sábado, 6 de dezembro de 2008


Cosméticas

O Vaticano acaba de descobrir que os «paraísos fiscais» são uma das principais causas da crise financeira internacional, já que a sua existência abriu caminho a «uma trama de práticas económicas e financeiras» tais como a «fuga de capitais de proporções gigantescas», manobras de «evasão fiscal», práticas de «facturação fraudulenta» e lavagem de dinheiro de «actividades ilegais».

A conclusão consta do documento do Conselho Pontifício Justiça e Paz, já devidamente ratificado pelo Papa apresentado por ocasião da conferência de Doha, capital do Qatar, onde por iniciativa da ONU os principais dirigentes mundiais se reuniram de 29 de Novembro a 2 de Dezembro para rever as políticas de ajuda aos países em desenvolvimento.

O documento, após assinalar os efeitos perversos dos «paraísos fiscais», que entre outros aspectos acabam por se traduzir numa transferência da tributação do capital para o trabalho, chega à brilhante conclusão – segundo o Público de terça-feira, 2 – de que «o sistema financeiro deve ser colocado de novo no seu objectivo natural, que é o do serviço ao desenvolvimento e ao bem comum». Para tal, advoga o Vaticano, importa chegar a acordo sobre «novas formas de coordenação internacional em matéria monetária, financeira e comercial».

Ao assumir esta posição – como se só agora tivesse percepcionado a clamorosa injustiça do sistema financeiro vigente e como se nada tivesse a ver com ele nem dele beneficiasse – o Vaticano, a exemplo do que sucede noutras latitudes, assesta as suas baterias para a necessidade de «mudança», porventura a palavra mais em voga nos últimos tempos. Veja-se o caso de Barack Obama, o presidente eleito dos EUA, que após ter galvanizado sinceras esperanças dentro e fora de portas sob o lema da «mudança» acaba de apresentar ao mundo o núcleo duro do futuro governo norte-americano, o qual poderá ser símbolo de quase tudo menos de «mudança». De Hillary Clinton a Robert Gates, de Timothy Geithner a Lawrence Summers, só para citar os nomes mais mediáticos, nem à lupa se vislumbra o que pode mudar, sabendo-se como se sabe que os dois primeiros são partidários da diplomacia da força, e os dois últimos estão no «top ten» da Wall Street pelo seu papel na desregulação dos mercados que segundo os especialista levou à crise actual.

Defensora da invasão do Iraque, da «aniquilação» do Irão e apoiante de Israel nas «soluções» para o Médio, a secretária de Estado Clinton promete não deixar por mãos alheias a defesa dos interesses do Pentágono, onde o antigo chefe da CIA Gates ditará as «mudanças» necessárias para reafirmar os EUA como senhores do mundo. O mesmo fará a dupla Geithner/ Summers no Tesouro e na Economia, com medidas para a crise do capital à custa da exploração dos povos, deixando ao carismático Obama a mediatização da mensagem cosmética para consumo interno e externo, com a promessa de 2,5 milhões de empregos e de que será ele a «definir a política».

Do Vaticano a Washington, a mensagem é a mesma: é preciso fingir que alguma coisa muda para defender o sistema capitalista, antes que os povos percebam que aí reside a origem do problema e que a única solução, a verdadeira mudança, está no socialismo.

  • Anabela Fino

1 comentário:

Fernando Samuel disse...

Outro bom texto da Anabela.



Um abraço.

  • JCP
  • pcp
  • USA
  • USA