quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Caridades


António Mexia é, definitivamente, um bom rapaz.

Nem o coração mais empedernido deixaria de se sentir embevecido com o gesto altruísta do presidente da EDP a entregar um parzito de camisolas usadas e um boneco piroso para a empresa que dirige distribuir pelos pobrezinhos.

Nesta overdose de caridade que a comunicação social dominante nos tem servido nas últimas semanas – em que os restaurantes fazem gala de oferecer os restos aos desvalidos da vida, as grandes superfícies competem para ver qual delas vende mais (e ganha mais com isso) presentes para distribuir a quem mais precise e as televisões pedem que quem tem pouco ligue para números de valor acrescentado enquanto eles embolsam o valor da publicidade dos intervalos das galas – ver António Mexia muito empenhado numa destas operações não deixa margem para dúvidas.

A EDP teve, em 2009, apenas 1024 milhões de euros de lucros. Logo, 2 milhões e 700 mil euros todos os dias. Compreende-se que, para fazer caridade, tenha que pedir a outros para distribuir umas roupinhas e uns brinquedinhos aos mais desfavorecidos. E que ao mesmo tempo lhes reclame mais 3,8% na factura mensal da electricidade.

António Mexia, por seu lado, o administrador mais bem pago das empresas do PSI-20, recebeu em 2009 qualquer coisa como 3,1 milhões de euros.

Portanto não espanta o seu empenhamento, o seu altruísmo, acondicionado em duas sacas compradas para o efeito, com a entrega, por mera coincidência acompanhada pelas câmaras de televisão, de duas pecinhas de alta costura, já gastas mas ainda muito apresentáveis e do tal boneco piroso. Só um, pois era o único que sobrava lá em casa.

Assim como não espanta que Mexia, no dia em que anunciou um novo aumento dos lucros em 4%, tenha anunciado a sua satisfação com a aprovação do Orçamento do Estado para 2010. O tal em que se consumou o tango do PS com o PSD, apadrinhado pelo Presidente da República, e que vai provocar mais desemprego, mais dificuldades e mais pobreza.

Mas não há problema. Para o ano, Mexia e a EDP vão oferecer, caridosamente, mais duas camisolinhas. E um par de peúgas!
  • João Frazão

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

As sobras

A recente troca de galhardetes entre Sócrates e Cavaco a propósito dos alegados sentimentos e preocupações que ambos nutrem em relação à pobreza é um exemplo esclarecedor da tragicomédia que se vive em Portugal.

De uma forma que quase se poderia classificar de obscena, os dois políticos – que têm em comum largos anos de responsabilidades governativas e de implementação de políticas ao serviço do capital – travaram-se de razões à conta dos pobres.

Cavaco abriu as hostilidades na iniciativa «Direito à Alimentação» promovida pela Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal, que pretende distribuir as sobras de restaurantes por cerca de 4500 instituições do País. Cativado pela ideia, o actual Presidente da República disse considerar ser «um dever moral» apoiar a causa, alertou para a «pobreza envergonhada» e foi ao ponto de reconhecer que «temos de nos sentir envergonhados» por haver portugueses com fome. Não fosse restar alguma dúvida sobre os seus sentimentos afirmou ainda que a preocupação com as desigualdades sociais, a pobreza e a exclusão o acompanham desde o início do seu mandato presidencial. (Antes devia andar distraído. Acontece.)

Sócrates, sabe-se lá porquê, achou que Cavaco estava a atacar o seu Governo e vai daí toca de zurzir forte e feio nos «políticos que não resistem à exploração mais descarada da pobreza e das dificuldades do País» e aos que cedem ao «exibicionismo» das suas acções, ao mesmo tempo que garantia fazer parte dos que, sem alarde, fazem «tudo o que está ao alcance de um político para desenvolver políticas que reduzam as desigualdades». Presume-se que estivesse a pensar nos PECs.

Escusado será dizer que nenhum dos dois relacionou a política que ambos praticaram e praticam com o flagelo da pobreza. Dir-se-ia que os pobres se materializaram entre nós por um passe de mágica. Gente que trabalha e passa fome é assim uma espécie de fenómeno, um enigma por resolver, que não tem nada, mas absolutamente nada a ver com décadas de política atacando direitos, atacando salários, ajudando especuladores, apoiando a exploração cada vez mais desenfreada. O preço da saúde, da educação, da casa, da comida... sempre cada vez mais longe do salário hipotecado ao banco ou ao supermercado é coisa que como se sabe gera riqueza. Não é para todos? Paciência. É dos livros que os ricos custam muitos pobres.

A nova vaga está pronta a dar à costa em Janeiro com as «medidas de austeridade para todos» que PS e PSD aprovaram e Cavaco vai assinar, a bem da nação, como se dizia. Sócrates, esse «verdadeiro combatente contra a pobreza», vai prosseguir a luta com toda a discrição. Cavaco, por seu lado, acredita na caridade, venha ela das sobras dos restaurantes ou da solidariedade dos portugueses, e até faz questão de lembrar que a recente recolha do Banco Alimentar Contra a Fome «foi a maior de sempre», apesar da crise ou por causa dela.

Podemos pois estar descansados que enquanto sobrar uma sopa, um prato de batatas, um rissol, quem sabe um filé mignon da mesa dos ricos haverá sempre uma mão pronta à caridade. A outra – não se pode ter tudo! – é a que nos rouba os salários, mas isso faz parte destes contos imorais da política oficial.
  • Anabela Fino

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Os dois


Andam, os dois, há 34 anos consecutivos a fazer a mesma política de direita, numa representação consabida, cumprindo rigorosamente as marcações da alternância disfarçada de alternativa que é o seguro de vida comum aos dois.

Foram, os dois, peças fundamentais da contra-revolução que liquidou a democracia de Abril e instalou esta faz-que-é-mas-não-é democracia.

Foram, os dois, os carrascos de tudo o que de novo, de moderno, de avançado, de progressista, a Revolução de Abril criou.

Foram, os dois, os coveiros da participação popular na construção da democracia avançada de Abril.

Foram, os dois, a guarda avançada dos grandes agrários e do grande capital no caminho da restauração do capitalismo monopolista de Estado.

Fizeram, os dois, dos direitos e interesses dos trabalhadores o alvo prioritário a abater.

Espalharam, os dois, o desemprego, a precariedade, os salários em atraso, a exploração, a injustiça, a pobreza, a miséria, a fome.

Fizeram, os dois, dos interesses dos grandes grupos económicos e financeiros o alvo exclusivo a favorecer.

Planearam e executaram, os dois, a desorganização e destruição do aparelho produtivo nacional.

Vibraram, os dois, criminosas machadadas nos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Depositaram, os dois, a independência e a soberania nacionais nas garras do imperialismo norte-americano e da sua sucursal europeia.

