sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A Geórgia no contexto da partilha internacional do mundo



A decisão russa de responder à provocação da Geórgia e à incapacidade norte-americana de intervir militarmente não é compreensível sem uma informação completa sobre os novos alinhamentos político militares e a profunda crise económica mundial em desenvolvimento.




Atolado em duas guerras, Iraque e Afeganistão, onde, sem honra nem glória, já perdeu a capacidade de iniciativa, em pleno desenvolvimento de uma crise mundial cujos indicadores são mais graves que os da crise de 1929 e que não se sabe quanto durará, mas onde já se vislumbra claramente o fim do dólar como moeda única de reserva do mundo, com o continente latino-americano em crescente contestação ao modelo neo-liberal e à globalização imperialista, o imperialismo ocidental, particularmente o norte-americano, assistiu ao conflito bélico desencadeado pela invasão Geórgia à Ossétia do Sul, com a sua capacidade de intervenção claramente diminuída.

A Rússia, que já dissera não aceitar o seu afastamento da nova partilha internacional do mundo [1], respondeu, ao que disse, para proteger as suas forças de manutenção da paz e defender os ossetios da agressão.

Saakashvili, eleito em 2004, com 95% dos votos, necessitava de inverter o declínio da sua imagem interna. A sua popularidade caíra em Janeiro último para 53% e continuou a curva descendente, devido à brutalidade com que reprimia as manifestações de opositores e ao silenciamento das críticas por mais leves que fossem.

Mostrando não ter compreendido a nova realidade e a reacção russa à declaração unilateral de independência do Kosovo em Fevereiro passado, Saakashvili lançou-se, com os resultados que já se estão a ver, numa guerra pela recuperação da Ossétia do Sul, esperando a passividade da Rússia, pela cobertura que supunha ter dos EUA e da UE.

Era a fórmula ideal para recuperar o prestígio perdido, como o demonstra a declaração de Alexander Roussetski, director do Centro de Segurança Regional do Cáucaso do Sul, sediado em Tbilissi, no dia do início do ataque: «O povo está com ele, porque compreende que é preciso fazer qualquer coisa.Um opositor já apelou a uma moratória na luta contra Shaakashvili».

A campanha desinformativa

Incapacitado de intervir militarmente em apoio do exército georgiano, de imediato se assistiu a uma fortíssima campanha de desinformação onde a Geórgia é tratada como vítima e os ossetios são apresentados como agressores apoiados pelo exército russo. Esta campanha, no entanto, só encontrou algum eco na opinião pública por um facto anómalo, mas real: é muito elevado o número de pessoas, de esquerda e direita e dos mais diferentes níveis de instrução, que olham a Rússia com os sentimentos de simpatia e antipatia que tinham para com a União Soviética! Tudo se passa como se a Rússia não fosse um Estado capitalista, fervorosamente neo-liberal.

Em Portugal, Cândida Pinto, no Jornal das 13 da SIC de 16 de Agosto, ao que parece propositadamente, pois nem ela nem o pivot corrigiram o erro grosseiro, chegou a citar um «general soviético» (sic) a propósito das intenções russas na resposta à agressão da Geórgia à Ossétia do Sul!

As bravatas de oratória de Bush, quando era já evidente que não ia apoiar militarmente a Geórgia, eram apresentadas como «sérios avisos» ou «exigências». E dos «sérios avisos» Bush passou, 4 meses depois de reconhecer a independência do Kosovo, à grotesca «exortação» a que Medvedev, não aceite a deliberação do Senado russo a pedir o reconhecimento imediato da independência da Ossétia e da Abakhasia…

Organização da Conferência de Shangai

Aproveitando o vazio estratégico criado pela derrota e posterior desmantelamento da URSS, os EUA lançaram uma vasta operação diplomática e militar pelo controlo da Ásia Central, tendo chegado a ter presença militar nas ex-repúblicas soviéticas de Kazaquistão, Uzbequistão, Tajiquistão e Kirguisistão, com o que pensava fechar o cerco à Rússia e dominar aquela importante região petrolífera.

Então, sem capacidade para impedir o cerco que se avizinhava, a Rússia procurou as alianças possíveis que lhe permitissem não só evitar o cerco como, no futuro, lutar pela partilha internacional do mundo. E em 1996, numa conferência de chefes de Estado, o Cazaquistão, a China, o Kirguisistão, a Rússia e o Tajiquistão criam em Xangai a Organização da Conferência de Xangai (OCS), com sede em Beijing. O Uzbequistão juntou-se em 2001, depois de Karimov, presidente desde Dezembro de 1991, ter constatado que o seu «alinhamento com os EUA não lhe assegurava a manutenção no poder…».

Apresentada como um «novo modelo de cooperação internacional, nascido da necessidade de resolver disputas», a OCS evoluiu e alargou-se à cooperação e intercâmbio militar, tendo realizado o primeiro exercício militar conjunto em 2007.

