sexta-feira, 29 de outubro de 2010

O anúncio


Sem surpresa, sem vangelis e sem meninos guerreiros, mas cumprindo à risca o anúncio feito em primeira mão por Marcelo Rebelo de Sousa e tendo como pano de fundo dez bandeiras nacionais – por ventura para garantir que fosse qual fosse o ângulo das imagens apareceria sempre enquadrado pelo «desígnio nacional» –, Cavaco Silva veio anteontem dizer ao país o que já toda a gente sabia, ou seja que se recandidata a novo mandato como Presidente da República.

Não sendo curial, por razões óbvias, proferir tão distinto anúncio numa das auto-estradas nacionais, o local escolhido foi o que de mais emblemático da política de betão de Cavaco primeiro-ministro se pode encontrar, o Centro Cultural de Belém, com a manifesta vantagem de se situar a escassa distância da residência oficial do primeiro magistrado da nação, o que para além de garantir o cumprimento ao cronómetro do horário estabelecido teve ainda a vantagem de poupar ao presidente em funções nas deslocações do candidato a presidente. Dir-se-á que é uma visão mesquinha de tão distinto acto, mas quando o presidente candidato a presidente faz questão de dizer, invocando a difícil situação económica, ter dado ordens expressas para que os gastos da sua campanha não ultrapassem metade do máximo permitido por lei, a coisa muda de figura. Tanto mais que, como é público e notório, Cavaco presidente não tem feito outra coisa nos últimos meses a não ser poupar nas despesas de Cavaco candidato a presidente, percorrendo o país em mal encapotada campanha às custas do erário público, numa espécie de dois em um que embora eticamente indefensável dará muito jeito quando chegar a altura de apresentar contas.

Quanto ao anúncio propriamente dito, o mais que se pode referir é que nada trouxe de novo, o que já é muito boa vontade, pois em rigor o que se anunciou tresanda a bafio. Ficou-se a saber que afinal continua a haver um «homem ao leme», desta feita em Belém, tão ansioso que o deixem trabalhar como nos tempos em que de S. Bento invectivava as «forças de bloqueio» que combatiam as suas políticas anti-sociais, cujas continua a apadrinhar mas agora na qualidade de «garante da estabilidade social». Ficou-se também a saber – olha a novidade – que o estafado lema «eu ou o caos» continua vivo e recomenda-se, mas agora transformado na fórmula «o que teria sido o país sem mim?», destinada não só a aclamar os feitos do passado mas também a abrir caminho para o inevitável «o que será o país sem mim?» no futuro. Não foi possível, em tão curto espaço de tempo, apurar a resposta dos portugueses a tão candente questão, mas cá por mim, confesso, distraiu-me das requentadas promessas eleitorais e deixou-me o resto da noite a trautear a canção de Sérgio Godinho «que era eu sem a vida/que era a vida sem mim?»... Estou em crer que serão efeitos das dez-bandeiras-dez em que Cavaco se embrulha, ou então do logo tricolor que escolheu para a campanha, três ondas a verde, amarelo e vermelho que pretenderão remeter para o futuro marítimo de Portugal, embora mais pareçam as ondas alterosas da borrasca a que as políticas de direita de Cavaco e Cia conduziram o país.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A liberdade no reino da política de direita

Os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e dos cidadãos são um dos alvos preferenciais da política de direita com a qual o PS, o PSD e o CDS-PP vêm devastando o País há 34 anos.

Não surpreende que assim seja, sabendo-se que tal política nasceu do ódio a Abril e tem nos ataques às liberdades conquistadas pela Revolução uma das suas imagens de marca.

No que respeita à liberdade de propaganda, por exemplo, multiplicam-se, de norte a sul do País, os casos de desrespeito pelas leis em vigor por parte das autoridades, as quais, com preocupante frequência, enveredam pelo recurso a práticas e métodos repressivos com iniludíveis cheiros ao antigamente.