Envolveram, os dois, Portugal em guerras de ocupação imperialista, tornando-se co-responsáveis do massacre de centenas de milhares de homens, mulheres e crianças inocentes.

Trataram, os dois, a Constituição da República Portuguesa, Lei Fundamental do País, como um papel de embrulho.

Aprovaram, os dois, os PEC’s e o OE da desgraça.

Empurraram, os dois, Portugal para o buraco negro em que hoje está.

Agora, os dois, fingem que nada têm a ver com tudo isto e apresentam-se como portadores da política salvadora – que é, confessam os dois, a mesma com a qual, os dois, conduziram Portugal à dramática situação existente...

Sem ponta de vergonha, os dois.

Sem sombra de respeito pela inteligência e pela sensibilidade dos portugueses, os dois.
  • José Casanova

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Não estão todos no mesmo barco


Anda pelo país – e não só – uma grande revoada de apelos às ajudas misericordiosas.

Fala-se muito em interajuda, em solidariedade, em «protecção dos mais desfavorecidos pelos que não se encontram tão atingidos pela «adversidade»..

Sujeitos de papada gorda afirmam com ar convicto que «a luta de classes está ultrapassada»; senhoras de rosto seráfico garantem que «numa sociedade em dificuldades as lutas só vêm dificultar as soluções».

Os partidos de direita em coro com o PS repisam que «é necessária uma conjugação de todos para ultrapassar as dificuldades». E o Presidente-Candidato garante: «eu bem avisava» (só que ninguém deu por isso!).

A conciliação de interesses é sempre uma forma tentada pelos círculos dominantes (e pelo poder) para amortecer, dificultar ou impedir as lutas contra eles travadas. Modernamente tem como pano ideológico de fundo as veemência do ultra-liberalismo económico e a via reformista da social democracia (por vezes com discreto recurso à doutrina social da Igreja).

Portugal tem uma dolorosa experiência de onde podem levar essas piedosas declarações.

Só que, em Portugal, a conciliação foi imposta à força, cm o «Estado Novo Corporativo», figura jurídica de topo que representava politicamente um povo submetido com mão de ferro aos interesses do capital dominante, em todas as estruturas «sociais» do regime fascista: e qualquer organização social que tentasse fugir a esta «harmonia nacional» era simplesmente ilegalizada.

Não é fácil aos modernos conciliadores fazer o mesmo. Mas a filosofia que tentam instalar é idêntica: vai directamente à preparação de um conformismo atentista e desistente - socialmente instalado como solução «credível», «de bom senso», «pacífica» e de «urgente necessidade».

Mas atenção: é que em Portugal e no mundo – não estão todos no mesmo barco...

As classes sociais existem, e os que as negam bem sabem que sim. Muitas vezes o que querem é apresentar-se como clientes das classes privilegiadas...

Na sociedade capitalista não têm todos os mesmos interesses – nem podem aceitar as soluções que os senhores da Banca querem impôr ao mundo.
Por isso mesmo: A LUTA CONTINUA!
  • Aurélio Santos

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

São os lucros e não os salários


No dia seguinte ao chumbo pelo PS, PSD e CDS da proposta do PCP na Assembleia da República que visava a tributação dos dividendos dos grupos económicos, cuja distribuição estes decidiram antecipar de 2011 para 2010 – roubando assim umas centenas de milhões de euros ao Estado –, surgiu com grande estrondo nos principais meios de comunicação social a notícia de que, nos Açores, os salários dos trabalhadores da administração pública regional não seriam alvo de cortes.

As reacções foram as que se esperavam. Na tentativa de fazer esquecer a vergonhosa recusa da proposta do PCP sobre a taxação dos dividendos e de recentrar o debate ideológico no corte nos salários, sucederam-se declarações durante toda a semana.

Desde logo do próprio Presidente da República (e também candidato), que tinha ficado calado perante a golpada dada pelos grupos económicos com a antecipação da distribuição dos dividendos mas que, em relação aos cortes salariais, até a Constituição da República decidiu invocar para exigir a penalização de todos os trabalhadores. Uma declaração, aliás, coerente com uma vida de ataque aos salários quer como primeiro-ministro, quer como Presidente.

Manuel Alegre, também ele candidato à PR, no seu contorcionismo habitual, nuns dias criticou a decisão dos Açores, noutros considerou-a legítima. Enfim, o costume de quem quer andar à chuva sem se molhar.

E no meio desta erupção mediática, onde medram cálculos e oportunismos vários, registe-se ainda a dupla face de BE e CDS. Quem ouviu a deputada do CDS condenar o Governo por permitir a «excepção» aos cortes nos salários não imaginaria que o seu partido se tinha afinal abstido em relação a esta proposta nos Açores. E quem viu os deputados do BE a votar contra esta decisão na Assembleia Legislativa Regional nunca imaginaria que dias depois Francisco Louçã haveria de a defender com tamanha convicção.

Enfim, sobra o claro posicionamento de classe e a respectiva coerência de argumentos do PCP. Que não só esteve contra o corte nos salários como propôs e votou a favor de um apoio compensatório aos funcionários públicos nos Açores. E que não só denunciou a inaceitável manobra dos grupos económicos de fuga o fisco como apresentou uma proposta concreta para impedir tal golpada. Pois sabemos que é nos lucros escandalosos dos grupos económicos e não nos salários que se encontram as razões de tantas injustiças.

  • Vasco Cardoso

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010



A confissão de Belmiro


Soubemos, na passada sexta-feira, por antecipação fornecida pela imprensa on-line de um artigo de opinião que seria publicado no dia seguinte em dois jornais nacionais – Público e Expresso – que Belmiro de Azevedo apoiava o candidato Cavaco Silva, nas próximas eleições presidenciais.

Uma declaração que só poderá surpreender quem não tenha, a esta altura do campeonato, a exacta noção de que é com o actual Presidente da República, que é com aquele que foi ao longo das últimas décadas um dos principais responsáveis pela situação a que o país chegou, que o grande capital conta para prosseguir no futuro imediato a sua brutal ofensiva contra os direitos dos trabalhadores.

Belmiro de Azevedo é coerente com os seus interesses. Apesar da ilustrativa «simpatia particular» que lhe merece a candidatura de Manuel Alegre, é com Cavaco que ele está. Assim disse o Engenheiro que considera que «jamais escolheria esta circunstância do País para ajustar contas», pelo que Cavaco é o homem que oferece «segurança aos mercados». Isto é, Cavaco está com os mercados e os mercados estão com Cavaco.

