cuba ainda não conseguiu reeditar um «Cerro Maravilhas» portoriquenho, ou pôr em funcionamento modelares campos de concentração como o que têm os estadunidenses em Guantânamo, ou em outras dos seus cárceres clandestinos espalhados pelo mundo.

Cuba continua sem saber implementar como costumam na democrática Colômbia o seu exército e os seus paramilitares, o que vem a ser o mesmo, fossas comuns para enterrar milhares de camponeses, e sepultar com cal viva ou fazer desaparecer dissidentes, ao bom estilo da democracia espanhola [1].

Também Cuba não dispõe da eficácia interrogadora dos estadunidenses bem evidenciada no Iraque ou no Afeganistão, além de da carecer dos modernos métodos de interrogatório como os conhecidos por «a bolsa», o aguilhão, as sovas à vontade, as violações, e outras práticas policiais que, em qualquer caso, os juízes trataram de negar e os meios de comunicação ignoraram, dado que a denúncia da tortura, como é sabido, só corresponde a uma estratégia dissidente.

Para corrigir tão histórico atraso e sempre com o pensamento em democratizar a sua sociedade, Cuba deve proceder imediatamente: à neutralização, como na Guatemala, de quatro freiras e um bispo por cada período de tempo determinado ou incendiar uma ou outra embaixada que dê asilo a dissidentes; copiando os exemplos salvadorenhos, de vez em quando deve repreender em plena eucaristia um cardeal [1] e para aí uns cinco jesuítas; a reformar milhares de sindicalistas como na Colômbia, que converteu essa actividade na principal causa de morte entre os trabalhadores; a retirar da circulação os opositores mais recalcitrantes, com a discrição e a impunidade com que o faz, por exemplo, o actual governo hondurenho; a disparar contra jornalistas com a precisão e o alcance dos marines norte-americanos em todas as partes do mundo, ou a reprimir nas ruas com a devida contundência qualquer manifestação popular, tal como vemos e apreciamos nas irrepreensíveis democracias americanas e europeias.

Cuba também deve neutralizar estudantes pérfidos e professores cúmplices como na democracia peruana e eliminar perigosos comunicadores como o fez a democracia argentina com as pessoas de Bonino e Cabezas, o gioverno peruano nos Andes de esse país, o Estado mexicano e o colombiano a todo o pé de passada, o como ocorreu na República Dominicana com Orlando Martinez, Goyito e Narcisazo.

Cuba deve aprender a rebentar os opositores ao regime, como fez a democrática polícia de Pinochet e a própria CIA nos ilustrou com o assassínio de Letelier [3] e da sua secretária a um par de quarteirões da Casa Branca. Cuba deve aprender a fazer desaparecer não só as queixas dos inconformados dissidentes mas também os próprios dissidentes, tendo em consideração as sábias experiências das democracias militares da Argentina, do Chile e do Uruguai e as suas operações Condor, que no mar nunca vão descobrir-se inconvenientes fossas comuns; a seguir deve proceder a fortes matanças de negros, como na democracia estadunidense nos anos sessenta ou, mais recentemente, em Los Angeles depois das desordens ocorridas a seguir ao democrático espancamento de um suposto cidadão negro.

E para melhor iniciar estas reformas, Cuba deve mandar pelos ares um ou outro avião de passageiros, tal e como fizeram milicianos anticastristas e agentes da CIA, como Posada Carriles e Orlando Bosch [4].

Cuba ainda nem sequer foi capaz, apesar do tempo decorrido, de aprender a cometer erros como o que recentemente a CIA reconheceu ao mandar derrubar um avião carregado de missionários estadunidenses a quem confundiram com narcotraficantes, ou como os tantos e tão sangrentos erros que nas suas guerras humanitárias desencadeiam as forças da paz da NATO e os Estados Unidos nos países que ocupam.

E estes não são as únicas mudanças que Cuba deve enfrentar.