Uma notícia publicada na última edição do Avante! dava nota de que

militantes da JCP – quatro raparigas e um rapaz - que pintavam um mural na Rotunda das Olaias, em Lisboa, foram detidos e levados para uma esquadra da PSP, onde permaneceram durante várias horas. Ali, as raparigas foram obrigadas a despir-se.

Sabendo-se que a pintura de murais em local público está consagrada na lei, que igualmente condena o seu impedimento, é óbvio que estamos perante mais um acto de afrontamento da lei por parte de quem tem por obrigação zelar por que ela seja cumprida.

Mas trata-se de mais, de muito mais e mais grave, do que isso: a atitude de obrigar as quatro jovens a despir-se introduz à crescente acção repressiva exercida contra manifestações semelhantes, novos e ainda mais graves elementos, cujo carácter perverso, neste caso, urge denunciar e combater energicamente.

Mais recentemente, no passado dia 22, em Leiria, um outro caso: dois indivíduos à paisana, dizendo-se agentes da PSP, impediram violentamente um grupo de jovens da JCP de colar cartazes alusivos à luta do Secundário. Um dos jovens invocou a lei e exigiu a identificação dos dois indivíduos – que não só recusaram identificar-se como agrediram o jovem, um algemando-o enquanto o outro lhe apertava brutalmente o pescoço, onde várias marcas ficaram assinaladas, após o que o levaram para a esquadra da PSP.

A pergunta impõe-se: a que distância de tudo isto está o 25 de Abril?

E o 24?
  • José Casanova

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Soares e o paradigma

Se bem se lembram tempos houve em que Mário Soares pregava para quem o queria ouvir as virtualidades do «socialismo democrático», cujo era assim uma espécie de supra-sumo da social democracia antes de esgotado o prazo de validade. Mais tarde, como também não faltará quem se recorde, o «socialismo» foi metido na gaveta por força das «circunstâncias» e por lá ficou a aboborar até hoje, paulatinamente substituído pelo «pragmatismo» do mercado comum que havia de ser – garantiam-nos – o húmus fértil da construção europeia que realizaria o seu desígnio de progresso, desenvolvimento e solidariedade na Europa dos cidadãos, assim houvesse coragem e determinação em avançar com políticas comuns aos mais diversos níveis. Volvido um quarto de século há que reconhecer que se «avançou», mas com resultados tais que já nem Soares vislumbra luz ao fundo do túnel.

Comentando esta semana a «questão do Orçamento», o ex-secretário-geral do PS classifica o documento como «uma bomba ao retardador» que vai ter consequências imprevisíveis no plano social, tal a brutalidade das medidas que contém. A culpa não é de Sócrates, garante Soares, lembrando que o primeiro-ministro até disse, «com sinceridade», que algumas das medidas até «cortam o coração».

Mas deixemos por agora o coração partido de Sócrates e vejamos a quem aponta Soares o dedo acusador. O Orçamento, assevera, «foi-nos imposto pelo Banco Central Europeu» – não se sabe se com o coração destroçado, dizemos nós – mas sem margem para dúvidas pressionado pelos mercados, que são «insaciáveis». De acordo com Soares, tal facto resulta «da ideologia neoliberal, que transformou os mercados – que ninguém sabe o que são e quem os comanda – e os pôs no centro da tudo: das sociedades, da política, da ética e das próprias pessoas» (sic).

Como obviamente esta afirmação não pode ser levada à letra – nem a reconhecida «lata» de Soares chega a tanto – resta-nos aferir daquelas palavras que o fundador do PS esperava encontrar no aprofundamento da integração europeia, que sempre defendeu e aplaudiu, um capitalismo que explorasse sim, mas com jeitinho. Não sendo o caso, o que nos resta? Ceder, evidentemente, já que para Soares não há alternativa à aprovação do Orçamento e os «protestos da esquerda radical», como lhe chama, são «simpáticos» para os injustiçados mas não passam disso. Caso essa esquerda chegasse ao poder pelo voto popular – hipótese absurda, diz o «pai da democracia» –, a alternativa seria o regresso ao «orgulhosamente sós» de Salazar ou «um modelo económico tipo cubano». Como se a ditadura fascista não tivesse contado sempre com o inestimável apoio do capitalismo europeu e americano, e como se o modelo cubano, que no entender de Soares é sinónimo de «miséria extrema», não resistisse há quase meio século às pressões do imperialismo americano.

