sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Crise: o crime compensa…

"que os governos da UE fizeram foi salvar os responsáveis pela crise com dinheiros públicos (o crime compensa e as leis não o punem), numa demonstração clara de quem detém o Poder, para que serve o Estado e a quem servem os governantes".




“Tem mais o rico empobrecido que o pobre enriquecido”(aforismo popular)

Encostado à parede pelas sucessivas quedas da Bolsa de Valores de Lisboa, que desmentiram com estrondo o seu discurso de «nós por cá todos bem», Sócrates aliou-se ao coro maioritário dos que apontam para deficiências na supervisão e regulação do sistema financeiro, como se não tivesse nisso a sua quota de responsabilidade.

Ao longo do desenvolvimento inicial da crise, quer Sócrates («espera-se apenas alguma turbulência, devido à crise financeira da América») quer o seu ministro da Finanças («creio que há uma ano atrás todos esperávamos que esta situação e a incerteza que daí decorria se pudesse desvanecer mais rapidamente») mudaram mais de explicação para a crise que um cata-vento de direcção em dia de vendaval, e saciaram o país com a sua falta de dimensão para lidarem com um problema desta extensão, desdobrando-se em declarações que mais pareciam um exorcismo de maus espíritos que previsões responsáveis.

A dimensão da crise

Se ninguém pode ainda avaliar a dimensão e a durabilidade da crise, é comum entre analistas de reputação mundial a associação imediata com a crise de 29. Alan Chesnais, na mais completa análise das razões da crise a que tive acesso, vai mais longe e, apesar de afastar que ela seja «alguma versão da teoria da “crise final” do capitalismo», conclui que estamos perante o risco de «uma catástrofe humanitária».É que, diferentemente da crise de 29, «a globalização até aos confins e a exploração gananciosa da Terra e do Homem em busca do “crescimento económico” é um desígnio que procura escapar à realidade material, iludir os limites dos recursos e ultrapassar as leis naturais». Hoje, de forma muito clara, «a finitude dos recursos minerais e a limitação da taxa de reposição de recursos renováveis manifesta-se em múltiplas formas de escassez face aos presentes níveis de consumo» (Rui Namorado Rosa in www.odiario.info/articulo.php?p=878&more=1&c=1)

O risco de «catástrofe humanitária» apenas surge em algumas, poucas, análises mais elaboradas, ao contrário da associação com a crise de 29, que é comum a economistas de esquerda e direita, embora as razões para o seu devastador rebentamento sejam naturalmente ignoradas pela generalidade dos epígonos do capitalismo. Iludem o problema com as deficiências na supervisão e na regulação. Alguns dos analistas de direita, embora falem do «carácter sistémico» da crise, procuram desvalorizar a expressão, banalizam-na, para que se não retirem daí as inevitáveis consequências políticas.As crises são inerentes ao modo de produção capitalista, logo «sistémicas», mas é preciso acrescentar que isso se deve ao facto de a valorização do capital ser o ponto de partida, o motivo e o objectivo da produção. No modo de produção capitalista a produção tem como único fim a valorização do capital, não a produção de bens a distribuir pelos produtores, a sociedade.

O modo de produção capitalista, pela sua própria finalidade, a valorização do capital, tende à superação dos limites que lhe são imanentes, mas só os supera recorrendo a meios (desenvolvimento das forças produtivas, criação de capital fictício, liberalização do sector financeiro, substituição das normas de supervisão e regulação por outras mais permissivas ou totalmente permissivas…) que os levantam à frente com uma violência redobrada.Se, tal como na de 29, a actual crise se desenvolve como um processo, para além do risco de «catástrofe humanitária», há uma outra qualidade que as distingue: presentemente a China, a Índia, os países emergentes do Sudeste asiático, a Rússia e todo o espaço económico da ex-URSS (muito mais de metade da população mundial) fazem hoje parte da globalização capitalista, participam significativamente na produção mundial e na utilização delapidadora de recursos não renováveis, o que não acontecia em 1929.

Uma consequência deste início da crise retiram muitos analistas da direita e esquerda: o papel hegemónico dos EUA na actual globalização capitalista e do dólar como moeda padrão acabaram, embora mantenham intacto o seu imenso poderio militar. As recentes posições de firmeza da Rússia em resposta à invasão da Ossétia do Sul pela Geórgia, o lançamento para o espaço do 1º astronauta chinês, os últimos ensaios com mísseis balísticos russos [1] e a solicitação/intimação da UE para uma cimeira de refundação do sistema financeiro mundial (até Sócrates se pôs em bicos dos pés para criticar os EUA…), são apenas alguns dos factos que indicam isso mesmo, o que potencia o risco, agora militar, de uma «catástrofe humanitária».