Aqui chegados, importa sublinhar que aquilo que é bom para Belmiro de Azevedo, aquilo que é uma segurança para os «mercados» não serve nem aos trabalhadores, nem ao povo, nem ao País. E se temos de memória viva, o papel de Cavaco na actual situação – crise, desemprego, liquidação da capacidade produtiva, injustiças sociais, dependência externa, corrupção – será bom prevenir que uma eventual reeleição deste senhor, daria cobertura política e institucional ao conjunto de medidas que, com ou sem FMI, o Governo PS e o PSD, se preparam para aplicar.

Belmiro conta com Cavaco para continuar a agravar a exploração, para pagar o salário mínimo e impor o trabalho aos domingos e feriados dos seus mais de 100 mil trabalhadores, para continuar a contornar o fisco livrando-se de impostos que fazem falta ao País, para prosseguir com a ruína de milhares de pequenas empresas incapazes de «competirem» com as grandes superfícies, para liquidarem milhares de pequenos agricultores esmagados pela ditadura da grande distribuição, para incrementar a jogatana na bolsa e na especulação financeira com a drenagem das mais-valias provenientes do sector produtivo.

Há no entanto uma virtude nesta declaração de Belmiro. O seu apoio a Cavaco e mesmo a sua «simpatia» por Alegre é, de certo modo, um certificado de garantia de que é na candidatura de Francisco Lopes que reside a efectiva mudança de que o País precisa. De que é com Francisco Lopes, que todos aqueles que estiveram com a greve geral de 24 de Novembro, podem contar.
  • Vasco Cardoso

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

 

 
Dois casos a benefício do inventário
 
Esta quinta-feira, 2 de Dezembro, entre as muitas iniciativas programadas estão duas que merecem particular destaque. Uma é a reunião da concertação social, que vai ter como prato forte as propostas do Governo para «aprofundar» as reformas do mercado de trabalho tendo em vista ajustá-las às actuais condições económicas, como fez saber o ministro da Finanças. A outra é a votação na Assembleia da República da proposta do PCP que visa permitir a tributação, ainda este ano, da distribuição de dividendos que várias empresas se preparam para fazer antecipadamente de forma a fugir à cobrança de impostos sobre tais lucros inscrita no Orçamento do Estado para 2011.
 
No primeiro caso, a flexibilização laboral – eufemismo usado para a liberalização dos despedimentos, entre outros aspectos – é apresentada como uma (mais uma) inevitabilidade, servindo a crise para explicar todas as mudanças de regras que liquidam direitos dos trabalhadores. Em boa verdade pode mesmo dizer-se que o Governo diz querer discutir com os «parceiros» já está acordado com os «patrões» europeus, como amavelmente fizeram saber este domingo o presidente do Ecofin e o comissário europeu para as questões económicas e monetárias, ao congratularem-se em Bruxelas por Teixeira dos Santos ir «adoptar reformas no sector da saúde, do mercado de trabalho, dos transportes (...)» e encorajando as autoridades portuguesas a intensificá-las.
 
No segundo caso, pelo contrário, a tributação dos lucros está mais encrespada do que mar alto em noite de temporal. Ao que parece o PS não vê jeitos de encontrar uma «solução técnica adequada», receia os efeitos «imprevisíveis» da súbita mudança de regras, pelo que está «inclinado» a rejeitar a proposta dos comunistas e a não tomar qualquer iniciativa legislativa sobre a matéria. Mas atenção, os que embolsarem milhões de lucros por antecipação serão punidos com a dolorosa pena da «sanção moral», o que muito angustia a PT, Portucel, Jerónimo Martins, Sonae e outras que tais. Quanto ao PSD, já se sabe, preza muito a vertente moral.

Apaziguadas assim as consciências, segue o discurso do «sacrifício para todos».
  • Anabela Fino
 

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Esqueletos


 
Na conferência subordinada ao tema «Ainda vale a pena investir em Portugal?», realizada esta semana na Universidade Católica, Belmiro de Azevedo (BA) falou da situação do País e das «consequências sociais imprevisíveis» que daí podem advir, já que os portugueses (e as empresas, na sua opinião) estão a ser compelidos a apertar o cinto tanta vez que se corre o risco de ficar apenas o «esqueleto».
 
Em consequência, o patrão da Sonae questiona-se sobre os seus investimentos. Respondendo à questão que deu mote à conferência disse: «Vale a pena investir. Em Portugal, não sei».
 
As dúvidas de BA – defensor da abertura ilimitada das grandes superfícies para a «criação de emprego» – têm razão de ser. Num contributo inestimável para a criação de novos postos de trabalho, e aproveitando a quadra natalícia, a Sonae contratou novos trabalhadores para fazer embrulhos. Não o fez directamente, antes recorreu aos préstimos de uma empresa de trabalho temporário que dá pelo nome de UR – you are one, o que sempre ajuda ao empreendedorismo, mais a mais com designação anglo-saxónica.
 
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal (CESP) os felizardos entraram ao serviço no passado dia 6 de Novembro e têm contrato até 24 de Dezembro de 2010. O pagamento, esse, será feito mediante recibo verde ou acto único, mas só a partir de 15 de Janeiro de 2011. Quanto ao salário, não tem mistérios: cada contratado recebe 12€ por turno, e cada turno tem cinco horas. Feitas as contas, apura-se que o salário/hora é de 2,4€, ou seja inferior aos 2,7€ que resultam do salário mínimo nacional. Acresce que os trabalhadores assim distinguidos com a oferta de emprego Sonae têm apenas um dia de descanso por semana, não recebem o subsídio de refeição em vigor na empresa, e não recebem trabalho nocturno apesar de um dos «turnos» terminar às 24 horas.
 
Chegado a este ponto, BA – há dias homenageado com o troféu Excelência na Liderança, em cerimónia com a presença do ministro da Economia Vieira de Silva – constata o óbvio: está na hora de largar o «esqueleto» nacional e procurar novos horizontes.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Os negreiros


Anteontem, 2 de Novembro, o dia noticioso ficou marcado pelo «debate» do Orçamento do Estado previamente acordado dias antes nas suas linhas mestras entre PS e PSD, após semanas de autêntico terrorismo mediático. Nesse mesmo dia o Público abria as suas páginas de economia com uma notícia sobre a PSA Peugeöt-Citröen, de Mangualde, reveladora de outro terrorismo que raramente chega às manchetes.

A história, elucidativa da sobre-exploração que grada em Portugal, conta-se em poucas palavras. Depois de ter liquidado, em 2009, cerca de 600 postos de trabalho e de ter abolido o turno da noite, a empresa voltou a reactivar a chamada terceira equipa, desta feita com 300 trabalhadores. Destes, cerca de um terço faz parte do lote dos despedidos no ano passado – «trabalhadores especializados, que tinham um vínculo com a empresa, com vencimentos entre os 700 e os 800 euros», como diz o presidente da Comissão de Trabalhadores, Jorge Abreu –, que «agora regressam a ganhar metade» e apenas por um período de seis meses. O vencimento base oferecido aos contratados, refere o responsável da CT, é de 440 euros, a que acresce 25 por cento de subsídio de turno; feitos os descontos, «muitos não chegam a levar o ordenado mínimo para casa».