Soares, que diz não gostar das «receitas» do Banco Central Europeu e temer que as mesmas levem «à recessão e à decadência» e mesmo à «desintegração» da União Europeia, só tem uma receita para o desastre: nada de lutas a nível nacional, o que é preciso é mudar de «paradigma» a nível europeu. Eis Soares na campanha para o «capitalismo de rosto humano».
  • Anabela Fino

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A linha do Frete


Há tempos, um «empresário» anunciava, na RTP, que queria trabalhadores e os desempregados, esses malandros, não queriam trabalhar. Anda um homem com tanto esforço a grangear umas camisas para costurar e não há quem queira pespontar umas baínhas ou pregar um botão!

O mal estava, dizia, nos chorudos subsídios de desemprego que lhes permitem rejeitar empregos, continuando as suas vidinhas regaladas.

O tal «empresário», escolhido segundo os melhores critérios jornalísticos de Fátima Campos Ferreira, foi desmentido em directo pelo Director do IEFP e, depois de trafulhices várias, encerrou o negócio, mandando as poucas trabalhadoras, que aguentavam os salários de miséria e as más condições, para a rua sem cumprir os seus direitos.

Vem isto a propósito do programa «Linha da Frente», emitido na passada semana pela mesma RTP, em que a estação pública se esforçou por provar a tese de que empregos há, a malta é que não quer trabalhar.

Ali desfilaram «empresários», a oferecer avultadíssimos salários mínimos, sem que consigam encontrar trabalhadores que se aprestem a agradecer tão elevado favor.

E nem faltaram supostos trabalhadores a atestar que conhecem gente que está bem a receber sem trabalhar.

Revista a peça, que no seu conjunto é pouco mais que boçal, perguntamo-nos porque será que estes «empresários» têm tanta necessidade de renovar os trabalhadores. Os que lá tinham antes não serviam, porquê?

Ou, uma vez que os trabalhadores lá vão, segundo eles à procura de carimbos, porque não insistem os empresários em que eles fiquem a trabalhar?

Ou porque não falaram com os delegados sindicais das empresas respectivas e, se os não há, porque não se questionou a razão de tal facto?

O jornalista nem deve ter percebido a síntese que fez um dos patrões quando dizia que afinal havia quem quisesse trabalhar, mas alguns já tinham 50 anos e não correspondiam ao perfil pretendido – jovem, com responsabilidades a cargo, já com formação na área e que aceite o Salário Mínimo Nacional, mesmo que tenha que gastar 150 ou 200€ por mês para ir trabalhar.

Na semana em que premiaram uns economistas por defender essa execrável tese, e em que o governo anunciou mais cortes nos apoios sociais aos desempregados, este jornalista quis estar na linha da frente, mas, de facto, passou muito para lá da linha do frete. Do frete ao Governo e à exploração.
  • João Frazão

sábado, 16 de outubro de 2010

Os três magníficos


A avaliar pelas notícias e comentários vindos a público nos últimos dias, os três economistas que vão receber dez milhões de coroas suecas (1,079 milhões de euros), uma medalha de ouro e um diploma por terem sido distinguidos com o Nobel da Economia, deram um contributo inestimável à análise do mercado de trabalho e dos fluxos de emprego. Convenhamos que, em ano de desemprego recorde à escala mundial (230 milhões segundo a OIT), o tema é da maior acuidade, embora seja de esperar que o comum dos cidadãos – mais dado ao conhecimento empírico do que a abstracções matemáticas – se interrogue sobre a mais valia de tais conhecimentos, já que não impediram o desastre actual. Uma interrogação legítima, está bom de ver, a que será de toda a utilidade responder, ainda que a resposta arrisque defraudar as expectativas.

