sexta-feira, 29 de abril de 2011

Os mosqueteiros

As comemorações oficiais do 25 de Abril assumiram este ano um carácter assaz peculiar. E não apenas por terem sido por convite – dos oradores à assistência, sem esquecer acompanhantes, como é de bom tom em qualquer chá canastra tão ao gosto do jet set de todos os tempos –, como se de coisa privada se tratasse, não obstante o espaço escolhido ser a residência oficial do Presidente da República, logo, pago com o dinheiro dos contribuintes. Mas adiante. O que tornou verdadeiramente esdrúxulo este 25 de Abril oficial foi a ideia peregrina do actual Presidente, Cavaco Silva, a pretexto do estado a que isto chegou – fórmula muito conveniente de esconder que isto chegou a este estado por causa das políticas de direita que há 35 anos vêm sendo praticadas, diga-se de passagem – de apresentar como panaceia para os males do País uma espécie de (re)edição de Os Três Mosqueteiros, que como toda a gente sabe eram quatro.

Não se pretende com isto dizer que Cavaco Silva se dedica agora às letras e procure inspiração no francês Alexandre Dumas. Longe disso. Mas já não é de descartar que olhe para os seus antecessores – Eanes, Soares e Sampaio – e veja neles Athos, Porthos e Aramis. E que se veja a si próprio como um D'Artagnan dos tempos modernos, não para viver rocambolescas histórias de capa e espada mas para liderar um processo onde os bons da fita são obviamente os que «pedem» novos e mais duros sacrifícios aos trabalhadores e ao povo.

A avaliar pelo coro afinado que se ouviu em Belém, é de crer que os novos heróis têm ido aos treinos, que é como quem diz têm praticado nos bastidores a ancestral arte da concertação, a que também se costuma chamar arte da conspiração. E que conspiram/concertam eles? Nada mais nada menos do que o resultado que sairá das urnas. Parece incongruente mas não é. Basicamente, o que os nossos mosqueteiros disseram ao País no selecto conclave do 25 de Abril foi que, seja qual for o resultado das eleições, os partidos «responsáveis», os partidos do «arco do poder», os partidos do «bloco central», numa palavra PS, PSD e CDS-PP têm de se entender para formar um «governo estável». Assim ordena o capital. Dumas não merece isto. Nem os portugueses.
  • Anabela Fino

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Cuba e a Revolução


Os média trataram o VI Congresso do Partido Comunista Cubano como um Congresso em que tudo está decidido à partida «pelo chefe», dando simultaneamente a ideia de um País que resiste desesperado economicamente à inexorável marcha do fim do socialismo. Mas a realidade é outra. O que sobressai destes dias de Congresso não é qualquer imobilismo, centralismo burocrático ou «entrincheiramento» desesperado.
 
O que sobressai deste Congresso é em primeiro lugar uma importantíssima e ampla participação e discussão colectivas. O VI Congresso foi o culminar de um extraordinariamente amplo debate envolvendo 1000 delegados ao congresso eleitos nos 61 000 núcleos do Partido, mais de 800 000 militantes do PCC e cerca de oito milhões de cubanos que num admirável processo de democracia participativa tiveram oportunidade de participar directamente na definição da política económica e social de Cuba.

 
Trata-se de facto de uma gigantesca discussão colectiva sobre a actualização do modelo económico e social do PCC e da Revolução socialista. Uma discussão que iniciou a sua fase decisiva em Novembro do ano passado e que resultou no assinalável facto de cerca de 70% das 291 teses postas à discussão terem sido alteradas, tendo algumas mesmo sido abandonadas de acordo com as opiniões recolhidas, assim com outras (36) acrescentadas com base em propostas apresentadas.

Em segundo lugar, o que sobressai deste Congresso não é qualquer desespero. É antes uma acção e discussão decididas que, não ignorando problemas e dificuldades, não fugindo à autocrítica e não escamoteando erros, não negando a necessidade de ulteriores confirmações que possam prevenir erros e contradições, exigindo rigor e responsabilidade, lança o País numa autêntica batalha pelo aperfeiçoamento do modelo económico e social socialista partindo da experiência acumulada e das lições entretanto retiradas.