A notícia do Público esclarece ainda que numa primeira fase estes trabalhadores foram contratados através de uma agência de trabalho temporário, mas como nestas circunstâncias não podiam ser abrangidos pela «bolsa de horas», destinada apenas a funcionários da empresa, a Peugeöt-Citröen acabou por fazer contratos directos com eles.

Esta história, sendo esclarecedora do ressurgimento dos negreiros no século XXI, está no entanto incompleta. Para se ter a dimensão da sua barbárie importa lembrar que a «bolsa de horas» (imposta ilegalmente ainda antes da entrada em vigor do Código de Trabalho com base num «acordo de traição feito com a anterior comissão de trabalhadores) obriga os trabalhadores a compensar, em períodos de maior fluxo de encomendas e sem quaisquer compensações, o tempo de paragem provocado pela suspensão forçada da produção. Importa também lembrar que esta empresa é uma das muitas apoiadas pelo Governo PS: em 2007 recebeu 8,6 milhões de euros para manter 1400 postos de trabalho até 2013 (o que não cumpriu), e no ano passado terá recebido mais 21 milhões de euros. O caso motivou requerimentos do Grupo Parlamentar do PCP na Assembleia da República, pedindo explicações ao Ministério da Economia e exigindo a intervenção da ministra do Trabalho, mas o regabofe continuou. Importa ainda lembrar que a célula do PCP na Citröen há muito denuncia a situação, como sucedeu no final de Julho último, quando sublinhou o carácter «demagógico, mentiroso e populista» do anúncio da criação destes «novos» 300 postos de trabalho com que o PS e a administração da Citröen se congratularam, procurando «apagar» o despedimento colectivo do ano passado.

Quem a 600 despedidos soma 300 contratados quantos postos de trabalho cria? Esta a pergunta que fazem os comunistas, que não se cansam de denunciar – com ou sem OE – o esbulho dos trabalhadores em benefício do capital com a conivência e o aplauso do PS.
  • Anabela Fino

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O Costume


 
Fernando Nobre, o candidato à Presidência da República, descobriu-se, reinventou-se, definiu-se, eu sei lá.
  
Ele, o monárquico que foi apoiante de Durão Barroso e participante numa convenção do PSD, membro da comissão de honra da candidatura de Mário Soares, mandatário da candidatura do BE ao Parlamento Europeu e depois apoiante do PS e do PSD nas últimas eleições autárquicas, o homem com «valores nitidamente de esquerda», mas para quem «a dicotomia esquerda/direita já está ultrapassada», talvez queira afastar alguma imagem de homem ziguezagueante que, vá-se lá saber porquê, possa ter ficado do seu percurso e, agora, pronuncia-se claramente!
  
Sobre a Greve Geral, é a favor e crítica mesmo Manuel Alegre, pelo facto do poeta candidato não assumir a mesma posição. Aponta a dedo os que ao longo dos últimos anos foram responsáveis, ou co-responsáveis pela situação do país.
 
 E, para que não falte nada, qual Quixote de Cervantes, avança de lança em riste contra o Orçamento de Estado, do qual diz discordar profundamente.
  
Profusamente amplificado pela Comunicação Social ao serviço dos interesses dominantes, Nobre aponta os caminhos para se sair desta situação.
  
E, tão claramente como faz os diagnósticos, afirma esperar, citado pelo matutino Destak, «que nas negociações que começam agora os maiores partidos possam chegar a uma plataforma de entendimento para que possa existir uma nova perspectiva para o país».
 
 Ora bolas, quando estávamos todos à espera que, de Fernando Nobre, viesse um acto de contrição, pelos silêncios cúmplices a que nos habituou ao longo da sua já longa carreira (sim, que não estamos propriamente a falar de um novato na coisa, como acima se viu), e que dali viesse uma proposta nova e de mudança real das políticas que nos desgovernaram nos últimos trinta anos, eis que nos apresenta mais do mesmo. Afinal espera que os do costume, associados aos interesses do costume, façam os acordos do costume, para que possa existir a «nova perspectiva» do costume.
 
 A intenção até pode ser nobre, mas o conteúdo, afinal, é o do costume.
  • João Frazão

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O anúncio


Sem surpresa, sem vangelis e sem meninos guerreiros, mas cumprindo à risca o anúncio feito em primeira mão por Marcelo Rebelo de Sousa e tendo como pano de fundo dez bandeiras nacionais – por ventura para garantir que fosse qual fosse o ângulo das imagens apareceria sempre enquadrado pelo «desígnio nacional» –, Cavaco Silva veio anteontem dizer ao país o que já toda a gente sabia, ou seja que se recandidata a novo mandato como Presidente da República.

Não sendo curial, por razões óbvias, proferir tão distinto anúncio numa das auto-estradas nacionais, o local escolhido foi o que de mais emblemático da política de betão de Cavaco primeiro-ministro se pode encontrar, o Centro Cultural de Belém, com a manifesta vantagem de se situar a escassa distância da residência oficial do primeiro magistrado da nação, o que para além de garantir o cumprimento ao cronómetro do horário estabelecido teve ainda a vantagem de poupar ao presidente em funções nas deslocações do candidato a presidente. Dir-se-á que é uma visão mesquinha de tão distinto acto, mas quando o presidente candidato a presidente faz questão de dizer, invocando a difícil situação económica, ter dado ordens expressas para que os gastos da sua campanha não ultrapassem metade do máximo permitido por lei, a coisa muda de figura. Tanto mais que, como é público e notório, Cavaco presidente não tem feito outra coisa nos últimos meses a não ser poupar nas despesas de Cavaco candidato a presidente, percorrendo o país em mal encapotada campanha às custas do erário público, numa espécie de dois em um que embora eticamente indefensável dará muito jeito quando chegar a altura de apresentar contas.