Em matéria de educação deve proceder imediatamente a uma massiva campanha de animalização que devolva o povo cubano à feliz ignorância em que vivia antes da revolução; deve erradicar das escolas costumes tão obscenos e perniciosos como a do fornecimento do pequeno-almoço escolar, substituindo o leite e o pão por cimento e gasolina; deve estimular nos seus estudantes condutas cívicas e democráticas como as que se dão nos Estados Unidos para que os alunos da pré-primária e primária protagonizem matanças escolares dignas de encómio. Tal atraso poderia contrariar-se submetendo os estudantes cubanos a permanentes sessões de cinema e televisão genuinamente «americanas» que substituam os caducos e tresloucados princípios da educação cubana pelos competitivos e cristãos valores estadunidenses.

Cuba também deve estabelecer um encerramento massivo de escolas e institutos para que a sua infância possa deambular nua e descalça pelas ruas do país, apanhando garrafas e dedicando-se a outras actividades sãs e mercantis que a ajudem a compreender as características da sociedade a que Cuba tem necessidade de assemelhar-se.

Ocasionalmente, como ocorre noutras democracias latino-americanas a que Cuba deve abrir-se, tal e como pediu sua santidade João Paulo II, procedendo a uma ordenada e meticulosa neutralização dos excedentes infantis nas ruas do país, para o que polícia cubana deveria procurar ser assessorada por peritos comandantes das polícias da Colômbia, Guatemala e Brasil.

Em relação à saúde, Cuba deve suprimir o seu ineficaz sistema de hospitais públicos e laboratórios, criando modernos consultórios de curandeiros. Nos centros médicos que não possam ser reconvertidos deverá ser imposto o pagamento obrigatório, como garantia prévia ao internamento do doente, incluindo aqui as urgências. Os que não estejam em condições de suportar os custos poderão sempre ser democraticamente mandados para a rua. Nas maternidades, como acontece em democracias vizinhas de Cuba, cada cama deve ser ocupada por duas ou três parturientes para que possam partilhar tão bela experiência, ajudar-se na contagem das dilatações e juntas fazerem força. A injusta distribuição dos rebentos será substituída pela permuta de bebés e os sequestros de recém-nascidos, à semelhança do que acontece nos países vizinhos. Imediatamente, Cuba deve igualmente proceder ao encerramento do Hospital Pediátrico de Tarará, a 20 quilómetros de Havana, onde o Estado cubano tem vindo a tratar grátis, até hoje, 25.000 meninos e meninas de Chernobyl e outros países do terceiro mundo, para, então, pode dedicar esse despautério aos investimentos em Bolsa. Pela mesma razão deve ser encerrada a Universidade Internacional de Medicina, onde milhares de estudantes latino-americanos sem recursos estudam para essa carreira e dedicar esses bens e terrenos á construção de campos de golfe.

No que respeita ao desporto, Cuba deve proibir, definitivamente, costumes tão insensatos como correr, saltar e outras impudicas semelhantes, bem como fechar estádios e campos de desporto para inaugurar em seu lugar casinos, hipódromos e galleras [5], bancas de apostas e lotarias, rifas diplomáticas e outras lúdicas recreações.

No campo cultural Cuba deve fechar todas as absurdas escolas de cinema, de teatro, de dança e de outras denegridas actividades para a condição humana, fomentando em seu lugar «música pimba» tão do agrado dos turistas como «el perrito», «el pollito» e «el maco-penpén». Também deverão promover espectáculos como os «t-shirt molhada» e toda a espécie de nus, naturalmente artísticos.

Na habitação Cuba deve esmerar-se na construção de modernos condomínios ao estilo das democracias próximas e que em sua honra se chamarão o Pântano, o Buraco de Chulín, Vietname, Camboja, os Cartões e a Cucaracha, todos dotados das correspondentes águas negras e aromáticas pestilências

Quanto ao trabalho Cuba deve diversificar as suas políticas de emprego para melhor encarar a presente crise com novos ofícios e profissões como: limpa-vidros, mergulhadores, do que houver [chiripero], vendedores de lotaria, vendedores de cachorros quentes e outros ofícios idênticos.

Do mesmo modo, os anacrónicos monumentos a Che, a Máximo Gomes, ou a Marti devem ser substituídos por monumentais faróis em homenagem ao nobre corsário Drake, e estátuas de empresários como Al Capone ou de santidades como Escrivá de Balaguer.

