quarta-feira, 17 de setembro de 2008

O ROSTO DO FASCISMO NA BOLIVIA




A prisão Prefeito do Departamento de Pando, Leopoldo Fernández, poucas horas depois este texto ser escrito, responsável pela morte de dezenas de pessoas e cerca de uma centena de desaparecidos naquele departamento, se reafirma o carácter fascista dos secessionistas, revela também que o Governo e as forças sociais e políticas que apoiam o processo de mudanças em curso estão em condições de derrotar os golpistas.

Começa a mãe de todas as batalhas


A situação boliviana, como se costuma dizer nos media, é volátil. Desde há uns dez dias a opinião pública é sacudida por uma série de acontecimentos, a maioria caracterizados pelo extravasar da fúria reaccionária, particularmente no Oriente do país. Todos estes acontecimentos – que em breve farão parte das páginas da convulsa história política boliviana – não se caracterizam, no entanto, por nenhum traço original. Para dizê-lo em curtas palavras, mais não são do que episódios do desencadeamento de operações contra-revolucionárias de inconfundível cunho fascista.A semana passada, segundo o tinha antecipado a União Juvenil de Santa de Santa Cruz (UJC) ocupou uma série de instalações dependentes do governo central. O pretexto para estas ocupações era a execução dos resultados dos inconstitucionais «estatutos autonómicos». Segunda a interpretação da direita destes estatutos «todas estas instituições pertenciam aos povos de Santa Cruz, Beni, Tarija, etc.» e «deviam ser retirados ao governo centralista» para serem postos «ao serviço do povo» das suas regiões.Os factos revelam que essa é, no mínimo uma retórica cínica. Quase todas as instalações ocupadas foram seriamente danificadas. Algumas delas completamente saqueadas e inutilizadas; alguns edifícios foram literalmente destruídos, como o da Empresa Nacional de Telecomunicações em Santa Cruz. Alguns dos escritórios sofreram saques que denunciam o seu objectivo. Nas instalações departamentais do Instituto Nacional da Reforma Agrária, milhares de documentos, processos referentes a terras e resoluções de entrega de terras às comunidades camponesas e povos originários foram queimados. Estas acções têm conexão directa com a «reocupação» de prédios conhecidos como Terras Comunitárias de Origem (TCO). É o caso de Monteverde (Santa Cruz), propriedade colectiva, recentemente reconhecida como do povo chiquitano. Não se trata ninharia. São um milhão de hectares que pretendem usufruir os latifundiários.
Uma parcimónia suspeita
Chama a atenção o facto de algumas das ocupações terem sido acompanhadas de agressões a membros da polícia e do exército que, estranhamente, tiveram uma atitude quase passiva. Deixaram que soldados, polícias e até coronéis fossem sovados e insultados de modo nunca visto. Voltaremos ao significado desta passividade.Os grupos fascistas identificados com a cruz dos templários e algumas vezes com a cruz gamada, acentuaram a sua presença nas ruas, particularmente em Santa Cruz, dedicando-se a insultar e agredir, por vezes com inusitada brutalidade, sobretudo pessoas com traços índios. Inclusive vexaram mais identificáveis pela sua roupa típica. Ensaiaram razias contra mercados camponeses (em Tarija) e o «Plano 3.000» (cidade de Santa Cruz). Nestes casos as populações reagiram e repeliram com êxito, pela primeira vez, os esquadrões paramilitares.Tudo isto é a confirmação da causa da resistência, do complôt e da violência fascista: a defesa dos interesses dos representantes das transnacionais e latifundiários e a execução dos planos incentivados e desenhados pela CIA e a embaixada estadunidense.
O Inocultável rosto fascista
O facto mais grave registou-se dia 11 nas localidades de El Provenir e Filadélfia, departamento de Pando. Um importante grupo de camponeses dirigia-se nesse dia a Cobija, capital do departamental, para realizar uma reunião ampla, quando interceptado num ponto do trajecto e acabou atacado a tiro impunemente por empregados da prefeitura de Pando e, talvez, por sicários estrangeiros. Foram assassinados 17 camponeses e estudantes liceais, e feridos mais de quarenta pessoas. Até hoje ainda se não soube o número total das vítimas.O inaudito deste massacre é que foram vitimados mulheres e crianças. A estes, antes de os assassinarem, bateram-lhes e flagelaram-nos. Os cadáveres dos menores não foram até agora encontrados. Também não podemos omitir que os agressores atiraram sobre alguns feridos e mataram-nos e outros foram submetidos a torturas, procurando que se denunciassem a si mesmos como agressores enviados pelo governo. Há relatos de parentes das vítimas que acusam de que até os cadáveres foram violentados. Não é exagero dizer que o que sucedeu em Pando foi um genocídio. O governo teve que decretar o estado de sítio no departamento. A recuperação do aeroporto significou perdas adicionais de vidas. Franco-atiradores colocados na mata assassinaram um recruta e um pastor evangélico. Os militares limitaram-se a recuperar ao eroporto e só muito paulatinamente entraram na cidade, onde a resistência dos grupos de choque e dos militantes da direita se foi diluindo. Apesar disso, ainda não foi feito o completo restabelecimento da ordem. Mesmo depois do estado de sítio um grupo armado conseguiu passar para o município de Filadélfia, a que pegaram fogo. O prefeito e alguns chamados dirigentes cívicos mantiveram uma atitude desafiante.
O Povo resolve organizar-se e lutar
Nalguns círculos militares comentou-se que as medidas tomadas foram aplicadas muito lentamente, sem resolução. Isto, imediatamente compreendido pela população provocou uma grande efervescência popular. Centenas de milhar de manifestantes, em diversas assembleias e reuniões, sobretudo nos departamentos do centro e de ocidente, quase de modo espontâneo, começaram a discutir a organização de destacamentos, brigadas e outros tipos com um sentido muito definido: alistar-se para defender a integridade nacional, a democracia e a soberania nacional, para continuar o processo de mudanças progressistas. O tom principal deste ânimo social é o patriotismo. Lembra o ânimo dos patriotas da independência, como se tratasse, na verdade, de uma batalha pela segunda (e definitiva) independência nacional. Apesar dos fascistas nos terem habituado a distorcer a verdade, não é demais mencionar que os meios de comunicação da direita pretendem torcer a verdade do acontecimentos, a começar pelo prefeito Fernández. Este não teve mais nada para dizer, a não ser que os massacrados eram «pseudo-camponeses», enviados e armados pelo governo. Inclusive, apareceu num programa de televisão onde, com uma desfaçatez indescritível, negou as acusações, praticamente na frente dos sobreviventes. Entretanto, a opinião pública nacional exige a renúncia do funcionário que tem já acusação deduzida.
A Secessão não será fácil
Nos meios diplomáticos e em todo o mundo teve uma enorme repercussão a resolução do presidente Morales de declarar persona non grata o embaixador americano Goldeberg. A verdade é que, os actos e movimentos de Goldberg eram há muito tempo, mais do que uma suspeita, uma evidência. Além da sua participação na conspiração contra Evo Morales, antecedia-o um extenso rol de outras acções entre as quais se destacava a sua acção no Kosovo. É conhecido como um especialista a desmantelar países. Suspeita-se de todas as suas acções, incluindo o ter alguma coisa a ver com o estatuto «autonómico» de Santa Cruz, que apresenta sugestivas concordâncias com a constituição política da «república» do Kosovo. A sua expulsão adquiriu a exacta projecção que devia ter, juntamente com a expulsão do embaixador Duddy da Venezuela. Ao cabo e ao resto, Goldberg não era mais do que uma peça no quadro conspirativo desenhado pela CIA contra todos os governos progressistas da América Latina. Dois objectivos são evidentes: O derrube dos mandatários ou o magnicídio destes ou, finalmente, a divisão do país. Zulia na Venezuela, Guayaquil no Equador e Santa Cruz na Bolívia. Na saída, Goldberg na sua declaração à imprensa pôs especial ênfase no tema do narcotráfico. Há que ter em conta a referência e o governo de Evo não deve esquecê-la por um momento que seja.