Uma acção e discussão que, partindo do princípio de que o Socialismo é o sistema que melhor serve os interesses e aspirações do povo de Cuba, se volta para o futuro e para o fortalecimento da Revolução socialista. Uma acção e discussão decididas que tendo como ideia central desenvolver a economia, a sua capacidade produtiva, torná-la mais eficiente, descentralizada e justa, mantém os princípios da propriedade social e da planificação económica, e reafirma que, como disse Raul Castro, nenhum cubano será deixado desamparado e que as conquistas da Revolução que – apesar do criminoso bloqueio a que Cuba é sujeita há meio século – no plano da saúde, da educação e da protecção social fazem Cuba pertencer ao grupo de países com índice de desenvolvimento humano elevado, são para manter e mesmo aprofundar.

Cuba, como referem os próprios dirigentes cubanos, não é «o paraíso na terra», seria difícil sê-lo quando se é o alvo de ataques económicos, terroristas, diplomáticos, mediáticos e ideológicos há mais de meio século. Mas que este Congresso vem demonstrar mais uma vez é que o povo Cubano sabe pensar pela sua própria cabeça, que está determinado em continuar a ser ele próprio a decidir dos seus destinos, que está disposto a tomar nas suas mãos a defesa dos seus próprios interesses, aspirações e direitos e a defesa da independência da sua pátria, isso é uma verdade.

Uma verdade que é explicada pelos princípios reafirmados neste Congresso, pela própria história de Cuba e, nomeadamente, pelas efemérides que se comemoram nestes dias em Cuba: os 50 anos da proclamação do carácter socialista da Revolução e a vitória sobre os Estados Unidos, a CIA e os mercenários ao seu serviço, na batalha de Playa Giron. Um acontecimento que «casou» definitivamente a luta pela independência à construção do Socialismo, uma extraordinária vitória militar que só foi possível porque o povo cubano tomou consciência e acreditou na força determinante da sua unidade e no poder imenso das massas populares em movimento. E é isso que apaixona e nos dá confiança ao olhar hoje para aquele povo e para a sua Revolução.
  • Angelo Alves

domingo, 17 de abril de 2011

Os Vampiros


Razão tinha o Zeca Afonso. Se alguém se engana com seu ar sisudo, e lhes franqueia as portas à chegada, eles comem tudo, comem tudo e não deixam nada. O guião que afundou a Grécia e a Irlanda chegou agora a Portugal. A aliança do grande capital financeiro nacional e internacional quer dar o golpe de graça no nosso País, já exangue após 35 anos de políticas ao serviço dos vampiros internos e externos. Aquilo que a União Europeia (presidida por um português...) e o FMI (presidido por um «socialista» francês...) preparam agora para o nosso País não é uma «ajuda». É um novo patamar no processo de esbulho de Portugal e dos portugueses pelo grande capital das grandes potências. É um «abraço mafioso, como podem testemunhar os cidadãos irlandeses e gregos», nas palavras dum ex-economista do Citibank, Michael Burke (The Guardian, 7.4.11). Diz Burke: «As 'ajudas' irlandesa e grega foram apresentadas como um passo extremo, mas necessário, para sustentar a solvência do Estado. Mas fracassaram. Ambas as economias sofreram ulteriores cortes nos ratings das agências de crédito internacionais». Fazendo o paralelo com a série televisiva sobre uma família mafiosa, Os Sopranos, escreve Burke: «A razão pela qual estes enormes montantes de 'ajuda' aumentam a possibilidade de uma falência é porque são ajudas à Tony Soprano – nem um cêntimo irá para os países em questão, indo parar directamente aos seus credores, os bancos europeus e, cada vez mais, os hedge funds dos EUA. Trata-se duma reedição das famigeradas operações de salvação da banca [...]. Os contribuintes das chamadas economias 'periféricas' estão a 'ajudar' os maiores bancos da Europa».

 
Durante décadas venderam ilusões. Foram destruindo a nossa indústria, agricultura, pescas; a nossa cultura, democracia, apoios sociais; a nossa soberania. Diziam que era moderno e inevitável. Mas era tudo mentira. Um colossal e interesseiro embuste.