Quanto ao anúncio propriamente dito, o mais que se pode referir é que nada trouxe de novo, o que já é muito boa vontade, pois em rigor o que se anunciou tresanda a bafio. Ficou-se a saber que afinal continua a haver um «homem ao leme», desta feita em Belém, tão ansioso que o deixem trabalhar como nos tempos em que de S. Bento invectivava as «forças de bloqueio» que combatiam as suas políticas anti-sociais, cujas continua a apadrinhar mas agora na qualidade de «garante da estabilidade social». Ficou-se também a saber – olha a novidade – que o estafado lema «eu ou o caos» continua vivo e recomenda-se, mas agora transformado na fórmula «o que teria sido o país sem mim?», destinada não só a aclamar os feitos do passado mas também a abrir caminho para o inevitável «o que será o país sem mim?» no futuro. Não foi possível, em tão curto espaço de tempo, apurar a resposta dos portugueses a tão candente questão, mas cá por mim, confesso, distraiu-me das requentadas promessas eleitorais e deixou-me o resto da noite a trautear a canção de Sérgio Godinho «que era eu sem a vida/que era a vida sem mim?»... Estou em crer que serão efeitos das dez-bandeiras-dez em que Cavaco se embrulha, ou então do logo tricolor que escolheu para a campanha, três ondas a verde, amarelo e vermelho que pretenderão remeter para o futuro marítimo de Portugal, embora mais pareçam as ondas alterosas da borrasca a que as políticas de direita de Cavaco e Cia conduziram o país.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A liberdade no reino da política de direita

Os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos são um dos alvos preferenciais da política de direita com a qual o PS, o PSD e o CDS-PP vêm devastando o País há 34 anos.

Não surpreende que assim seja, sabendo-se que tal política nasceu do ódio a Abril e tem nos ataques às liberdades conquistadas pela Revolução uma das suas imagens de marca.

No que respeita à liberdade de propaganda, por exemplo, multiplicam-se, de norte a sul do País, os casos de desrespeito pelas leis em vigor por parte das autoridades, as quais, com preocupante frequência, enveredam pelo recurso a práticas e métodos repressivos com iniludíveis cheiros ao antigamente.

Uma notícia publicada na última edição do Avante! dava nota de que

militantes da JCP – quatro raparigas e um rapaz - que pintavam um mural na Rotunda das Olaias, em Lisboa, foram detidos e levados para uma esquadra da PSP, onde permaneceram durante várias horas. Ali, as raparigas foram obrigadas a despir-se.

Sabendo-se que a pintura de murais em local público está consagrada na lei, que igualmente condena o seu impedimento, é óbvio que estamos perante mais um acto de afrontamento da lei por parte de quem tem por obrigação zelar por que ela seja cumprida.

Mas trata-se de mais, de muito mais e mais grave, do que isso: a atitude de obrigar as quatro jovens a despir-se introduz à crescente acção repressiva exercida contra manifestações semelhantes, novos e ainda mais graves elementos, cujo carácter perverso, neste caso, urge denunciar e combater energicamente.

Mais recentemente, no passado dia 22, em Leiria, um outro caso: dois indivíduos à paisana, dizendo-se agentes da PSP, impediram violentamente um grupo de jovens da JCP de colar cartazes alusivos à luta do Secundário. Um dos jovens invocou a lei e exigiu a identificação dos dois indivíduos – que não só recusaram identificar-se como agrediram o jovem, um algemando-o enquanto o outro lhe apertava brutalmente o pescoço, onde várias marcas ficaram assinaladas, após o que o levaram para a esquadra da PSP.

A pergunta impõe-se: a que distância de tudo isto está o 25 de Abril?

E o 24?
  • José Casanova

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Soares e o paradigma

Se bem se lembram tempos houve em que Mário Soares pregava para quem o queria ouvir as virtualidades do «socialismo democrático», cujo era assim uma espécie de supra-sumo da social democracia antes de esgotado o prazo de validade. Mais tarde, como também não faltará quem se recorde, o «socialismo» foi metido na gaveta por força das «circunstâncias» e por lá ficou a aboborar até hoje, paulatinamente substituído pelo «pragmatismo» do mercado comum que havia de ser – garantiam-nos – o húmus fértil da construção europeia que realizaria o seu desígnio de progresso, desenvolvimento e solidariedade na Europa dos cidadãos, assim houvesse coragem e determinação em avançar com políticas comuns aos mais diversos níveis. Volvido um quarto de século há que reconhecer que se «avançou», mas com resultados tais que já nem Soares vislumbra luz ao fundo do túnel.

Comentando esta semana a «questão do Orçamento», o ex-secretário-geral do PS classifica o documento como «uma bomba ao retardador» que vai ter consequências imprevisíveis no plano social, tal a brutalidade das medidas que contém. A culpa não é de Sócrates, garante Soares, lembrando que o primeiro-ministro até disse, «com sinceridade», que algumas das medidas até «cortam o coração».

Mas deixemos por agora o coração partido de Sócrates e vejamos a quem aponta Soares o dedo acusador. O Orçamento, assevera, «foi-nos imposto pelo Banco Central Europeu» – não se sabe se com o coração destroçado, dizemos nós – mas sem margem para dúvidas pressionado pelos mercados, que são «insaciáveis». De acordo com Soares, tal facto resulta «da ideologia neoliberal, que transformou os mercados – que ninguém sabe o que são e quem os comanda – e os pôs no centro da tudo: das sociedades, da política, da ética e das próprias pessoas» (sic).

Como obviamente esta afirmação não pode ser levada à letra – nem a reconhecida «lata» de Soares chega a tanto – resta-nos aferir daquelas palavras que o fundador do PS esperava encontrar no aprofundamento da integração europeia, que sempre defendeu e aplaudiu, um capitalismo que explorasse sim, mas com jeitinho. Não sendo o caso, o que nos resta? Ceder, evidentemente, já que para Soares não há alternativa à aprovação do Orçamento e os «protestos da esquerda radical», como lhe chama, são «simpáticos» para os injustiçados mas não passam disso. Caso essa esquerda chegasse ao poder pelo voto popular – hipótese absurda, diz o «pai da democracia» –, a alternativa seria o regresso ao «orgulhosamente sós» de Salazar ou «um modelo económico tipo cubano». Como se a ditadura fascista não tivesse contado sempre com o inestimável apoio do capitalismo europeu e americano, e como se o modelo cubano, que no entender de Soares é sinónimo de «miséria extrema», não resistisse há quase meio século às pressões do imperialismo americano.

Soares, que diz não gostar das «receitas» do Banco Central Europeu e temer que as mesmas levem «à recessão e à decadência» e mesmo à «desintegração» da União Europeia, só tem uma receita para o desastre: nada de lutas a nível nacional, o que é preciso é mudar de «paradigma» a nível europeu. Eis Soares na campanha para o «capitalismo de rosto humano».
  • Anabela Fino

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A linha do Frete


Há tempos, um «empresário» anunciava, na RTP, que queria trabalhadores e os desempregados, esses malandros, não queriam trabalhar. Anda um homem com tanto esforço a grangear umas camisas para costurar e não há quem queira pespontar umas baínhas ou pregar um botão!

O mal estava, dizia, nos chorudos subsídios de desemprego que lhes permitem rejeitar empregos, continuando as suas vidinhas regaladas.