Veja-se, por exemplo, o que nos diz o Diário Económico sobre o norte-americano Dale Thomas Mortensen, um dos recém laureados: apresentado como «pioneiro na teoria da procura de emprego», Dale terá recebido o Nobel «pelo seu trabalho de investigação sobre como a rigidez do mercado de trabalho pode provocar ainda mais desemprego já que os desempregados continuam a procurar sempre o melhor cargo, com melhor remuneração». Quanto ao cipriota Chistopher Pissarides, radicado no Reino Unido, terá ganho o prémio «por estudar os fluxos de trabalho e o desemprego, relacionando a criação de emprego ao número de desempregados, número de vagas e intensidade com que é feita a procura de emprego».

Já no que se refere a Diamond, outro norte-americano, as suas análises serão as grandes inspiradoras da repetida tese da OCDE segundo a qual o desemprego de longa duração é potenciado pela «generosidade» dos subsídios de desemprego. Tanto Mortensen como Pissarides desenvolveram e aprofundaram as análises de Diamond, pelo que os três estão em sintonia quanto à forma de encontrar o «equilíbrio» no mercado de trabalho. Por alguma razão o Riksbank (o Banco Nacional sueco), na justificação do prémio, lembrou que o trio escolhido desenvolveu um modelo que ajuda a perceber «a forma como o desemprego, as ofertas de emprego e os salários são afectados pelas políticas económicas».

Se o que atrás se disse soou de algum modo familiar não é de estranhar. Também por cá há seguidores dos agora laureados, como é o caso da ministra do Trabalho do Governo Sócrates, que fala de «política activa de emprego» para justificar as alterações no acesso e manutenção do subsídio de desemprego. A lógica é tão linear que nem se percebe para que é que se gasta um Nobel com isso: quanto menor for o subsídio de desemprego e menos tempo durar, e quanto mais rígidas foram as regras impostas aos desempregados (como por exemplo serem forçados a aceitar trabalho a qualquer preço), mais depressa se restabelece o «equilíbrio» no mercado de trabalho.

 É o que se chama matar dois coelhos de uma cajadada: poupa-se no subsídio e baixa-se o valor do trabalho, já que o contingente dos que hoje se mandam para o desemprego são amanhã a mão-de-obra barata a recrutar.

Atenta como sempre à conjuntura internacional, a Academia sueca fez o trabalho de casa como lhe competia. E não foi só na área da economia.
  • Anabela Fino

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Os nossos filhos e os filhos da outra

Na semana que passou, duas declarações sobre os nossos filhos serviram de alerta para o cheiro a fornos crematórios que emanam camadas crescentes das elítes europeias.

Um deputado do PP espanhol não teve pejo em afirmar que «seria necessário retirar aos pais comunistas a tutela dos seus filhos... e de seguida enviar estas crianças (e os pais também) sem perda de tempo para um campo de reeducação». Na Inglaterra, do mesmo Governo que em Setembro teve um ministro a afirmar que os jovens desempregados deviam ser enviados para a Índia para aprenderem a trabalhar, tivemos agora um outro ministro a teorizar que os desempregados deviam ser proibidos de ter filhos.

Estas declarações são novos exemplos da fascização das classes dominantes, fruto do pânico em que vivem mergulhadas. Presos num sistema que não funciona mas que lhes garante os previlégios, estão dispostos a tudo para o defender. Acreditando ter encontrado uma solução para os seus problemas na brutal intensificação da exploração, no crescimento da agressividade militarista contra outros povos e na repressão (mais ou menos sofisticada) da resistência, trilham esse caminho sem qualquer hesitação. Mas também - inevitavelmente - sem qualquer hipótese de sucesso.

Mesmo condenados à derrota, são sumamente perigosos. E não pode haver hesitações nem ilusões. Têm que ser derrotados o mais depressa possível. Não só porque ao PECn seguir-se-à inevitavelmente o PECn+1. Mas principalmente porque quanto mais depressa os derrotarmos menores serão os estragos que causarão.