 
Com as operações de afundamento de sucessivos países da zona euro, os centros de comando da UE pretendem alcançar vários objectivos em simultâneo. O primeiro, como se viu, é o de encher ainda mais as já dilatadas barrigas do grande capital financeiro. O segundo é o de centralizar ainda mais o comando de todo o continente nas mãos do grande capital do centro europeu, que da Líbia à Costa do Marfim mostra cada vez mais as garras do seu passado colonial-imperialista. O terceiro é o de, à pala da crise, desferir um ataque demolidor às conquistas sociais que os trabalhadores e povos da Europa alcançaram após a derrota do nazifascismo e das suas variantes ibéricas ou gregas, enterrando o tão propalado «modelo social europeu» que só existiu porque as classes dirigentes europeias tiveram medo das revoluções socialistas que abalaram o continente no Século XX. Querem criar uma gigantesca reserva de mão-de-obra (ainda mais) barata na sua periferia – à moda das maquiladoras mexicanas na fronteira Sul dos EUA.

 
Alguém acha este cenário impensável? Também aquilo a que hoje assistimos era considerado «impensável», apesar das sucessivas advertências do PCP para o desastre que se estava a consumar. Alguém ainda pensa que não é possível um país da UE «ir ao fundo»? Medite nas palavras de Zeca Afonso: os vampiros trazem no ventre despojos antigos, mas nada os prende às vidas acabadas. No ano passado falou-se na hipótese de excluir a Grécia da zona euro ou até da UE. Hoje, esta perspectiva é apontada para outros. O jornalista da equipa económica da BBC, Paul Mason, escreve (7.4.11): «as duas soluções lógicas e tecnicamente elegantes, são: (i) a periferia abandona a zona euro; (ii) o Norte assume o controlo de todo o sistema». Mas há uma terceira solução. Lógica e politicamente elegante. Os trabalhadores e os povos europeus (do Sul e do Norte) retomarem a bandeira da revolução social. Mostrarem aos mordomos do universo todo, aos senhores à força e mandadores sem lei que o último vinho novo e a última ronda será dançada no pinhal que o povo escolher.
  • Jorge Cadima

sexta-feira, 15 de abril de 2011




Tempos esquisitos, mas esclarecedores


Vivemos tempos esquisitos.


No congresso do PS, Sócrates falou de arbustos e anunciou (sem rir e gerando um momento de suspense) que o governo iria liderar as negociações com o FMI. Mas quem poderia fazê-lo a não ser o governo? Ninguém!

Assistimos igualmente à entrada de Manuel Alegre para a direcção do PS/Sócrates. O mesmo que há uns poucos meses atrás era apresentado por alguns como a esquerda. Mas em que parte do mundo a política de Sócrates pode ser considerada de esquerda?

Quase de imediato, o apartidário, o independente Fernando Nobre, não só é anunciado como cabeça de lista do PSD por Lisboa (esteve contra Cavaco e antes foi mandatário do Bloco de Esquerda) como, pasme-se, candidato a presidente da Assembleia da República. Já tinham inventado o candidato a 1º ministro e agora inventam mais uma. E não satisfeito diz que se não for presidente se demite. Um verdadeiro miminho.

Entretanto, ouve-se comentadores e analistas dizerem que “temos de esperar pelos programas eleitorais”. Mas quais programas eleitorais? Do PS, do PSD e do CDS-PP?

Sejamos claros e frontais porque de trapaceirice já chega. O PSD diz e repete que a culpa é do PS, o PS é que é governo, diz. Mas se o PSD tivesse votado contra (e o CDS que votou a favor de uns e absteve-se noutros) os orçamentos e os PEC, o PS não teria podido aplicar a política que aplicou.

Logo, mais cedo se teria clarificado a situação e ela não teria atingido o estado a que chegou com as respectivas consequências.

Depois, o PSD prepara-se para pôr a sua assinatura no acordo com o FMI. Pergunta-se: mas qual programa eleitoral? O do FMI?

