quinta-feira, 7 de abril de 2011


O caso islandês

Uma dívida rejeitada pelo povo





Com cerca de 320 mil habitantes, a Islândia foi levada à bancarrota, em Outubro de 2008, quando os três principais bancos da ilha, que haviam sido privatizados em 2003, abriram falência depois de terem acumulado uma dívida de 61 mil milhões de euros, montante 12 vezes superior ao Produto Interno Bruto do país.

Para trás ficaram cinco anos de práticas especulativas, projectadas muito para além fronteiras do país, que ajudaram a criar a ilusão de uma prosperidade sem limites proporcionada pelo livre mercado e pelas «audazes» políticas neoliberais, seguidas por um governo orgulhoso de ter alcançado o PIB per capita mais elevado do mundo.

Porém, quando a bolha rebentou, os aficionados do mercado livre apressaram-se a nacionalizar os três grandes bancos (Kaupthing, Glitnir Bank HF e Landsbanki Islands HF) e a pedir ajuda ao FMI para cobrir o buraco.

Mas pouco havia a fazer. O «tigre nórdico» estava encurralado. A coroa islandesa desvalorizou 80 por cento, a bolsa de valores, que chegou a ser comparada ao «Wall Street do Árctico», ficou suspensa por vários dias, o PIB caiu sete por cento em 2009 e só no final de 2010 começaria a estabilizar.

Na rua, os islandeses manifestaram-se contra o pagamento da dívida da banca privada, designadamente os famosos depósitos do Icesave, filial do Landsbanki que, graças a juros superiores a cinco por cento, tinha atraído numerosos clientes na Holanda e na Grã-Bretanha, cujos governos queriam agora ser ressarcidos de 1700 milhões, no primeiro caso, e de cinco mil milhões, no segundo.

Face à pressão popular, o governo conservador demite-se em Janeiro de 2009, e um novo executivo, formado por sociais-democratas e verdes, toma posse após as eleições de Abril, levando ao parlamento a polémica lei que previa o pagamento de 3500 milhões de euros, durante 15 anos, a um juro de 5,5 por cento.

O povo volta a sair à rua, exigindo um referendo sobre a questão. A consulta tem lugar em Março de 2010, e o Não (ao pagamento da dívida) vence com 93 por cento. Que aconteceu desde então?

Face ao incumprimento, o FMI congelou os empréstimos ao país. Porém, a vida não parou, embora a escassez de notícias na imprensa internacional o possa sugerir. O povo insistiu em responsabilizar criminalmente os autores do saque. Foram emitidos mandados de captura contra altos executivos e banqueiros, que abandonaram a ilha. O próprio antigo primeiro-ministro conservador, Geir H. Haarden, teve de prestar contas no parlamento.

Em Novembro de 2010 foi eleita uma Assembleia Constituinte, composta por 25 representantes eleitos entre 522 candidatos, que iniciaram os seus trabalhos, em Fevereiro passado, com base em propostas aprovadas em várias assembleias realizadas em todo o território, com o objectivo de estabelecer novos princípios constitucionais para a organização política e económica da ilha.

A saída da crise ainda não se vislumbra, já que o colapso do sistema financeiro pôs em causa todo o tecido produtivo e empobreceu o país. Contudo, o povo islandês preferiu não ficar amarrado a uma dívida criada pela grande burguesia e seguir em frente procurando uma alternativa de desenvolvimento assente em forças e recursos próprios.


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