O mercado

A manchete do Diário de Notícias de dia 7 de Outubro («Só Amorim e Belmiro perderam 500 milhões no pior dia da Bolsa») levanta a questão do mercado e do seu funcionamento ou não funcionamento. Os analistas sistémicos dizem que o mercado não estava a funcionar, pelo que o Estado, que tantos tanto atacaram por interventor na regulação e supervisão do sistema financeiro, não podia ficar indiferente.

A verdade é precisamente ao contrário: O mercado funcionou e corrigiu o excesso de capital fictício que tinha uma valorização muito superior ao valor real que representava. Quer Amorim quer Belmiro não perderam valor algum, continuaram com as mesmas posições nas empresas que dominam, e estas continuam com as mesmas taxas de lucro especulativas, de que é evidência, logo não carece de explicação, a GALP.

«O mercado, diz Jorge Altamira, impôs-se em toda a linha. (…) Os preços ‘inchados’ dos activos acumulados durante o processo ascendente da especulação não correspondem aos valores reais dos bens que diziam representar como contravalor. (…) Havia um capital imenso que era fictício…». E conclui: «A vitória do mercado é tão esmagadora que o Estado intervém para evitar que esse ajustamento entre capital fictício e capital real se torne efectivo».

O carácter classista dos Estados

As decisões do Eurogrupo do passado domingo, de acordo com a informação hoje disponível, resume-se aos seguintes objectivos:

1.Forçar os bancos a ceder dinheiro no mercado interbancário. objectivo central do plano, sendo que os Estados, quando solicitados, garantem «os novos empréstimos (…) realizados antes de 31 de Dezembro de 2009».

2.Recapitalizar os bancos «em dificuldades…»

3.A liquidez do BCE. O banco central aceitará que os bancos lhe entreguem como garantia os créditos sobre empresas industriais.

4.As normas contabilísticas «serão modificadas “nos próximos dias” para permitir aos bancos não desvalorizar os seus activos…». Mais contabilidade criativa, isto é, criação de capital fictício?

5.A Gestão da crise europeia. O grupo decidiu criar «até quarta-feira» uma comissão de acompanhamento, para reforçar «os procedimentos que permitam a troca de informações…»

Os objectivos são claros e elucidativos quanto ao carácter de classe dos Estados e da UE. A intervenção dos governos da UE apenas evitou, por agora, que se tornasse efectivo «o ajustamento entre o capital fictício e o capital real». Mas, mais cedo que tarde, esse ajustamento será feito, pois os remédios não atenderam á causa, antes constituíram um incentivo à continuação dos mesmos procedimentos pelos fautores da da superação dos limites imanentes ao modo de produção capitalista.Com as medidas tomadas, os governos da UE, apenas contribuíram para o aprofundar da crise, que não é apenas financeira, e para a acelerar a centralização do capital: bancos que para enfrentar a crise já recorreram ao auxílio dos Estados por estarem descapitalizados, estão já a comprar outros bancos em maiores dificuldades!

O que os governos da UE fizeram foi salvar os responsáveis pela crise com dinheiros públicos (o crime compensa e as leis não o punem), numa demonstração clara de quem detém o Poder, para que serve o Estado e a quem servem os governantes.A opção tomada, injecções massivas de dinheiros públicos para os responsáveis pela crise, independentemente dos diferentes estatutos jurídicos em que assentam as sucessivas transferências, constituem já, e a procissão ainda vai no adro, a maior passagem de dinheiro das classes trabalhadoras para os grupos monopolistas e transnacionais da história do capitalismo.

A crise, ainda no início do seu processo de desenvolvimento, vai bater com violência nas classes trabalhadores e classes intermédias da população, até que os povos assumam o papel que lhes cabe de sujeitos da História e beneficiários do modo de produção.

Nota:[1] A Rússia e a China, juntamente com o Kazaquistão, Kirguisistão, Tadjquistão, Uzbequistão, Bielorússia e Arménia (a Índia e o Irão são observadores participativos) fazem parte do Tratado da Organização de Cooperação de Shangai (OCS) que, apresentado como «um novo modelo de cooperação internacional, nascido da necessidade de resolver disputas» rapidamente evoluiu e alargou a sua cooperação ao intercâmbio militar, tendo já realizado diversos exercícios militares conjuntos, assumindo-se cada vez mais como uma resposta à NATO.



  • José Paulo Gascão













1 comentário:

Dona Sra. Urtigão disse...

Excelente avaliação. Só nos resta chorar...pois força para mudar, já vimos históricamente que não há, pela desunião que a ganância produz.

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