O CDS anda numa autêntica gincana política, mas essa ideia de que há negociações com o FMI no condicional é uma mistificação e o CDS não consegue superar esse problema.

E para quem ainda tinha dúvidas, lá veio Durão Barroso dar o ralhete e dizer que o programa de apoio “não dá lugar a apoios intercalares” e acrescentou que “aliás, Portugal apoiou os termos desse programa”.

Ou seja, ou o PSD e o CDS têm juizinho e assinam com o PS a coisa, ou então amanhem-se. Estes são os factos! Mas leitores reparem no seguinte: o PSD, com pompa, anunciou que entregou uma carta com 30 perguntas ao governo e ao FMI porque precisa, diz o PSD, saber a verdade da situação. Isto dito assim, até parece coisa séria.

Sabem os algarvios que uma das perguntas é o quererem saber o custo do atraso da introdução das portagens?

Pois é! São estes que no Algarve bramam palavras em sua defesa, mas realmente o atacam. E preparem-se porque pode estar a ser cozinhado aparecer a introdução das portagens como uma medida do FMI e depois assistiremos ao PS, PSD e CDS-PP a descartarem-se das suas responsabilidades.
  • Rui Fernandes


sábado, 9 de abril de 2011

Um passo para a mudança


É notório – e seria apenas ridículo se não contivesse os perigos que contém – o esforço a que procedem os partidos da política de direita no sentido de apagar dos seus currículos aquilo que tem sido o essencial da intervenção de cada um deles em praticamente toda a sua existência.

É um facto incontestável que eles, e só eles, estão no poder há trinta e cinco anos – através de todas as combinações e alianças possíveis entre si e representando, à vez, a consabida farsa da «oposição» e da «alternativa».

É igualmente incontroverso que eles, e só eles, têm levado por diante, durante todo esse tempo, a política que conduziu o País à dramática situação em que se encontra.

Também não oferece qualquer dúvida que todos eles, e só eles, pelo que fizeram e pelo que se propõem fazer, nada mais têm para «combater a crise» do que aprofundar a crise, aprofundando todas as medidas que estão na sua origem.

Assim, fingir, agora, que nada têm a ver com isso – isto é, fingir que nada têm a ver com uma situação com a qual eles, e só eles, têm tudo a ver; apresentarem-se a si próprios como alternativa política e apresentarem a política de direita como política alternativa – isto é, propor o mais do mesmo fingindo propor algo de novo quer em matéria de política a executar quer em matéria de executantes dessa política; apresentarem como projecto para «resolver a crise» a continuação da política que há três décadas e meia andam a fazer – isto é, curar o mal adicionando-lhe mais mal; tudo isso, constitui, para além de uma exuberante demonstração de ausência total de vergonha, um clamoroso insulto à inteligência e à sensibilidade dos portugueses.

É certo que contam com os média dominantes para passar a necessária esponja sobre todo esse passado e para alindar o futuro: os comentadores, analistas e politólogos de serviço à política de direita não têm mãos a medir na difusão da ideia de que «não vale a pena discernir quem são os responsáveis» pela situação actual – o que «interessa» é... que esses responsáveis possam prosseguir a sua obra de afundamento do País em que todos eles se revelaram mestres...

Mas os trabalhadores e o povo têm nas suas mãos a possibilidade de, no dia 5 de Junho, dar um passo decisivo para a mudança.
  • José Casanova

quinta-feira, 7 de abril de 2011


O caso islandês

Uma dívida rejeitada pelo povo





Com cerca de 320 mil habitantes, a Islândia foi levada à bancarrota, em Outubro de 2008, quando os três principais bancos da ilha, que haviam sido privatizados em 2003, abriram falência depois de terem acumulado uma dívida de 61 mil milhões de euros, montante 12 vezes superior ao Produto Interno Bruto do país.

Para trás ficaram cinco anos de práticas especulativas, projectadas muito para além fronteiras do país, que ajudaram a criar a ilusão de uma prosperidade sem limites proporcionada pelo livre mercado e pelas «audazes» políticas neoliberais, seguidas por um governo orgulhoso de ter alcançado o PIB per capita mais elevado do mundo.