É uma lástima que Cuba, não obstante o clamor dos meios de comunicação do mundo livre para que se converta numa outra democracia como as descritas, se empenhe em continuar a ser diferente.
Notas do Tradutor:


[1] O autor refere-se aos GAL, um autêntico esquadrão da morte, criado em Espanha no tempo do governo do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) liderado por Filipe Gonzalez.

[2] Cardeal Romero que foi assassinado em plena missa, há cerca de 30 anos, sem que o Vaticano tenha feito os protestos adequados à gravidade do acto.

[3] Orlando Letelier foi ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de Salvador Allende

[4] Dois terroristas confessos responsáveis por muitas mortes, vivem livremente nos EUA com acesso a verbas governamentais, que lhes garantiu e aumenta as grandes fortunas que possuem. Vários países da América Latina pedem a sua extradição para serem julgados por crimes de morte praticados nesses países, mas os EUA protegem-nos e não os extraditam.

[5] Locais apropriados para luta de galos

* Escritor e jornalista basco

Publicado por Odio de Clase: http://odiodeclase.blogspot.com/2010/03/las-carencias-de-cuba-en-derechos.html

Tradução de José Paulo Gascão

quinta-feira, 4 de março de 2010

Gregos recusam chantagem


A crise é do capital


A greve geral que paralisou a Grécia, no dia 24, foi uma resposta clara dos trabalhadores dos diferentes sectores às leoninas medidas de austeridade anunciadas pelo governo do PASOK.

Pela primeira vez desde que os «socialistas» do PASOK retomaram a governação da Grécia, todas as centrais sindicais apelaram à greve em defesa dos direitos e dos salários. Todavia, enquanto as centrais maioritárias no sector privado e público (GSEE e ADDEY) desfilaram sob a palavra de ordem «Fim à chantagem dos mercados e dos especuladores», a Frente Militante dos Trabalhadores (PAME) aproveitou a mobilização da greve para explicar que a raiz dos problemas do país não está meramente na especulação, mas no próprio sistema capitalista em crise profunda, que procura salvar-se à custa das massas populares.

Foi neste sentido que a PAME e os comunistas gregos desenvolveram uma intensa actividade nos locais de trabalho, apelando aos trabalhadores a desafiarem a manipulação e a intimidação: «O governo, a União Europeia e a plutocracia já disseram o suficiente. Se essas medidas bárbaras vão ou não ser aprovadas dependerá também da atitude e da acção do povo trabalhador», declarou na véspera da greve o gabinete de imprensa do CC do Partido Comunista da Grécia.

O bloqueio do edifício da bolsa de valores de Atenas por sindicalistas da PAME, no dia 23, foi outra acção com grande impacto público, que se destinou a chamar a atenção para os verdadeiros causadores das dificuldades do povo. Junto às três entradas bloqueadas, os sindicalistas colocaram cartazes esclarecedores: «Aqui está o dinheiro: os depósitos das empresas em 2004 foram de 36 mil milhões de euros. Em 2009 atingiram os 136 mil milhões de euros. O PASOK e o ND encheram os bolsos dos banqueiros com montantes que totalizam entre 233 mil milhões e 759 mil milhões de euros.»

Enfrentar o inimigo

Num dia em que a actividade económica do país ficou quase totalmente paralisada (encerraram milhares de fábricas e empresas, estaleiros de construção, escolas, portos e aeroportos., etc.), muitas dezenas de milhares de trabalhadores participaram nas manifestações e comícios em todo o país.

Na concentração da PAME no centro de Atenas, que antecedeu o desfile para o parlamento, Iannis Tolis, presidente da federação dos sindicatos dos gráficos, notou que «as forças do capital e os seus representantes políticos sabem que quanto mais chantagearem e intimidarem os trabalhadores, mais ódio e indignação causam. Eles temem a perspectiva de um levantamento geral dos trabalhadores e, por esse motivo, criaram uma frente em que estão unidos o governo e a oposição, o patronato e a UE, bem como todos os partidos que vêem na União Europeia o único caminho possível».

Presente no comício, a secretária-geral do Partido Comunista da Grécia, Aleka Papariga, apelou aos trabalhadores a superarem «o medo e o fatalismo», e a enfrentarem o inimigo, evitando cair na sua armadilha.

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