É hoje claro que a OCS é cada vez mais uma estrutura de resposta à NATO e ao sonho do império planetário.

A decisão russa de responder à provocação da Geórgia e a incapacidade norte-americana de intervir militarmente não é compreensível sem uma informação completa sobre os novos alinhamentos político-militares e a profunda crise económica mundial em desenvolvimento. Ao ocultarem essa informação, os media ocidentais manipularam uma vez mais a opinião pública dos seus países.
O mundo está mais perigoso
Incapacitado para uma nova intervenção militar, o imperialismo norte-americano não se ficou pelos «sérios avisos».
Acordou com a Polónia a colocação neste país de uma base de mísseis, integrada no sistema antimíssil norte-americano na Europa (já há um acordo igual com a sempre obediente República Checa). Trata-se de uma decisão gravíssima que põe em causa, em primeiro lugar, a segurança dos povos europeus.

A decisão, há muito defendida pela equipa belicista de Bush, obteve da Rússia resposta antecipada na citada conferência de imprensa de Putin: «Se eles colocam um sistema de defesa de mísseis na Europa – e advertimo-los hoje – haverá represálias.Temos de garantir a nossa segurança. Não somos os impulsionadores deste processo. (…) Os Estados Unidos estão a construir um enorme e dispendioso sistema antimíssil que custará muitos milhares de milhão de dólares. (…) Construiremos sistemas que serão muito mais baratos, ainda que suficientemente eficazes para superar o sistema de defesa antimíssil e, portanto, manter o equilíbrio de forças no mundo. (…) Podemos aproveitar as nossas vantagens competitivas, por exemplo as capacidades militares-industriais avançadas e as capacidades intelectuais do pessoal do nosso complexo militar» [1].

Pesem as declarações em contrário é uma nova corrida armamentista que está em curso entre dois países em luta pela partilha internacional do mundo.

A luta pela paz e o desarmamento é cada vez mais a defesa da civilização contra a barbárie. «A guerra faz-se com homens e mulheres.Mas a paz também» [2].

[1] Conferência de imprensa de Putin em 4 de Junho de 2007 na reunião do G8. Este esclarecedor documento foi publicado na íntegra em www.odiario.info de 25 e 26 de Julho de 2007.[2] Apelo à paz do Conselho Português para a Paz e a Cooperação (CPPC) de 1 de Agosto de 2008, in www.cppc.pt/index.htm.



  • João Paulo Gascão

FIRMEZA DETERMINADA


" O anticomunismo é sempre antidemocrático, sejam quais

forem as roupagens que enverga"


A ofensiva ideológica anticomunista tem vindo a assumir crescente intensidade nos últimos tempos. Difundida por uma rede mediática composta pela quase totalidade dos órgãos de comunicação social – e que constitui a mais poderosa máquina de propaganda alguma vez existente – essa ofensiva segue os caminhos velhos da repetição exaustiva de velhas mentiras, manipulações, deturpações, falsificações exaltando as bondades do capitalismo e execrando todos os que se lhe opõem e, caso dos comunistas, lhe apresentam alternativas.
Os Jogos Olímpicos de Pequim foram um dos pretextos recentes para os propagandistas do sistema dominante virarem todas as suas baterias desinformativas contra a China. Ouvindo-os e lendo-os, dir-se-ia que vivemos num mundo onde os direitos humanos são harmoniosamente cumpridos e que só a China impede a universalidade dessa harmonia.Ou seja, de um lado – o lado bom – os paladinos do bem, da democracia, da liberdade e dos direitos humanos; do outro lado – o lado mau – a personificação do mal, da ausência de tudo o que no lado bom existe...

E ficaremos com uma ideia aproximada da dimensão desta patranha se verificarmos que quem assim pensa e fala, o faz em nome dos chefes de um sistema onde todos os dias morrem (à fome e por falta de cuidados de saúde) dezenas de milhares de pessoas; onde muitas centenas de milhões de cidadãos estão no desemprego, vivem em condições sub-humanas e vêem os seus direitos (humanos...) todos os dias desrespeitados e violados – um sistema cuja manutenção implica, por parte dos seus chefes, o recurso a um vale-tudo que com crescente frequência passa pela ocupação brutal de países soberanos e pelo assassinato de centenas e centenas de milhares de cidadãos inocentes.

Outros pretextos para a intensificação da ofensiva ideológica foram, nos últimos dias, a morte do escritor russo Soljenitsin e a rememoração dos acontecimentos de Praga em 1968. E foi espantoso verificar como um reaccionário empedernido, um admirador confesso de Pinochet e de Franco, um energúmeno que pediu aos EUA que invadissem Portugal e liquidassem a Revolução de Abril... foi apresentado como exemplo de lutador intrépido pela democracia e pela liberdade.