Porém, quando a bolha rebentou, os aficionados do mercado livre apressaram-se a nacionalizar os três grandes bancos (Kaupthing, Glitnir Bank HF e Landsbanki Islands HF) e a pedir ajuda ao FMI para cobrir o buraco.

Mas pouco havia a fazer. O «tigre nórdico» estava encurralado. A coroa islandesa desvalorizou 80 por cento, a bolsa de valores, que chegou a ser comparada ao «Wall Street do Árctico», ficou suspensa por vários dias, o PIB caiu sete por cento em 2009 e só no final de 2010 começaria a estabilizar.

Na rua, os islandeses manifestaram-se contra o pagamento da dívida da banca privada, designadamente os famosos depósitos do Icesave, filial do Landsbanki que, graças a juros superiores a cinco por cento, tinha atraído numerosos clientes na Holanda e na Grã-Bretanha, cujos governos queriam agora ser ressarcidos de 1700 milhões, no primeiro caso, e de cinco mil milhões, no segundo.

Face à pressão popular, o governo conservador demite-se em Janeiro de 2009, e um novo executivo, formado por sociais-democratas e verdes, toma posse após as eleições de Abril, levando ao parlamento a polémica lei que previa o pagamento de 3500 milhões de euros, durante 15 anos, a um juro de 5,5 por cento.

O povo volta a sair à rua, exigindo um referendo sobre a questão. A consulta tem lugar em Março de 2010, e o Não (ao pagamento da dívida) vence com 93 por cento. Que aconteceu desde então?

Face ao incumprimento, o FMI congelou os empréstimos ao país. Porém, a vida não parou, embora a escassez de notícias na imprensa internacional o possa sugerir. O povo insistiu em responsabilizar criminalmente os autores do saque. Foram emitidos mandados de captura contra altos executivos e banqueiros, que abandonaram a ilha. O próprio antigo primeiro-ministro conservador, Geir H. Haarden, teve de prestar contas no parlamento.

Em Novembro de 2010 foi eleita uma Assembleia Constituinte, composta por 25 representantes eleitos entre 522 candidatos, que iniciaram os seus trabalhos, em Fevereiro passado, com base em propostas aprovadas em várias assembleias realizadas em todo o território, com o objectivo de estabelecer novos princípios constitucionais para a organização política e económica da ilha.

A saída da crise ainda não se vislumbra, já que o colapso do sistema financeiro pôs em causa todo o tecido produtivo e empobreceu o país. Contudo, o povo islandês preferiu não ficar amarrado a uma dívida criada pela grande burguesia e seguir em frente procurando uma alternativa de desenvolvimento assente em forças e recursos próprios.


sábado, 2 de abril de 2011

Quem perde


Pedro Passos Coelho, actual líder do PSD, transborda ambição e exsuda pressa, basta vê-lo e ouvi-lo.

A ambição refulge na pose de barítono em proscénio de aplausos, carreira que já confessou tê-lo fascinado «em jovem» e de que parece guardar o figurino para compor «figuras de Estado» – nomeadamente a que julga ir em breve bater-lhe à porta, como chanceler da confraria.

A pressa goteja-se-lhe no brilho de algumas exposições aos holofotes, denunciando-lhe um suor ansioso, porém discreto. Afinal de contas, o homem já tem algum traquejo nestas andanças pela ribalta, nomeadamente ao liderar a JDS e nela exibir uma juventude pessoal com duração de décadas, coisa só vista no coelho da Duracel.

E a ambição e a pressa põem-no a falar, o que acaba geralmente a estragar-lhe o retrato. Desta vez, como já se julga quase primeiro-ministro, o estrago também quase foi desastroso.

Primeiro, lançou a bronca do IVA, que se propôs «aumentar de imediato» mal se instale em S. Bento, o que lançou a sua entourage em palpos de aranha para fingir que o homem não quis dizer o que disse.

É que dizer que se defende as pensões de miséria dos reformados e, ao mesmo tempo, propor-se assaltá-las com novos aumentos do IVA não fazia lá muito sentido, nem mesmo nos alcatifados da Lapa.