Mas também não pode haver precipitações. A inevitável ruptura com a política de direita será o resultado da acção dos trabalhadores e do povo e exige um grau de consciência, organização, unidade e determinação que só será atingido na luta de resistência à actual ofensiva das classes dominantes. Em Portugal como na Europa.

Aos nossos filhos, aos filhos dos trabalhadores e do povo, reservam as classes dominantes a mais negra noite. Só a nossa luta hoje lhes garantirá a alternativa: «a madrugada do dia inicial inteiro e limpo onde emergimos da noite e do silêncio e livres habitamos a substância do tempo».
  • Manuel Gouveia

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Desinformação organizada


 
Os critérios informativos dos média dominantes são particularmente evidentes em tudo o que publicam sobre aqueles países do continente americano cujos povos têm vindo a afirmar-se donos do seu próprio destino e a libertar-se da pata imperialista.
 
 O método que utilizam é multiforme: ou silenciamento absoluto sobre o que não interessa que seja conhecido; ou deturpação e manipulação da realidade; ou divulgação de meias mentiras (ou de meias verdades); ou fabricação de mentiras cirurgicamente direccionadas… sempre visando o objectivo de espalhar dos processos em curso nesses países uma falsa imagem de atropelos à democracia, à liberdade e aos direitos humanos – a sagrada trilogia em nome da qual o imperialismo norte-americano desencadeia os mais brutais atentados... à democracia, à liberdade e aos direitos humanos.
 
 Venezuela, Bolívia, Equador, Nicarágua, entre outros, são países sob a mira constante do arsenal de desinformação organizada dos média do grande capital.
 
 E a sintonia desinformativa entre eles é tal que, com frequência, levam a imensa maioria das pessoas a tomar como verdadeiras as mais descaradas patranhas. Um exemplo: quantas pessoas saberão que, ao contrário do que leram ou ouviram nos média, as recentes eleições na Venezuela não terminaram com «Chávez derrotado» mas com uma significativa vitória das forças bolivarianas?
 
 A recente tentativa de golpe no Equador – um golpe muito ao jeito da era Obama… - também lhes deu pano para mangas.
 
 No dia a seguir à derrota dos golpistas, o Público, no seu «sobe e desce» não pôs Rafael Correa a «subir».
 
 Porquê?: porque, explicou, «o líder equatoriano voltou a revelar os seus tiques autoritários, ao promulgar leis que violam a constituição»… Assim se arruma o golpe (que já estava derrotado) e se prossegue o ataque ao processo revolucionário equatoriano.
 
 Acresce que sendo de louvar a preocupação do jornal com o cumprimento da Constituição equatoriana... é pena que não se lhe possa assinalar igual preocupação no que toca ao cumprimento da Constituição Portuguesa – todos os dias violada pelos governantes de serviço aos interesses do grande capital. Como o Público sabe, mas finge não saber
  • José Casanova

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Actores e Protagonistas

O candidato presidencial de José Sócrates e Francisco Louçã representa um papel impossível. Simultaneamente, afirma-se contra as medidas do Governo e a favor da aprovação do Orçamento que as coloca em vigor, da mesma forma que há uns anos se afirmou contra o Código de Trabalho, mas foi a sua abstenção que o aprovou. Apesar da reconhecida capacidade - e basta prática - de gritar muito alto os seus princípios e praticar muito baixo tudo o contrário, é-lhe cada vez mais díficil dar qualquer credibilidade a esta sua representação.

Do mesmo problema sofre José Sócrates, o verbal paladino do Estado social e simultaneamente, o implacável executante da política de direita, de destruição dos direitos sociais e dos serviços públicos. Dificuldade que afecta em grau igualmente elevado a Passos Coelho, feroz crítico das políticas do PS, e simultaneamente, garante da sua aprovação parlamentar e candidato a continuador das mesmas. E que atinge implacavelmente Cavaco Silva, dez anos primeiro-ministro e cinco anos Presidente da República, e que no entanto nos olha com ar inocente e virginal quando fala das consequências destes 35 anos de contra-revolução.