O tal «empresário», escolhido segundo os melhores critérios jornalísticos de Fátima Campos Ferreira, foi desmentido em directo pelo Director do IEFP e, depois de trafulhices várias, encerrou o negócio, mandando as poucas trabalhadoras, que aguentavam os salários de miséria e as más condições, para a rua sem cumprir os seus direitos.

Vem isto a propósito do programa «Linha da Frente», emitido na passada semana pela mesma RTP, em que a estação pública se esforçou por provar a tese de que empregos há, a malta é que não quer trabalhar.

Ali desfilaram «empresários», a oferecer avultadíssimos salários mínimos, sem que consigam encontrar trabalhadores que se aprestem a agradecer tão elevado favor.

E nem faltaram supostos trabalhadores a atestar que conhecem gente que está bem a receber sem trabalhar.

Revista a peça, que no seu conjunto é pouco mais que boçal, perguntamo-nos porque será que estes «empresários» têm tanta necessidade de renovar os trabalhadores. Os que lá tinham antes não serviam, porquê?

Ou, uma vez que os trabalhadores lá vão, segundo eles à procura de carimbos, porque não insistem os empresários em que eles fiquem a trabalhar?

Ou porque não falaram com os delegados sindicais das empresas respectivas e, se os não há, porque não se questionou a razão de tal facto?

O jornalista nem deve ter percebido a síntese que fez um dos patrões quando dizia que afinal havia quem quisesse trabalhar, mas alguns já tinham 50 anos e não correspondiam ao perfil pretendido – jovem, com responsabilidades a cargo, já com formação na área e que aceite o Salário Mínimo Nacional, mesmo que tenha que gastar 150 ou 200€ por mês para ir trabalhar.

Na semana em que premiaram uns economistas por defender essa execrável tese, e em que o governo anunciou mais cortes nos apoios sociais aos desempregados, este jornalista quis estar na linha da frente, mas, de facto, passou muito para lá da linha do frete. Do frete ao Governo e à exploração.
  • João Frazão

sábado, 16 de outubro de 2010

Os três magníficos


A avaliar pelas notícias e comentários vindos a público nos últimos dias, os três economistas que vão receber dez milhões de coroas suecas (1,079 milhões de euros), uma medalha de ouro e um diploma por terem sido distinguidos com o Nobel da Economia, deram um contributo inestimável à análise do mercado de trabalho e dos fluxos de emprego. Convenhamos que, em ano de desemprego recorde à escala mundial (230 milhões segundo a OIT), o tema é da maior acuidade, embora seja de esperar que o comum dos cidadãos – mais dado ao conhecimento empírico do que a abstracções matemáticas – se interrogue sobre a mais valia de tais conhecimentos, já que não impediram o desastre actual. Uma interrogação legítima, está bom de ver, a que será de toda a utilidade responder, ainda que a resposta arrisque defraudar as expectativas.

Veja-se, por exemplo, o que nos diz o Diário Económico sobre o norte-americano Dale Thomas Mortensen, um dos recém laureados: apresentado como «pioneiro na teoria da procura de emprego», Dale terá recebido o Nobel «pelo seu trabalho de investigação sobre como a rigidez do mercado de trabalho pode provocar ainda mais desemprego já que os desempregados continuam a procurar sempre o melhor cargo, com melhor remuneração». Quanto ao cipriota Chistopher Pissarides, radicado no Reino Unido, terá ganho o prémio «por estudar os fluxos de trabalho e o desemprego, relacionando a criação de emprego ao número de desempregados, número de vagas e intensidade com que é feita a procura de emprego».

Já no que se refere a Diamond, outro norte-americano, as suas análises serão as grandes inspiradoras da repetida tese da OCDE segundo a qual o desemprego de longa duração é potenciado pela «generosidade» dos subsídios de desemprego. Tanto Mortensen como Pissarides desenvolveram e aprofundaram as análises de Diamond, pelo que os três estão em sintonia quanto à forma de encontrar o «equilíbrio» no mercado de trabalho. Por alguma razão o Riksbank (o Banco Nacional sueco), na justificação do prémio, lembrou que o trio escolhido desenvolveu um modelo que ajuda a perceber «a forma como o desemprego, as ofertas de emprego e os salários são afectados pelas políticas económicas».

Se o que atrás se disse soou de algum modo familiar não é de estranhar. Também por cá há seguidores dos agora laureados, como é o caso da ministra do Trabalho do Governo Sócrates, que fala de «política activa de emprego» para justificar as alterações no acesso e manutenção do subsídio de desemprego. A lógica é tão linear que nem se percebe para que é que se gasta um Nobel com isso: quanto menor for o subsídio de desemprego e menos tempo durar, e quanto mais rígidas foram as regras impostas aos desempregados (como por exemplo serem forçados a aceitar trabalho a qualquer preço), mais depressa se restabelece o «equilíbrio» no mercado de trabalho.

 É o que se chama matar dois coelhos de uma cajadada: poupa-se no subsídio e baixa-se o valor do trabalho, já que o contingente dos que hoje se mandam para o desemprego são amanhã a mão-de-obra barata a recrutar.

Atenta como sempre à conjuntura internacional, a Academia sueca fez o trabalho de casa como lhe competia. E não foi só na área da economia.
  • Anabela Fino

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Os nossos filhos e os filhos da outra

Na semana que passou, duas declarações sobre os nossos filhos serviram de alerta para o cheiro a fornos crematórios que emanam camadas crescentes das elítes europeias.

Um deputado do PP espanhol não teve pejo em afirmar que «seria necessário retirar aos pais comunistas a tutela dos seus filhos... e de seguida enviar estas crianças (e os pais também) sem perda de tempo para um campo de reeducação». Na Inglaterra, do mesmo Governo que em Setembro teve um ministro a afirmar que os jovens desempregados deviam ser enviados para a Índia para aprenderem a trabalhar, tivemos agora um outro ministro a teorizar que os desempregados deviam ser proibidos de ter filhos.

Estas declarações são novos exemplos da fascização das classes dominantes, fruto do pânico em que vivem mergulhadas. Presos num sistema que não funciona mas que lhes garante os previlégios, estão dispostos a tudo para o defender. Acreditando ter encontrado uma solução para os seus problemas na brutal intensificação da exploração, no crescimento da agressividade militarista contra outros povos e na repressão (mais ou menos sofisticada) da resistência, trilham esse caminho sem qualquer hesitação. Mas também - inevitavelmente - sem qualquer hipótese de sucesso.

Mesmo condenados à derrota, são sumamente perigosos. E não pode haver hesitações nem ilusões. Têm que ser derrotados o mais depressa possível. Não só porque ao PECn seguir-se-à inevitavelmente o PECn+1. Mas principalmente porque quanto mais depressa os derrotarmos menores serão os estragos que causarão.