Depois, foi a Caixa Geral de Depósitos que o novel estadista já esquartejava por «pequenos aforradores», a par da privatização da TAP e da RTP, o que também levou a entourage a mais contorcionismos para lhe civilizar a sanha privatizadora – de resto, toda ela já pautada nas entrelinhas do PEC elaborado pelo PS, mas sem o inábil espavento com que Coelho as debitou.

Portanto, Passos Coelho é capaz de começar a ganhar mais votos se começar a falar menos.

Na outra face desta má moeda está José Sócrates, um veterano nestas andanças. Se, há seis anos, era um extasiado provinciano tremeleando perante a taluda da maioria absoluta que o escalracho do consulado santanista lhe atirara ao colo, hoje é um artista da ribalta, um veterano dos holofotes e um apurado especialista na arte do faz-de-conta.

Assim sendo, conseguiu levar o seu Governo à demissão – e a ele próprio a demitir-se – lançando a ideia, em plena Assembleia da República, de que a culpa e as responsabilidades cabiam a Passos Coelho e ao PSD.

Obviamente, ambos querem eleições, ambos julgam que os responsáveis pela queda do Governo serão os mais penalizados nas urnas e, por isso, também ambos tentam freneticamente imputar ao outro a responsabilidade desta «crise».

Ambos, pois claro, jurando que apenas o «interesse nacional» os move, julgando assim, provavelmente, que ninguém vê o que salta à vista: que é apenas e só o interesse pessoal o que, na verdade, os move.

Foi por isso que Passos Coelho quis precipitar eleições – por achar que a vitória estava à vista.

Foi por isso que José Sócrates quis precipitar eleições – por achar que, no imediato, a derrota seria menos provável.

Mas o que está também à vista é que, com um, com o outro, ou mesmo com ambos de cambulhada e arranjinho, quem perde sempre é o povo e o País. E seriamente.
  • Henrique Custódio

sexta-feira, 1 de abril de 2011

O pai da política de direita


Mário Soares está profundamente irritado com o PCP.

Porquê? Porque, diz ele, o PCP, com «o seu ódio de estimação ao PS», votou contra o PEC IV, levando à demissão do Governo.

Mas pior do que isso – muito, muito pior do que isso – para Soares, foi o facto de o voto do PCP constituir uma «aliança espúria com a direita».

E isso, alianças com a direita, é coisa inadmissível para o impoluto homem de esquerda que é Soares.

Aliás, o currículo de Soares é por demais elucidativo da sua coerência nessa matéria: numa primeira fase, aliando-se a todas as forças da direita, incluindo as mais estreitamente ligados ao regime fascista, Soares pôs o PS a liderar a contra-revolução em todas as suas manifestações, passando pelo terrorismo bombista e pelas várias tentativas de golpes reaccionários. Numa segunda fase, a fase institucional, Soares, em estreita e fraterna aliança com o PSD e o CDS, foi o iniciador da política de direita que, destruindo as principais conquistas da Revolução e colocando Portugal nas garras do capitalismo internacional, conduziu o País ao dramático estado em que se encontra.

Mas a memória de Soares é pequenina. E selectiva.

Acha ele que, na situação presente, a verdadeira atitude de esquerda seria votar a favor desse exemplar instrumento da política de direita que é o PEC IV – com o seu feroz ataque aos direitos e interesses dos trabalhadores, do povo e do País.

E, igual a si próprio, dispara contra o PCP, fugindo de registar a diferença entre o voto do PCP e os votos do PSD e do CDS – o primeiro, numa postura inequivocamente de combate à política de direita; os outros, com o inequívoco objectivo de substituírem o PS na prática dessa política comum aos três.

É certo que de Mário Soares tudo há que esperar; que ele, apresentando-se anti e pró-muita-coisa é, em primeiro lugar – e acima de tudo e à frente de tudo – anticomunista; que, para ele, os princípios são tantos e tão variados quantos os interesses que em cada momento defende.

Mas também é certo que, com opiniões como as acima citadas, exibe orgulhosamente aquilo que é: o pai da política de direita.

José Casanova

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