Estes são actores da contra-revolução. São bons actores. Mentem, fingem e disfarçam-se como poucos. Mas está-lhes a ser exigido representar papéis cada vez mais difíceis, num quadro em que o capitalismo em crise julga ter encontrado a sua salvação na brutal intensificação da exploração.

Fora deste palco, que alguns confundem com a vida, a luta de classes agudiza-se. E cada vez mais trabalhadores compreendem que têm que ser eles os protagonistas da história. E não o fazem simplesmente como reflexo de conclusões que o marxismo há muito extraiu. Mas porque a vida – a prova dos 9 de qualquer ideologia – assim lhes exige.

E porque nós, que organizados em Partido somos também expressão desse protagonismo, não desistimos de organizar e organizar-nos, de resistir e chamar à resistência.

E porque nunca trocámos o nosso lugar com os protagonistas pelos ilusórios aplausos que também receberíamos se nos juntássemos aos actores da política de direita no seu circo.
  • Manuel Gouveia

sábado, 2 de outubro de 2010

Brutos, claro


Um dia depois de terem ouvido Angel Gurría, secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apresentar em Lisboa a «receita» para a redução do défice e consolidação das contas públicas nacionais, os portugueses foram confrontados com duas notícias que, embora não directamente associadas com o relatório da OCDE, são elucidativas das opções dos que nos (des)governam. A primeira fez manchete no Diário de Notícias e dava conta de que o «Estado gasta cinco milhões de euros sem concurso» para a PSP adquirir equipamento e material para fazer a segurança da cimeira da NATO que se realiza em Novembro em Lisboa.

A segunda foi divulgada pelo jornal i e informava que o Ministério da Educação está a oferecer contratos a prazo e a tempo parcial para suprir 75 lugares para auxiliares e educação ou assistentes operacionais, com um salário bruto de três euros por hora e um horário de trabalho de três a quatro horas por dia. Os avisos, publicados esta segunda-feira em Diário da República, informam sobre a abertura de concursos para pelo menos cinco escolas ou agrupamentos espalhados pelo país. Não se percebe se para o mesmo lugar será admitida mais do que uma pessoa, para cobrir as necessidades diárias, ou se também as necessidades se equacionam já apenas a meio tempo...

Se se tiver presente que o sr. Gurría veio a Portugal apresentar um relatório elaborado com a participação activa do Ministério das Finanças, ou seja devidamente negociado com o Governo, torna-se por demais evidente que as «recomendações» feitas vão ao encontro das medidas que Sócrates se propõe incrementar, por mais que diga o contrário. E que medidas são essas? Aumentar impostos, congelar salários, cortar nos benefícios e deduções fiscais, restringir o acesso e o subsídio de desemprego; aumentar a precariedade, reduzir as contribuições para a Segurança Social.

Esta é, no dizer de Gúrrria, a «chave para a rápida recuperação das finanças públicas» portuguesas, coisa que, como se sabe, muito preocupa o Governo, embora não ao ponto de ficar cego e surdo aos interesses dos aliados – leia-se a NATO – que fazem o favor de vir reunir a Lisboa e esperam ser bem recebidos ou, dito de outro modo, esperam ter garantida a sua segurança, pois apesar de se dizerem os guardiões da paz borram-se de medo dos povos que não vêem com bons olhos a sua política belicista. Por isso Sócrates e o seu Governo, apesar da crise, vão gastar os tais cinco milhões em material que inclui seis veículos antimotim, blindados, antibomba, antifogo, antiminas e... norte-americanos. E ainda material de informação e contra-informação, bloqueio de telemóveis, escudos, viseiras, gás-pimenta, etc., etc.

Como se torna evidente, nesta panóplia de interesses, qual sandes a que é indispensável juntar conduto muito bem espalmado, com as recomendações do sr. Gurría e os supremos interesses da NATO a servir de rolo compressor, cabe o papel de mexilhão ao Zé povinho, ou para usar a notícia do i, aos auxiliares de educação, a quem cabe vigiar, limpar, arrumar e assegurar a «boa utilização das instalações» escolares pela módica quantia de três euros à hora. Brutos.
  • Anabela Fino
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