No segundo caso, para além da repetição exaustiva dos «argumentos» produzidos há quarenta anos, os estoriadores do regime aproveitaram para repetir a tese da perda, pelo PCP, da «hegemonia na luta antifascista» - tese com a qual procedem a mais uma revisão da história.

E ssa ofensiva ideológica é, obviamente, suporte essencial da política de direita que o PS e o PSD (com ou sem o CDS/PP atrelado) há trinta e dois anos têm vindo a aplicar em Portugal – a confirmar que, como a História está farta de nos ensinar, o anticomunismo é sempre antidemocrático, sejam quais forem as roupagens que enverga em cada situação.

Com efeito, o anticomunismo tem constituído a base ideológica essencial da ofensiva contra o regime democrático de Abril, ofensiva que - iniciada no preciso ano em que a Constituição da República Portuguesa consagrava esse regime – tem vindo a seguir desde então as suas linhas clássicas, desenvolvendo-se em três caminhos paralelos, complementares e simultâneos: o ataque aos direitos dos trabalhadores; o ataque às suas estruturas representativas unitárias e o ataque ao seu partido de classe.

O Código do Trabalho – expressão concreta dessa ofensiva ideológica - segue por esses dois primeiros caminhos, procurando esfacelar direitos conquistados pela luta dos trabalhadores portugueses ao longo de muitas décadas e consolidados e alargados na sequência da revolução de Abril; remetendo as relações de trabalho para um passado que, em muitos aspectos, remonta ao século XIX; e tendo na mira a CGTP – IN, construída nas condições difíceis da clandestinidade e construção maior da movimento operário português.

Exemplos outros do carácter antidemocrático, logo anticomunista, da ofensiva são as leis dos partidos e do seu financiamento.

São leis profundamente antidemocráticas, começando por sê-lo pelo facto de terem sido selectiva e cirurgicamente elaboradas visando o PCP enquanto partido da classe operária e de todos os trabalhadores, e sendo-o ainda mais pelo seu conteúdo – no primeiro caso, pretendendo proibir os militantes comunistas de decidirem sobre o que querem que seja o seu Partido e impor-lhes um modelo concebido à imagem e semelhança dos partidos que fizeram a lei; no segundo caso, constituindo um inadmissível atentado às liberdades políticas, carregado de iniludíveis ódios e rancores de classe ao PCP e àquela que é a realização mais expressiva do colectivo partidário comunista: a Festa do Avante!.

A s dúvidas expostas por jornalistas, na segunda-feira, na conferência de imprensa promovida pela direcção da Festa são bem elucidativas do carácter da referida lei e das interpretações que dela fazem os que têm como tarefa zelar pelo seu cumprimento: uma das questões em causa, é a de saber se, como o PCP sustenta, o lucro da Festa é a diferença entre as receitas e as despesas ou se, como sustentam esses zeladores, o lucro é a soma de todas as receitas...

Tal «dúvida» é por demais elucidativa do conteúdo do zelo desses zeladores...
Os ataques à Festa vão, certamente, acentuar-se nos próximos dias.
Pelo que toca ao PCP, podem os inimigos da Festa (que o são, igualmente do regime democrático) contar com a serenidade, a lucidez e a noção de responsabilidade do PCP – e, naturalmente, com a firmeza determinada construída ao longo de 87 anos de vida e de luta e de que os comunistas não prescindem seja em que circunstâncias for.
Publicado no Avante nº1813, 28.8.2008

A caminho do Estado policial


Ao promulgar, segunda-feira, a Lei da Segurança Interna e a Lei da Organização e Investigação Criminal, o Presidente da República «dá o aval a uma operação legislativa que visa assegurar um controlo político, sem precedentes, do aparelho policial e da própria investigação criminal pelo Governo», comentou José Neto, da Comissão Política do PCP, considerando ser este «o caminho para o Estado policial».Ao Avante!, José Neto disse que «para o PCP, esta promulgação não constitui surpresa» e «é um acto político que corresponde aos desígnios do bloco central de interesses, mas que é grave e deve preocupar todos aqueles que prezam a democracia e as liberdades».


«Com esta promulgação, o Presidente da República dá luz verde para o reforço de orientações e medidas securitárias e antidemocráticas, na política de segurança, que representam novos perigos e ameaças às liberdades dos portugueses», considerou o dirigente comunista.


Quanto àquelas duas leis, «o PCP mantém a convicção da inconstitucionalidade de várias normas», designadamente no que respeita a dois aspectos:- as normas que prevêem a interferência directa do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (uma «figura política com poderes exorbitantes») na área da investigação criminal, «pondo em causa os poderes das autoridades judiciárias, nomeadamente a autonomia do Ministério Publico»;- as que referem medidas especiais da polícia, sem controlo judicial prévio (como buscas, revistas, fecho de instalações, corte de comunicações, etc.), que «atingem os cidadãos nos seus direitos, liberdades e garantias».


Avante, 28.08.2008
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