Mas também não pode haver precipitações. A inevitável ruptura com a política de direita será o resultado da acção dos trabalhadores e do povo e exige um grau de consciência, organização, unidade e determinação que só será atingido na luta de resistência à actual ofensiva das classes dominantes. Em Portugal como na Europa.

Aos nossos filhos, aos filhos dos trabalhadores e do povo, reservam as classes dominantes a mais negra noite. Só a nossa luta hoje lhes garantirá a alternativa: «a madrugada do dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo».
  • Manuel Gouveia

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Desinformação organizada


 
Os critérios informativos dos média dominantes são particularmente evidentes em tudo o que publicam sobre aqueles países do continente americano cujos povos têm vindo a afirmar-se donos do seu próprio destino e a libertar-se da pata imperialista.
 
 O método que utilizam é multiforme: ou silenciamento absoluto sobre o que não interessa que seja conhecido; ou deturpação e manipulação da realidade; ou divulgação de meias mentiras (ou de meias verdades); ou fabricação de mentiras cirurgicamente direccionadas… sempre visando o objectivo de espalhar dos processos em curso nesses países uma falsa imagem de atropelos à democracia, à liberdade e aos direitos humanos – a sagrada trilogia em nome da qual o imperialismo norte-americano desencadeia os mais brutais atentados... à democracia, à liberdade e aos direitos humanos.
 
 Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, entre outros, são países sob a mira constante do arsenal de desinformação organizada dos média do grande capital.
 
 E a sintonia desinformativa entre eles é tal que, com frequência, levam a imensa maioria das pessoas a tomar como verdadeiras as mais descaradas patranhas. Um exemplo: quantas pessoas saberão que, ao contrário do que leram ou ouviram nos média, as recentes eleições na Venezuela não terminaram com «Chávez derrotado» mas com uma significativa vitória das forças bolivarianas?
 
 A recente tentativa de golpe no Equador – um golpe muito ao jeito da era Obama… - também lhes deu pano para mangas.
 
 No dia a seguir à derrota dos golpistas, o Público, no seu «sobe e desce» não pôs Rafael Correa a «subir».
 
 Porquê?: porque, explicou, «o líder equatoriano voltou a revelar os seus tiques autoritários, ao promulgar leis que violam a constituição»… Assim se arruma o golpe (que já estava derrotado) e se prossegue o ataque ao processo revolucionário equatoriano.
 
 Acresce que sendo de louvar a preocupação do jornal com o cumprimento da Constituição equatoriana... é pena que não se lhe possa assinalar igual preocupação no que toca ao cumprimento da Constituição Portuguesa – todos os dias violada pelos governantes de serviço aos interesses do grande capital. Como o Público sabe, mas finge não saber
  • José Casanova

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Actores e Protagonistas

O candidato presidencial de José Sócrates e Francisco Louçã representa um papel impossível. Simultaneamente, afirma-se contra as medidas do Governo e a favor da aprovação do Orçamento que as coloca em vigor, da mesma forma que há uns anos se afirmou contra o Código de Trabalho, mas foi a sua abstenção que o aprovou. Apesar da reconhecida capacidade - e basta prática - de gritar muito alto os seus princípios e praticar muito baixo tudo o contrário, é-lhe cada vez mais díficil dar qualquer credibilidade a esta sua representação.

Do mesmo problema sofre José Sócrates, o verbal paladino do Estado social e simultaneamente, o implacável executante da política de direita, de destruição dos direitos sociais e dos serviços públicos. Dificuldade que afecta em grau igualmente elevado a Passos Coelho, feroz crítico das políticas do PS, e simultaneamente, garante da sua aprovação parlamentar e candidato a continuador das mesmas. E que atinge implacavelmente Cavaco Silva, dez anos primeiro-ministro e cinco anos Presidente da República, e que no entanto nos olha com ar inocente e virginal quando fala das consequências destes 35 anos de contra-revolução.

Estes são actores da contra-revolução. São bons actores. Mentem, fingem e disfarçam-se como poucos. Mas está-lhes a ser exigido representar papéis cada vez mais difíceis, num quadro em que o capitalismo em crise julga ter encontrado a sua salvação na brutal intensificação da exploração.

Fora deste palco, que alguns confundem com a vida, a luta de classes agudiza-se. E cada vez mais trabalhadores compreendem que têm que ser eles os protagonistas da história. E não o fazem simplesmente como reflexo de conclusões que o marxismo há muito extraiu. Mas porque a vida – a prova dos 9 de qualquer ideologia – assim lhes exige.

E porque nós, que organizados em Partido somos também expressão desse protagonismo, não desistimos de organizar e organizar-nos, de resistir e chamar à resistência.

E porque nunca trocámos o nosso lugar com os protagonistas pelos ilusórios aplausos que também receberíamos se nos juntássemos aos actores da política de direita no seu circo.
  • Manuel Gouveia

sábado, 2 de outubro de 2010

Brutos, claro


Um dia depois de terem ouvido Angel Gurría, secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apresentar em Lisboa a «receita» para a redução do défice e consolidação das contas públicas nacionais, os portugueses foram confrontados com duas notícias que, embora não directamente associadas com o relatório da OCDE, são elucidativas das opções dos que nos (des)governam. A primeira fez manchete no Diário de Notícias e dava conta de que o «Estado gasta cinco milhões de euros sem concurso» para a PSP adquirir equipamento e material para fazer a segurança da cimeira da NATO que se realiza em Novembro em Lisboa.

A segunda foi divulgada pelo jornal i e informava que o Ministério da Educação está a oferecer contratos a prazo e a tempo parcial para suprir 75 lugares para auxiliares e educação ou assistentes operacionais, com um salário bruto de três euros por hora e um horário de trabalho de três a quatro horas por dia. Os avisos, publicados esta segunda-feira em Diário da República, informam sobre a abertura de concursos para pelo menos cinco escolas ou agrupamentos espalhados pelo país. Não se percebe se para o mesmo lugar será admitida mais do que uma pessoa, para cobrir as necessidades diárias, ou se também as necessidades se equacionam já apenas a meio tempo...

Se se tiver presente que o sr. Gurría veio a Portugal apresentar um relatório elaborado com a participação activa do Ministério das Finanças, ou seja devidamente negociado com o Governo, torna-se por demais evidente que as «recomendações» feitas vão ao encontro das medidas que Sócrates se propõe incrementar, por mais que diga o contrário. E que medidas são essas? Aumentar impostos, congelar salários, cortar nos benefícios e deduções fiscais, restringir o acesso e o subsídio de desemprego; aumentar a precariedade, reduzir as contribuições para a Segurança Social.

