domingo, 14 de setembro de 2008

Uma espécie de vacina


São múltiplas e dissimuladas as cadeias de compromisso e servilismo entre a informação portuguesa dos media de referência, neste caso a RTP, e os interesses do capitalismo monopolista.





A Festa do «Avante!» decorreu nos passados dias 5 a 7. Nos três dias exactamente anteriores, a RTP, estação pública, transmitiu de rajada no seu segundo canal os três episódios de uma espécie de mini-série documental produzida na Alemanha em 2005 com o saboroso e didáctico título de «Comunismo – O Fim de uma Ilusão».


Poderá dizer-se, decerto, que o fez nesses três dias em consequência apenas de um curioso acaso. Poderá dizer-se, mas será então difícil encontrar alguém que acredite na explicação. Na verdade, qualquer sujeito minimamente perspicaz ou até abaixo disso entenderá que a suposta coincidência não mascara a intenção de ministrar a pelo menos alguns milhares de telespectadores uma espécie de vacina capaz de reforçar o vírus anticomunista cuja existência é aliás objecto de abundantes e permanentes desvelos por parte da RTP em todos os seus canais.


Neste caso particular, a coisa teve todo o ar de ser uma espécie de miniguerra preventiva no plano ideológico, até porque, como se sabe, estas acções de prevenção, quer de natureza militar quer de qualquer outra, são muito da cartilha USA. Ora, sendo as coisas o que são, isto é, havendo sempre interesse em reafirmar publicamente e por actos a fidelidade da informação RTP aos grandes valores atlânticos, a eventualidade de o suposto acaso ter sido de facto um caso, mais um, de vassalagem ideológica, surge como altamente provável. Por mim, é para esta explicação, e não para a de uma inocente coincidência, que me inclino. Se me engano, peço desde já desculpa mas, como disse um dia o doutor Salazar, em política o que parece é. E a informação também é acção política, como muito bem sabe quem a faz ou pelo menos quem a comanda.


Quanto ao conteúdo da tripla emissão, qualquer olhar sereno terá verificado que se limitou a repetir, embora em dose compacta, as falácias, omissões de fundamental gravidade e inverdades muito repetidas (na esperança de que a repetição as transforme em verdades nas cabecinhas desinformadas) que consubstanciam a habitual linha de ataque do anticomunismo profissional. A primeira delas é a pretensa sinonímia entre a derrota da União Soviética na Guerra-Fria e o proclamado «fim do comunismo». A verdade estrategicamente omitida é que o comunismo (doutrina, projecto, luta política que se fundamenta numa certa leitura da realidade e tem como objectivo uma transformação da sociedade no sentido de a tornar mais justa) existia antes de 1917 e continuou a existir depois 1991, no poder em alguns estados e nas populações de todos ou quase todos lugares do mundo. Aliás, se assim não fosse careceria de sentido o permanente bombardeamento anticomunista a que se entregam as centrais de desinformação. Dir-se-á talvez que a tentativa soviética falhou não só porque foi derrotada mas também porque, ao fim de setenta anos, o marxismo-leninismo não conseguira construir a sociedade que, inicialmente, se propusera. É verdade que não o conseguiu. Mas não é menos verdade que o Cristianismo não conseguiu, ao fim de mais de 2000 anos, a construção de uma sociedade verdadeiramente cristã para lá das farisaicas aparências. E ninguém parece surpreender-se com esse manifesto falhanço e tomá-lo como se o Cristianismo está morto ou merece morrer.


Quanto à história da União Soviética e da sua derrota, que foi afinal o exclusivo tema do documentário tripartido transmitido pela RTP, não cabe aqui tudo o que seria necessário para a reposição de pelo menos as verdades fundamentais. Mas recorde-se, pelo menos, como a URSS esteve sempre debaixo de cerco e agressão (militar, económica, propagandística), o que o documentário sempre minimizou ou escondeu, e entenda-se como essa situação permanente é impeditiva de que uma sociedade se construa com plena fidelidade a um projecto e a um desejo colectivo.


Perceba-se, até pelo recentíssimo caso da Geórgia a documentar até onde vai a progressão norte-americana/capitalista para Leste, o que já esteve no âmago dos casos da Checoslováquia e da Hungria. Recorde-se que a corrida armamentista imposta pelos Estados Unidos tolheu, pelo peso dos recursos financeiros que exigiu, o percurso soviético para a produção dos bens de consumo a que o Ocidente teria acesso. Não se esqueça que os serviços secretos ocidentais existem, têm poderosíssimos meios (como as séries de televisão muitas vezes ilustram) e que nem o Vaticano se livra de estar na sua órbita. E, finalmente, que sempre a opressão será geradora do desejo de construir sociedades justas. O que garante a sobrevivência do projecto comunista.




  • Correira da Fonseca

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