A alternativa secessionista é difícil de levar à prática. Primeiro pela própria resistência que se gerará nos departamentos em cisão. O Plano 3.000, em Santa Cruz, é uma cidadela de uns 400.000 habitantes, onde a resistência ao prefeito Costas e aos grupos de choque da UJC está a organizar-se e a adquirir a decisão de se defender e lutar pela sua liberdade e dignidade. Depois há a decisão de importantes organizações sindicais e da própria Central Operária Boliviana (COB) que parece ter espevitado e planeia realizar uma reunião ampla na própria capital de Santa Cruz, dir-se-ia no olho do furacão. Um verdadeiro desafio que, só com o seu anúncio, muda positivamente a perspectiva, por muito que a visão e a perspectiva, por muito dura que esta seja.
O contexto Sul-americano
Também o ambiente sul-americano não é favorável aos sediciosos e secessionistas. A reunião de urgência da UNASUR (União da Nações Sul-americanas), a que assistiram 8 presidentes foi firme na rejeição das intenções golpistas ou separatistas. Ressaltam as palavras de Chávez comparando a situação boliviana de agora com a que se deu no Chile há 35 anos, quando todos «ficaram mudos» perante a imolação de Salvador Allende, provocada pela ingerência do imperialismo norte-americano. Chávez, muito serenamente, disse que a América latina mudou, já não somos mudos.A Bolívia é conhecida pela sua combatividade, pelas tradições da sua classe operária, pela incorporação dos camponeses e agora também pela presença activa dos posvos indígenas. São demasiados factores e um grande empurrão da História que não será fácil os reaccionários superarem. Mas os revolucionários não podem dormir sobre os louros e o governo abandonar a sua guarda.


  • Marcos Domich

Tradução de José Paulo Gascão

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