Esta é, no dizer de Gúrrria, a «chave para a rápida recuperação das finanças públicas» portuguesas, coisa que, como se sabe, muito preocupa o Governo, embora não ao ponto de ficar cego e surdo aos interesses dos aliados – leia-se a NATO – que fazem o favor de vir reunir a Lisboa e esperam ser bem recebidos ou, dito de outro modo, esperam ter garantida a sua segurança, pois apesar de se dizerem os guardiões da paz borram-se de medo dos povos que não vêem com bons olhos a sua política belicista. Por isso Sócrates e o seu Governo, apesar da crise, vão gastar os tais cinco milhões em material que inclui seis veículos antimotim, blindados, antibomba, antifogo, antiminas e... norte-americanos. E ainda material de informação e contra-informação, bloqueio de telemóveis, escudos, viseiras, gás-pimenta, etc., etc.

Como se torna evidente, nesta panóplia de interesses, qual sandes a que é indispensável juntar conduto muito bem espalmado, com as recomendações do sr. Gurría e os supremos interesses da NATO a servir de rolo compressor, cabe o papel de mexilhão ao Zé povinho, ou para usar a notícia do i, aos auxiliares de educação, a quem cabe vigiar, limpar, arrumar e assegurar a «boa utilização das instalações» escolares pela módica quantia de três euros à hora. Brutos.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Política de feijão-frade


 
«O PS é o partido dos direitos sociais».
 
 Pasme-se: é com esta espécie de declaração de princípios que o PS se está a apresentar!
 
 Num discurso diário e ininterrupto, o Governo e o PS, pela voz do primeiro-ministro e secretário-geral, é apresentada uma sucessão de afirmações retóricas como fundamento das suas decisões, a par de uma recusa liminar de debater a sua prática política. A tal ponto que o primeiro-ministro, falho de razões, tem chegado a utilizar como último argumento de resposta retumbante a qualquer crítica à sua política: «Isso não passa de politiquices. Deixem-se de politiquices».
 
 Rebaixar o nível do debate político a este ponto não é forma de responder. E implica um risco de consequências graves: o de desacreditar a própria actividade política e a intervenção que nela todos os cidadãos têm direito a desempenhar.
 
 Indo às causas do descrédito que na sociedade portuguesa está afectando a actividade política é inevitável concluir que a contradição entre as palavras do PS e sua prática tem grande responsabilidade nessa situação.
 
 O PS procura legitimidade para a sua política evocando ideias, valores e conceitos democráticos. As palavras utilizadas são as mesmas. O significado prático é completamente diferente. Mas é sobre esse conteúdo real que tem de definir a sua actuação quem apoia o PS. E também quem é por ele apoiado, evidentemente. Porque, como diz o nosso povo, «quem cala consente» – e «tão ladrão é o que vai à horta como o que fica à porta».
 
 O PS tem uma política de duas caras – como o feijão-frade.
 
 É uma política de direita – mas não se arrisca a apresentá-la como tal. Abandonou o «Estado social» – mas não se arrisca a reconhecê-lo. Está cada vez mais longe do Portugal de Abril – mas não se arrisca a confessá-lo. Caiu há muito num plano inclinado, a tentar «fazer passar» uma política de direita com um rótulo de esquerda.
 
 O pior é o que daí pode resultar em descrédito para o regime democrático.
 
 E por isso é necessário gritar bem alto, e cada vez com mais força, o desacordo, o nosso protesto, a nossa luta – contra essa política de feijão-frade.
  • Aurélio Santos

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Os corajosos
 
O presidente da Associação Portuguesa de Bancos, António de Sousa de seu nome, disse há dias em entrevista à Antena 1 que a «situação dos bancos é complicada, como nunca o foi anteriormente, nem mesmo no pico da crise». Mais disse o sr. Sousa que «neste momento a situação da banca portuguesa está altamente fragilizada, e que a continuação das taxas de juro da dívida pública aos níveis a que tem vindo a estar nos últimos meses» deixa o sistema bancário português numa situação «muito complexa», coisa que pode resultar numa transferência de custos para os clientes.
 
 O sr. Sousa, na referida entrevista, não se limitou a apresentar as pungentes queixas da associação a que preside; longe disso, fez questão de apontar «soluções», indicar «caminhos», como por exemplo proceder a uma redução de salários entre cinco e 10 por cento (menos de cinco seria irrelevante e mais de dez excessivo, na sua óptica). Ao que parece, uma tal medida ajudaria a mudar a credibilidade do País nos mercados financeiros internacionais, fundamental para a saúde do sistema bancário português, porque – diz Sousa – «se os investidores não voltarem a Portugal a situação tornar-se-á bastante complexa», uma vez que «pura e simplesmente, os bancos não terão dinheiro para emprestar».
 
 As preocupações do sr. Sousa são muito compreensíveis, tal como é compreensível a prontidão com que o Governo, através do ministro da Economia Vieira da Silva, veio garantir estar a trabalhar para evitar que a banca esteja «fragilizada» e que se veja obrigada a restringir a concessão de créditos.
 
 Aliás, nem outra coisa seria de esperar.
 
 Ou será que alguém julga que é fruto do acaso o facto de os bancos portugueses, no seu conjunto, terem tido um lucro de 1725 milhões de euros em 2009 (dados da Associação Portuguesa de Bancos, presidida pelo sr. Sousa), e de sobre esses lucros terem pago apenas 74 milhões de euros de impostos (4,3%)?
 
 Ou que foi por algum milagre de gestão que os bancos privados BCP, BES e BPI – só no primeiro semestre deste ano – lucraram 545 milhões de euros, mais 62 milhões do arrecadado no mesmo semestre de 2009?
 
 Ou que foi por obra e graça do espírito santo, como soe dizer-se, que no quinquénio 2004-2009 o lucro ilíquido de toda a banca foi de 13 425 milhões de euros?
 
 Isto de milagres já não é o que era. Agora, quem os quer, tem de se esforçar e meter mãos à obra, como por exemplo está a fazer o sr. António Saraiva, presidente da CIP - Confederação da Indústria Portuguesa – que diz ser «tempo de, corajosamente, se tomarem medidas porque não se deseja que o FMI nos venha dar a ajuda que nós precisamos». Ou como o sr. Joel Hasse Ferreira, da comissão política do PS, para quem a redução das despesas na Administração Pública «deve passar pela redução dos salários»; ou ainda o sr. Ernâni Lopes, que não vê outra «margem de manobra» para além dos cortes salariais, e lembra que «os salários da função pública já baixaram no último ano e que, em 1983, o corte foi da ordem dos 10 por cento ou mais».
 
 Mais do mesmo para os mesmos, dirão os suspeitos do costume, lá que tanta «coragem» impressiona, lá isso impressiona.
  • Anabela Fino
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  • pcp
  • USA
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